A noção de fobia é comumente usada para designar o pavor de um sujeito em relação a um objeto, um ser vivo (animal) ou uma situação.
No Dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO, 1998, p. 243), temos os seguintes comentários acerca dessa noção: “Tal como utilizado em psiquiatria por volta de 1870, como substantivo, o termo designa uma neurose, cujo sintoma central é o pavor contínuo e imotivado que afeta o sujeito, frente a um ser vivo, um objeto ou uma situação que, em si mesmos, não apresentam nenhum perigo real. Em psicanálise, a fobia é um sintoma, e não uma neurose, donde a utilização da expressão histeria de angústia em lugar da palavra fobia. Introduzida por Wilhelm Stekel em 1908 e retomada por Sigmund Freud, a histeria de angústia é uma neurose de tipo histérico, que converte uma angústia num terror imotivado, frente a um objeto, um ser vivo ou uma situação que não apresentam em si nenhum perigo real”.
No contexto social, indo para o espaço urbano, a fobia também se associa ao pavor de um sujeito em relação a outro sujeito e não somente a objetos, animais ou situações. As fobias que surgem desse “contato pavoroso, sem a apresentação de um perigo real”, estão relacionadas a duas questões: à sexualidade e ao gênero desses sujeitos em confronto/conflito no espaço citadino. Assim, teremos a homofobia, a bifobia, a lesbofobia e a transfobia.
Na formulação de um discurso médico-psicanalítico, a fobia é vista como um problema individual, uma neurose, possível de ser tratada, que irá constituir o sujeito. No Dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO, 1998, p. 244), citando Jacques Lacan em seu seminário A relação de objeto, mostra-se que o objeto de fobia seria um significante, isto é, um elemento significativo da história do sujeito que viria a mascarar sua angústia fundamental: “Para preencher algo que não pode resolver-se no nível da angústia intolerável do sujeito, este não tem outro recurso senão criar para si mesmo um tigre de papel”. Ainda, no discurso médico-psicanalítico, Melanie Klein dissolveu a fobia na angústia, fazendo dela um “mecanismo arcaico, integrado na posição equizo-paranóide” (ROUDINESCO, 1998, p. 244). Já Anna Freud, ao contrário, “encarou-a como uma neurose de transferência, na qual o objeto fobogeno torna-se símbolo de todos os perigos ligados à sexualidade, os quais é preciso repelir através de mecanismos de defesa. Daí o surgimento de uma defesa maníaca, ou a adoção, em alguns indivíduos, de uma atitude chamada de contrafóbica”. (ROUDINESCO, 1998, p. 244).
Em História da Sexualidade (1980), Foucault falará em um “dispositivo de sexualidade”. Já em Microfísica do poder (1984b), afirmará que nas sociedades ocidentais, por muitos séculos, relacionou-se o sexo à busca da verdade, sobretudo a partir do cristianismo. O sexo, nas sociedades cristãs, tornou-se algo que era preciso “examinar, vigiar, confessar, transformar em discurso” (FOUCAULT, 1980, p. 127). Assim, “A confissão, o exame de consciência, toda uma insistência sobre os segredos e a importância da carne não foram somente um meio de proibir o sexo ou de afastá-lo o mais possível da consciência; foi uma forma de colocar a sexualidade no centro da existência e de ligar a salvação ao domínio de seus movimentos obscuros” (FOUCAULT, 1980, p. 127).
Tânia Navarro Swain, historiadora e editora da revista digital LABRYS, Estudos Feministas, aponta a importância do conceito de “dispositivo da sexualidade” (FOUCAULT, 1980, p.101) para que sejam percebidas as estratégias disciplinares e os jogos de poder que fazem parte do sistema sexo/gênero desde a Modernidade. Para a autora, esses gestos de poder são reatualizados no presente, capturando os corpos e impondo uma “heterossexualidade normatizadora” (SWAIN, 2009, p. 390, 2006).
É essa heterossexualidade normatizadora que gera as fobias contra os homossexuais, os/as transexuais, as lésbicas e cria na sociedade um espaço de não aceitação do outro, de repúdio e perseguição ao sujeito que tenta escapar das imposições sexuais e de gênero impostas pela sociedade heterossexual.
No Dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO, 1998, p. 291), gênero vem definido como “termo derivado do latim genus é utilizado pelo senso comum para designar qualquer categoria, classe, grupo ou família que apresente os mesmos sinais em comum. Empregado como conceito pela primeira vez em 1964, por Robert Stoller, serviu inicialmente para distinguir o sexo (no sentido anatômico) da identidade (no sentido social ou psíquico). Nessa acepção, portanto, o gênero designa o sentimento (social ou psíquico) da identidade sexual, enquanto o sexo define a organização anatômica da diferença entre o macho e a fêmea”.
Saffioti (2009), em seu artigo Ontogênese e filogênese: gênero: ordem patriarcal de gênero e a violência masculina contra mulheres, fará um percurso por diversos autores em torno da concepção de gênero. A autora aponta que se pode considerar o gênero como socialmente construído, “desde que se considere o substrato material – O CORPO – sobre o qual a sociedade atua”. Além disso, Saffioti relacionará gênero à noção de patriarcado. A estudiosa salienta que o “patriarcado serve a interesses dos grupos/classes dominantes e que o sexismo não é meramente um preconceito, sendo também o poder de agir de acordo com ele” (SAFFIOTI, 2009, p. 24). Também coloca que “Gênero é um conceito por demais palatável, porque é excessivamente geral, a-histórico, apolítico e pretensamente neutro. Exatamente em função de sua generalidade excessiva, apresenta grande grau de extensão, mas baixo nível de compreensão. O patriarcado ou ordem patriarcal de gênero, ao contrário, como vem explícito, o vetor da dominação-exploração. Perde-se em extensão, porém, se ganha em compreensão. Entra-se, assim, no reino da História. Trata-se, pois, da falocracria, do androcentrismo, da primazia masculina. É, por conseguinte, um conceito de ordem política”.
Desse modo, para finalizarmos, em uma concepção discursiva, não vemos a fobia somente como uma doença individual, mas podemos considerar seu funcionamento em um contexto social como uma manifestação de repulsa aos sujeitos que escapam da ordem imposta pela sociedade “heteronormatizadora”, “falocrática” em que o poder masculino se sobrepõe ao da mulher, do homossexual, da lésbica, da/do transexual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOUCAULT, M. História da sexualidade. I: a vontade de saber, 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
______. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984a.
______. História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
______. Não ao sexo rei. In: ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984b.
ROUDINESCO, E. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
SAFFIOTI, H. I. B. Ontogênese e filogênese: gênero: ordem patriarcal de gênero e a violência masculina contra mulheres. In: FLASCO-BRASIL. Série de estudos e ensaios. Jul. 2009.
SWAIN, T. N.. Todo homem é mortal. Ora, as mulheres não são homens; logo, são imortais. In: RAGO, M.; VEIGA NETO, A. (Org.). Para uma vida não fascista. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.