As atividades de comércio realizadas no espaço público estão sujeitas a tensões entre as práticas de organização da cidade (legislações, políticas públicas, fiscalizações, punições) e as práticas dos sujeitos comerciantes em seu cotidiano. Isso se nota no modo como os sujeitos são nomeados e falados nos discursos. Consideremos a manchete abaixo, de uma notícia de jornal:
“Sem fiscais, camelôs voltam às ruas de SP. Comércio ilegal atua com facilidade em diferentes pontos da cidade”. (FOLHA DE S. PAULO, 2015)
Os camelôs são significados como sujeitos que às vezes estão na rua comercializando mercadorias, e às vezes não, daí eles “voltarem” às ruas. Essa intermitência da atividade do camelô é atribuída à presença ou não de “fiscais” nas ruas, ou seja, quando os fiscais estão nas ruas, os camelôs não estão, e quando os fiscais não estão nas ruas os camelôs “voltam”. Temos aí a imagem do ambulente que monta sua barraca no espaço público e depois sai quando há fiscais por perto.
Note-se que o camelô é definidos no dicionário AULETE como “Pessoa que comercia produtos na rua, às vezes sem permissão legal, e que caracteristicamente os anuncia em voz alta”. Está marcada na definição dessa ocupação a tensão jurídica entre a prática corrente e a ilegalidade ("às vezes sem permissão legal").
A locução comércio ilegal funciona, assim, retomando contraditoriamente esses dois sentidos, ou seja, o da presença e o da ausência do camelô nas ruas. Quando o camelô “atua com facilidade” isso está sendo considerado como “comércio ilegal”. A ilegalidade nas legislações compreendem, entre outras coisas: vendas de produtos clandestinos, sem documentação legal, produto de crime, produto falisficado, marca ilícita.
Essa é a tensão característica que envolve as práticas cotidianas dos camelôs. Também se pode dizer o mesmo de outros sujeitos que exercem ocupações no espaço público, como os flanelinhas ou guardaores de carros, os vendedores ambulantes em sinaleiros, nas calçadas, etc.
Bibliografia
AULETE DIGITAL – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: http://www.aulete.com.br. Acesso em 17 de março de 2015.
SEM FISCAIS, CAMELÔS VOLTAM ÀS RUAS DE S. PAULO. Comércio ilegal atua com facilidade em diferentes pontos da cidade. FOLHA DE S. PAULO. Dão Paulo, 08 de abril de 2015, Caderno Cotidiano, C1.