A palavra flanelinha é marcada no verbete do dicionário Aulete Digital como de uso popular e restrito ao Rio de Janeiro: “2. RJ Pop. Pesssoa que, em troca de dinheiro, vigia veículos estacionados nas ruas” (AULETE DIGITAL, 2015). Ela significa uma atividade, uma ocupação que se exerce no cotidiano, nas ruas. O hiperônimo “pessoa” individualiza o sujeito enquanto origem de seus atos, de modo naturalizado, sem ligá-lo a uma posição social, profissional, institucional.
A ação de “vigiar veículos” é vista aí em “troca de dinheiro”, e não como remuneração, salário ou qualquer outro modo de identificação de um trabalho. É uma troca. E o advérbio “nas ruas” coloca o espaço público como definidor: é o fato de vigiar “nas ruas” que caracteriza o ser flanelinha.
Ao silenciar a possibilidade de vinculação a um trabalho, a uma profissão, a uma instituição reguladora da atividade, abre-se um campo de indeterminação, de indistinção. Um dos não ditos aí é que essa atividade de vigiar carros em troca de dinheiro é considerada ilegal pelas leis brasileiras. Observemos como uma notícia de jornal aborda essa atividade:
“Apesar de muita gente considerar normal uma pessoa qualquer pedir dinheiro para 'vigiar' seu carro estacionado na rua, essa prática é considerada ilegal. Nesta semana, a Justiça de São Paulo manteve a condenação de um flanelinha que agia em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, pelo crime de extorsão. Segundo a decisão, ele deverá prestar serviços à comunidade pelo período de 1 ano e 4 meses e pagar multa.” (NOTÍCIAS TERRA, 2015)
Um outro percurso de sentidos possível é aquele que considera tais atividades como um “trabalho informal”, em um gesto de interpretação filiado ao discurso jurídico. Ao se dizer “informal”, evoca-se a posibilidade da formalização, de maneira que o sujeito é inserido em um processo de legitimação do trabalhador.
Assim, flanelinha funciona nessa fronteira entre um sentido habitual, cotidiano, e um espaço de sentidos jurídicos, e isso de dois modos: como criminalização ou como um processo de legitimação trabalhista, em que o sujeito é tomado em sua transitoriedade em direção à identidade de trabalhador.
Bibliografia
AULETE DIGITAL – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: http://www.aulete.com.br. Acesso em 17 de março de 2015.
NOTÍCIAS TERRA. Flanelinha é condenado por extorsão em São Paulo. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/viver-sp/blog/2015/04/01/flanelinha-e-condenado-por-extorsao-em-sao-paulo/. Acesso em 12/04/2015,