Uma leitura do dicionário nos leva a observar alguns modos de dizer da sociedade. Em relação às palavras que significam ocupações de sujeitos no espaço público, coloca-se a questão de saber como o estatuto da atividade é significado: atividade corriqueira, atividade profissional, trabalho, trabalho informal, etc.
A palavra camelô é definida no dicionário Aulete Digital como “Pessoa que comercia produtos na rua, às vezes sem permissão legal, e que caracteristicamente os anuncia em voz alta” (AULETE DIGITAL, 2015). Nota-se que com o uso do hiperônimo “pessoa”, com significação generalizada, nenhuma significação específica de trabalho ou profissão é atribuída ao camelô. O que é definidor, de início, é a atividade costumeira “comercia produtos” e a localização indicada pelo advérbio “na rua”.
Porém, uma outra locução adverbial (“às vezes sem permissão legal”) indica a ilegalidade da atividade e desse modo torna explícita tal signficação jurídica. Note-se que outras atividades “ilegais” são também definidas no dicionário, mas sem que isso esteja explicitado, como é o caso de flanelinha (“Pesssoa que, em troca de dinheiro, vigia veículos estacionados nas ruas”). Assim, no caso de camelô, o discurso lexicográfico introduz a visão jurídica ao lado da descrição do hábito ou costume.
A menção do modo de o camelô enunciar a comercialização dos produtos (“e que caracteristicamente os anuncia em voz alta”) marca a significação da atividade no espaço público, no contato com os sujeitos passantes interpelados como clientes. Esse modo de dizer, que se espalha em espaços centrais de comércio, em feiras, em pequenas aglomerações de camelôs, de vendedores ambulantes, constitui a cidade enquanto mercado.
Isso se dá, nesse caso, não por meio de propagandas, outdoors, panfletos, etc., mas pelo contato oral entre vendedores e clientes, em um laço em que, para além da comercialização, está em jogo a sociabilidade do espaço público, por meio de conversações que se dão nas fronteiras entre o discurso do comércio e a identidade pública dos sujeitos.
Bibliografia
AULETE DIGITAL – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: http://www.aulete.com.br. Acesso em 17 de março de 2015.