mudança climática

Claudia Pfeiffer

Mudanças climáticas é um tema que se tornou muito recorrente no cotidiano da sociedade, sobretudo em razão de comparecer com muita frequência e ênfase nos diferentes meios mediáticos, seja como notícia, seja como objeto de propaganda, filmes, fotos, campanhas. Mudanças climáticas é também um objeto de políticas públicas – municipais, estaduais, nacionais e internacionais. Finalmente, podemos observar que mudanças climáticas é, ainda, um objeto científico estudado por diferentes subáreas das Ciências Exatas, das Ciências Biológicas, das Engenharias, das Ciências da Saúde, das Ciências Agrárias, das Ciências Sociais Aplicadas, das Ciências Humanas, da Linguística, Letras e Artes, das Ciências Ambientais, da Divulgação Científica.

Olhando especificamente para estes diferentes campos científicos, já se pode notar que se trata de um tema científico interdisciplinar que vem sendo referido também como ‘mudanças climáticas globais’ ou como ‘mudança do clima da terra’. Um outro nome ainda que pode ser encontrado é o de ‘aquecimento global’. Por vezes, aquecimento global é relacionado às mudanças climáticas como uma de suas principais causas, e, por vezes, é apresentado como se fosse um sinônimo. Este último caso é muito frequente nos textos jornalísticos, já nos textos científicos e nos de políticas públicas, ‘aquecimento global’ ou ‘aumento da temperatura da terra’ é sempre relacionado às mudanças climáticas, mas raramente é tomado enquanto seu sinônimo.

Como se vê, é possível dizer que há, pelo menos, três espaços discursivos em que as mudanças climáticas são referidas e, portanto, significadas: o dos meios midiáticos, o da política pública e o científico. As formas de significação das mudanças climáticas são heterogêneas entre estes espaços e dentro deles, além de encontrarem-se em relação de sustentação, de articulação e de negação. Ou seja, os modos de significação destes três espaços estão em relação, por meio de citações, por meio de comentários, por meio de confrontações.

No espaço do discurso científico, podemos encontrar duas formas mais estabilizadas que compartilham a definição de o que significa mudanças climáticas, entretanto, há um desentendimento quanto às análises das razões pelas quais as mudanças climáticas acontecem. Apesar desta discordância, podemos considerar estas duas formas provenientes de uma posição científica hegemônica. Esta posição define as mudanças climáticas como uma mudança no estado médio do clima e em sua variabilidade que persiste durante um período prolongado de tempo (pensado em termos de décadas, ou mesmo séculos). Este é um lugar consensual que afirma o fato de que o clima vem variando em todas as escalas temporais e espaciais: a variação climática pode ser, inclusive, classificada em ciclos – glaciais e interglaciais. Se isso faz parte desde sempre da história da Terra, trata-se, consensualmente, de uma variação natural. Até este ponto há uma grande convergência nos debates científicos.

O ponto principal de discordância reside nas razões pelas quais há, nos últimos 150 anos, uma velocidade muito maior de alterações do que as encontradas em períodos anteriores. Ou seja, o estado médio do clima e de sua variabilidade vêm mudando muito mais intensamente do que em períodos anteriores.

Para um conjunto de cientistas, apesar da velocidade distinta, esta mudança se deve exclusivamente a causas naturais. A mudança climática, dessa posição, é provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis.

Há, no entanto, uma outra posição, que vem sendo a mais referida pelos meios mediáticos e pelas políticas públicas que compreende as mudanças climáticas enquanto alterações da média do clima e de sua variabilidade provocadas direta ou indiretamente pela atividade humana. Nesse debate, então, a variabilidade da média do clima pode ser atribuída a processos internos naturais dentro do sistema climático, entendida como uma variabilidade interna; e/ou pode ser atribuída a ações humanas, tomadas enquanto fatores externos, também chamados de antropogênicos, sendo entendida como uma variabilidade externa.

É importante ainda salientar que os fatores antropogênicos são inúmeros, relacionados à história das práticas humanas (práticas que são sociais, econômicas, históricas, políticas) como a industrialização, a urbanização, as relações econômicas, o extrativismo, o desmatamento, a obsolescência programada, a falta de transporte público, a priorização de rodovias em detrimento de ferrovias e hidrovias, as monoculturas, o latifúndio, dentre vários outros fatores que podem ser relacionados às mudanças climáticas.

No espaço discursivo das políticas públicas há a predominância quase que absoluta de compreender as mudanças climáticas como ocasionadas por fatores externos, sem desconsiderar que os fatores internos fazem parte da história do clima da terra. O que varia, no caso das políticas públicas, são os tipos de ações de controle das mudanças climáticas, normalmente tomadas, em uma relação de empréstimo com o discurso científico, como ações de mitigação e de adaptação.

Aliás, é importante observar que as políticas públicas em geral, e as relativas às mudanças climáticas em particular, estabelecem uma relação muito forte com o discurso científico: uma relação de sustentação, de autorização e de legitimação. Observe-se ainda que a heterogeneidade do discurso científico, raramente, é comentada ou explicitada nos textos de políticas públicas, o que produz um efeito de homogeneidade da ciência que é, também, reforçado pelo discurso midiático.

Retornando ao espaço discursivo das políticas públicas e, especificamente, para as ações previstas por elas, pode-se observar que estas ações podem estar articuladas a ações internacionais, como aquelas provenientes da ONU (Organização das Nações Unidas), do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional), por exemplo; elas podem estar articuladas a questões regionais, voltadas a espaços territoriais em que prevaleçam cenários de estiagem, de inundações, de desmatamento, por exemplo; ou podem ser pensadas de modo mais totalizador para todo o Brasil. Encontramos como regularidade nestas distintas políticas, uma sobreposição das diretrizes internacionais sobre as nacionais e regionais.

Estas ações também variam quanto ao público destinatário: podem ser ações voltadas a grupos específicos (agricultores, empresários, organizações não governamentais, comunidades organizadas, órgãos públicos, como a defesa civil e as escolas, por exemplo) ou ações dirigidas aos indivíduos que compõem a sociedade.

Nessas divisões entre um nível internacional, nacional e regional, estabelecem-se relações hierarquizadas e naturalizadas: demandas internacionais são naturalizadas como demandas nacionais, por exemplo. Nas divisões aos grupos destinatários, as ações são construídas em uma relação de causa e consequência, sendo que cada grupo ou indivíduo é responsabilizado por ser a razão pela qual as mudanças climáticas ocorrem, sendo responsável, então, também, pela solução. Ocorre que esta solução, ao ser segmentada, promove a desarticulação do processo complexo e contraditório que está em torno das mudanças climáticas.

No espaço discursivo midiático, há uma articulação muito forte com o discurso científico cujo efeito é o de sustentação, enquanto que o discurso do Estado (das políticas públicas) normalmente entra para ser comentado e não para servir de sustentação ao discurso midiático.

Este discurso midiático está também em profunda relação com um discurso pedagógico estruturado por uma simplificação das relações aludidas. Trata-se de uma conjugação – mídia/educação/ciência – que esvazia aquilo que se ensina/divulga. Um esvaziamento do político, do social, do histórico que constituem as relações envolvidas na complexa questão das mudanças climáticas.

O discurso midiático constrói as mudanças climáticas por meio de clichês imagéticos – como o do urso polar procurando se manter em um pedaço ínfimo de calota polar, por exemplo – e de formulações estereotipadas que denunciam os desastres naturais – como aquelas que dizem “Duas pessoas morreram e outras 24 estão desaparecidas em consequência de fortes chuvas que caíram...”.

Estes clichês situam as mudanças climáticas no lugar do desastre, da tragédia, da catástrofe, funcionando como forma de sensibilização que acarretaria uma conscientização: o homem é responsável pelo aquecimento global, razão pela qual as mudanças climáticas ocorrem e, portanto, as catástrofes. Uma conscientização individual que retira o homem das complexas relações políticas, históricas, econômicas e sociais que engendram as mudanças climáticas.

Esse processo de individualização da responsabilidade pode ser visto, de modo emblemático, por exemplo, no livro de Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, quando afirma que “Cada um de nós é uma causa de aquecimento global; mas cada um de nós pode se tornar parte da solução - em nossas decisões sobre o produto que compramos, a eletricidade que usamos, o carro que dirigimos, o nosso estilo de vida. Podemos até fazer opções que reduzam a zero as nossas emissões de carbono.”

Se, de um lado, vemos no discurso midiático esta busca de conscientização individual, por outro também vemos jogar neste discurso uma polarização de vítimas e algozes, de causas e consequências, na qual o homem é o algoz e a natureza é a vítima. É por isso que também predomina nesta discursividade uma diferença entre o homem e a natureza, separando o homem da natureza.

Nesta discursividade do espaço midiático, as mudanças climáticas são significadas como uma resposta da natureza pelas más ações dos homens, estruturando assim sua evidência: os homens agem inadequadamente provocando o aquecimento global, o clima é afetado por isso, o mundo sofre as consequências. As mudanças climáticas seriam assim resultado de um defeito moral dos homens.

 

 

 

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