Em um momento em que as biciletas deixam de ser usadas apenas para lazer e começam a ser encaradas como veículo de transporte, a cidade se prepara para guardá-las em locais de acesso a outros meios de transporte. O dicionário Aulete Digital define bicicletário como “Lugar destinado para estacionar e/ou guardar bicicletas”. É então um tipo de estacionamento, mas como se trata de algo relativamente novo na dimensão que tem tomado, surgem outros sentidos, especialmente sua ligação mais ampla com os espaços da cidade.
Em uma notícia de um jornal paulistano, observamos que o bicicletário é significado na relação com sua localização, bem com o percurso realizado pelos ciclistas:
“Dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação revelam que os bicicletários ligados a estações de metrô e trens e localizados na periferia e em cidades da região metropolitana estão lotados. Já os do centro da capital vivem às moscas.” (FOLHA DE S. PAULO, 2015)
Os estacionamentos para bicicleta estão sendo construídos em pontos de acesso aos trens e metrôs (estações), o que os significa enquanto meio de transporte. Considerando-se o movimento do ciclista, trata-se de uma baldeação (para utilizar uma palavra antiga), com a passagem de um transporte individual a um transporte coletivo. Há também a distinção entre centro e periferia, de maneira a indicar que no centro o uso da bicicleta é menos intenso do que na periferia. Para explicar esse fato, surgem duas outras palavras, cada uma ligada a um desses espaços: no centro há cicloativistas e na periferia há trabalhadores:
“a intenção dos bicicletários é integrar as ciclovias às estações, mas os moradores do centro ainda não se adaptaram a usar a bicicleta com essa intenção. Na periferia, o trabalhador usa bicicleta para economizar. No centro, há muitos cicloativistas, mas a maior parte costuma pedalar só no fim de semana por lazer.”
Nessa citação que o jornalista faz de uma especialista em mobilidade, nota-se a distinção entre transporte e lazer. Em outro momento de sua fala, encontram-se marcas dos discursos das políticas públicas de transporte, como as palavras mobilidade, ciclovia e integração. Mobilidade dá nome à Política Nacional de Mobilidade Urbana, sendo que uma das diretrizes dessa política é a “integração” (outra palavra técnica que se tornou de senso comum) dos modos de transporte. Assim, a bicicleta se insere nessa política de "mobilidade" e "integração".
Além de estacionar, o bicicletário permite então integrar diferentes meios de transporte e dar acesso a espaços fragmentados da cidade, cada um com certos sentidos atribuídos à prática de andar de bicicleta ou pedalar (transporte, lazer) ou às posições dos sujeitos moradores em cada espaço ou percurso (trabalhador, cicloativista). O vocabulário da bicicleta ocupa a cidade.
Bibliografia
AULETE DIGITAL – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: http://www.aulete.com.br/ru%C3%A3o#ixzz3UbUoZwXK. Acesso em 17 de março de 2015.
SOUZA, Felipe. Vazio no centro, bicicletário lota na periferia. Folha de S. Paulo, São Paulo, 09 mar. 2015, Cotidiano, p. D1.