cão e urbanidade

José Horta Nunes

No cotidiano das cidades há situações insusitadas que apontam para novos sentidos, embora evocados por velhas palavras. A palavra cão tem sofrido algumas expansões de sentido, que vão bem além do “animal doméstico” e que se relacionam com alguns processos de significação da vida urbana. Antes de tratar disso, observemos a definição de cão que está no dicionário Aulete:
 
1. Zool. Mamífero carnívoro da fam. dos canídeos (Canis familiaris), encontrado em todo o mundo como animal doméstico, ger. de estimação, e que, conforme a raça ou, por vezes, independentemente dela, tem vários comportamentos e usos (companhia, guarda, caça etc.). (AULETE, 2015)

O iníco da definição traz a significação marcada no domínio da zoologia (“mamífero carnívoro da família dos canídeos”), acompanhada do nome científico (Canis familiaris).  Em seguida, há a definição de uso: “animal doméstico”, “de estimação”. Mas os sentidos de cão vão bem além disso atualmente. Ele passou a significar um animal que recebe um tratamento especial e que está inserido em um circuito de serviços profissionais, de alimentação, saúde, lazer, higiene, moradia, dentre outros. Há uma espécie de urbanização elitista do cão, sendo que um qualificativo hiperônimo emprestado do inglês marca esse estatuto especial: “pet” (animal de estimação). O animal pet está imerso nesse circuito de cuidados, que vão além de um simples animal caseiro de estimação. Além do veterinário que se ocupa há mais tempo deles, os cães pet têm à disposição, hoje em dia, lojas, supermercados, serviços de banho, hotéis, passeio, acessórios os mais variados, além de profissionais que tratam de sua especificidade. Há pontos de encontro no espaço público para vendas, doações, recolha de animais doentes para recuperação, divulgação de informações e propagandas de serviços.

A Lagoa do Taquaral, em Campinas, é um desses lugares em que se encontram sentidos do cão pet. Em uma das edições da Revista Na Lagoa, há uma matéria de capa da qual tiramos a seguinte sequência:

“Assim como a alimentação é determinante para a nossa saúde, o equilíbrio nutricional, a qualidade e a segurança dos alimentos são fatores determinantes para a saúde e longevidade dos cães.
Embora as opções de alimentos próprios para pets tenham crescido muita gente ainda prepara alimentos de consumo humano para seus bichinhos. Essa prática pode ser extremamente prejucicial, pois geralmente esses alimentos são desbalanceados, ricos em carboidratos e gorduras pobres em termos de proteínas, fibras, vitaminas e minerais, afetando assim a saúde dos cães, reduzindo seu tempo e sua qualidade de vida.” (BUENO, 2015, p.  17)

As comparações entre o homem e o cão são regulares, ao mesmo tempo em que se apontam as especificidades do tratamento a ser dado ao animal. Com apoio em um discurso científico, voltado a um público amplo, algumas palavras sinalizam as imagens do cão pet: “equilíbrio nutricional”, qualidade e segurança dos alimentos”, “saúde”, “longevidade”, “alimentos próprios”, “qualidade de vida”. A simulação da vida quase humana  pode ser vista como um fato social, na medida em que o convívio no espaço urbano tem sido permeado pela indiferença, pela segregação, pela individualização dos sujeitos. O “cão” aparece aí como um possível substituto do ser humano, que merece cuidados semelhantes, com “qualidade de vida”.

Os cães também têm adquirido outro estatuto citadino, o de prestador de assistência social. São os chamados “cães doutores” ou “cães da alegria”, que auxiliam os “doutores da alegria” (palhaços voluntários que visitam hospitais), proporcionando uma breve companhia para pacientes internados, crianças, idosos.  Além dos tradicionais “cães de guia”, temos então esse “serviço voluntário” oferecido aos pacientes.


Bibliografia

AULETE DIGITAL – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: http://www.aulete.com.br/ru%C3%A3o#ixzz3UbUoZwXK. Acesso em 17 de março de 2015.

BUENO, Tati. Cuidados com a alimentação podem garantir saúde e longevidade para seu cão. In Revista Na Lagoa. Campinas: Editora Inove, 2015, p. 16-17








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