denúncia

José Horta Nunes

A palavra denúncia passou a circular mais amplamente, significando uma prática que se instalou no cotidiano dos sujeitos na sua relação com os outros, com as instituições, com os governos. Na medida em que o Estado falta para prover as necessidades dos sujeitos, que a sociedade vive tempos de fragmentação, que as relações entre os sujeitos na cidade são permeadas de medo, insegurança, desconfiança, corrupção, impunidade, a denúncia surge como uma manifestação que busca reverter esse estado de coisas. Será que consegue? As instituições promovem ouvidorias, centrais de atendimento, atendimento aos clientes, call centers. Os sujeitos solicitam, reclamam, insistem, desistem, denunciam, se esgotam. De um lado, o discurso da denúncia questiona os sentidos de uma organização que falha, que se ausenta, ou que deixa as providências e decisões por conta do “cidadão participativo”, do “voluntário” (“é preciso que haja uma solicitação”, “é preciso que haja uma denúncia” para que o poder público, a instituição, aja). De outro lado, o excesso de denúncias leva ao denuncismo, a performativos infelizes, a burocracias, a perda de tempo.

Nessa conjuntura de incertezas, há tentativas de desambiguizar os sentidos, de propiciar escutas que canalizem a voz dos reclamantes para uma instância organizadora. São instâncias de governo digital, de protocolos telefônicos, de cadastros e históricos de clientes, etc. No site do Ministério das Cidades do Brasil, vimos que este adotou o “Sistema de Ouvidoria da Controladoria Geral da União (CGU)”, a fim de promover uma “ouvidoria do Programa Minha Casa Minha Vida”. O nome “e-ouv” atribuído a essa ouvidoria é um dos neologismos “e-“ que marcam a instalação de procedimentos que vão em direção ao que se tem chamado de governo digital.  Na notícia sobre essa ouvidoria, encontramos o seguinte léxico que orienta os internautas a como fazer uma manifestação a respeito do Programa:

“DIFERENÇAS ENTRE DENÚNCIA, RECLAMAÇÃO E SOLICITAÇÃO:
DENÚNCIA: Quando se quer comunicar a prática de ato ilícito ou indício de irregularidade.
RECLAMAÇÃO: Quando se quer relatar insatisfação em relação ao serviço público, sem conteúdo de requerimento.
SOLICITAÇÃO: Quando se requer adoção de providência ou se busca uma instrução, orientação, ou esclarecimento relacionado ao Programa.” (MINISTÈRIO DAS CIDADES, 2015)

Esses verbetes objetivam mostrar as “diferenças entre denúncia, reclamação e solicitação”. Na paráfrase entre as definições, vemos as distinções entre “querer” e “requerer”, entre “ato ilícito”, “insatisfação” e “adoção de providência”. As ações são sustentadas pelo discurso jurídico e protocolar da instituição, interpelando os sujeitos a se identificarem a uma ou outra dessas posições. A denúncia é “comunicação”, a reclamação é “relato”, a solicitação é “requerimento”, “busca de orientação”.

A denúncia deixou de ser somente um ato jurídico episódico, litigioso, criminal, tal como vemos significado no dicionário Aurélio (2010): “Dir. Civ. Comunicação que uma das partes contratantes faz à outra no sentido de que tem o contrato por findo; denunciação.”, “Acusação secreta ou não que se faz de alguém, com base ou sem ela, em falta ou crime cometido”. Ela migrou para o cotidiano dos sujeitos, nas situações mais diversas, tornando-se um dos discursos que marcam a conjuntura social e política, e daí também as múltiplas providências para fomentá-la ou controlá-la.


Bibliografia

MINISTÉRIO DAS CIDADES. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=137&Itemid=55. Acesso em 19 de março de 2015.

 

 








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