utopia

José Horta Nunes

Os sentidos de utopia transitam entre a negação de um lugar e o desejo de um lugar ideal, imaginário, fantástico, impossível, futuro, entre outros. A utopia trabalha a discrepância entre real e imaginário, produzindo efeitos diversos: de refúgio, de felicidade, memória, bem estar, futuridade, transformação. Em relação à cidade, a República de Platão (por volta de 380 a.C.) é comumente apontada como uma das primeiras utopias: a da “cidade-estado”, com base em uma “sociedade ideal” (formada por reis-filósofos, guardiões e cidadãos) e a busca da “justiça” e do “bom governo”. 

Na Idade Média, em seguida ao saque de Roma pelos visigodos, Santo Agostinho (354-430) escreve “A Cidade de Deus” (410 a 426 d.C.), distinguindo Cidade Celeste (“Civitas Dei”) da Cidade Terrestre (“Civitas Diaboli”), em uma disputa entre cristianismo e paganismo que aponta para o “reino dos céus” como vida após a morte.

No Renascimento, após o encontro com o Novo Mundo e os vários relatos daí resultantes, uma série de utopias têm lugar. Dentre elas, destaca-se inicialmente a de Thomas More (1478-1535), denominada Utopia, publicada originalmente em 1516, em latim. Nessa obra, More descreve a “Ilha da Utopia”, que se estende por 320 quilômetros e compreende 54 cidades, sendo a principal delas Amaurota, uma cidade em que todos falam a mesma língua e respeitam as mesmas leis, não há propriedade privada e são efetuadas trocas ente cidade e campo, tendo em vista o bem-comum.

Muitas outras utopias se seguiram, acompanhando as transformações sócio-históricas. Tivemos os falanstérios de Charles Fournier (1772-1837), grandes edificações que abrigavam uma cooperativa de famílias com serviços coletivos organizados; a Cidade-Jardim (1898), de Ebenezer Howard (1850-1928), uma comunidade autônoma rodeada por um espaço verde  entre a cidade e o campo; a que se apresenta no romance “A Utopia Moderna” (1905), do escritor britânico H. G. Wells (1866-1046), em que os moradores de uma cidade utópica perfeita a abandonam.

No século XX, as utopias tiveram períodos de ápice e de desilusão. A Cidade Radiosa (“Ville Radieuse”) de Le Corbusier (1887-1965), foi um projeto de 1924, não realizado, que teve seus princípios inseridos na Carta de Atenas (1933), como resultado de um encontro de arquitetos e urbanistas em 1933, na Grécia, que tratou da “cidade funcional”. Dentre os direcionamentos adotados pela Carta estão a divisão do espaço da cidade conforme suas “funções” (“habitação”, “trabalho”, “transporte” e “lazer”) e a separação das vias de pedestres das vias de automóveis. Uma das marcas da arquitetura de Le Corbusier é a Unité d’Habitation (Unidade de Habitação), um edifício construído sobre a base de pilotis no pavimento térreo, com fachada livre, horizontal, racional, modulado, pré-fabricado, construído com conreto armado. Tais princípios influenciaram fortemente os arquitetos Lúcio Costa (1902-1998) e Oscar Niemeyer (1907-2012) na construção de Brasília (1956-1960), cujo projeto foi o que levou mais adiante os preceitos da Carta de Atenas.

Mas o último quartel do século viveu um desencanto com as utopias e suas consequências urbanísticas, bem como com os efeitos da industrialização e da racionalidade técnica. Assim, as utopias re-encontram o real que do qual elas se apartam, fazendo emergir outros sentidos no movimento da história.

 

Bibliografia

AGOSTINHO. A cidade de Deus: contra os pagãos. Tradução de Oscar Paes Leme. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
COSTA, Lucio. Arquitetura. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2002. 152p., il. ISBN 8503007282 (broch.).
FOURIER, Charles. Doctrina social: (el falansterio). Madrid: Jucar, 1980. 94p. (Biblioteca historica del socialismo, 9).
HOWARD, Ebenezer. Cidades-jardins de amanhã. São Paulo, SP: Hucitec, 1996.
LE CORBUSIER. A carta de Atenas. São Paulo, SP: Hucitec, 1993.
MORE, Thomas. A utopia. 3. ed. Brasília, DF: UnB, 1992.
MUMFORD, L. História das utopias. Lisboa: Antígona, 2007.
NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: memorias. 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2000, c1998. 318p.,
NIEMEYER, Oscar. A forma na arquitetura. 4. ed. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2005.
PLATÃO. A República: texto integral. São Paulo: M. Claret, 2002.
WELLS, H. G. A modern utopia. Lincoln: Univ. of Nebraska, c1967. 392 p.

 








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