II Jornada Internacional de Análise de Discurso e Psicanálise ?Os nomes do Sintoma? aborda as novas formas de patologias na sociedade capitalista

Preconceito de quê? Racial. Foi sobre esse tipo de preconceito que tratou a professora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp Eni Orlandi durante conferência de encerramento da II Jornada Internacional de análise de discurso e psicanálise “Os nomes do sintoma”, realizada desde o último dia 23 (terça-feira), no auditório do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da Universidade. O evento teve o objetivo de interrogar as novas formas patológicas, o excesso de medicalização, o mal-estar na sociedade capitalista e os processos de nomeação do sintoma. 

Eni Orlandi intitulou sua palestra “Do fato para o acontecimento: da diferença à resistência”. Ela começou dizendo que o preconceito é uma discursividade e que, embora não haja mais escravos no Brasil desde 13 de maio de 1888, o racismo é visto o tempo todo. A linguista reforçou que o racismo não é uma opinião. É um crime. Segundo a professora, essa é uma discursividade que circula sem sustentação, mas que é mantida por um imaginário. 

A palestrante também disse que o preconceito é de natureza histórico-social e que promove divisão dos sujeitos. Tem mais: o preconceito é uma forma de censura para impedir o movimento, a respiração dos sentidos e, assim, barrar novas formas sociais e históricas na experiência humana.
 
A cor negra, recordou, é estigmatizada pelo que é atribuído socialmente ao ser. “É isso que fica silenciado”, situou. Conforme a linguista, que é uma das maiores referências no Brasil na Análise do Discurso (AD), foi a partir da Segunda Guerra Mundial que o racismo se acirrou. 

De acordo com a docente, é preciso abrir novos espaços de experiência e de significados para que haja deslocamentos, percursos de sentidos não experimentados, frisou. Neste caso, a linguista relembrou o gesto do jogador de futebol Daniel Alves, que foi vítima de racismo nos estádios europeus. Ele comeu uma banana arremessada em sua direção, quando jogava. "A sua atitude mostrou-se oportuna, pois neutralizou o insulto, desconcertou o agressor e conseguiu momentaneamente inverter o sentido do símbolo", expôs. 

Ao comer a banana, prosseguiu ela, Daniel Alves promoveu uma resistência ao racismo. Ao dar um sentido banal comendo a banana, ele interveio no sentido real, provocando um deslocamento, o que fez com que o jogador não entrasse nos efeitos do racismo”, comentou.

Culpa e desejo
Outra conferência da II Jornada Internacional de Análise de Discurso e Psicanálise, proferida na última terça-feira (23), foi uma reflexão sobre as novas formas de patologia na sociedade. O médico argentino Gabriel Lombardi, da Universidade de Buenos Aires (UBA), falou sobre a culpa e o desejo nos dispositivos do capitalismo. O palestrante partiu da ideia fundamental da Psicanálise, sustentada pelo teórico Lacan, “de que a única coisa da qual se pode ser culpado, pelo menos da perspectiva analítica, é de ter cedido ao desejo”. 

Ele lembrou que o capitalismo colabora para que os sujeitos renunciem ao desejo e que se fixem meramente a objetos. “Há pessoas que trabalham mais para ter um celular melhor, um carro melhor. Elas vivem aquela ânsia que não acaba de ter que corresponder a uma satisfação. Vão se acomodando ao que convém ao mercado, mas que não têm muito a ver com o seu desejo mais íntimo.”

Segundo Gabriel Lombardi, o desejo de 'ter' é do capitalismo. Entretanto, nem todos os indivíduos têm esse desejo de dedicar suas vidas a ganhar dinheiro, ressalvou. “Existe o desejo de desenhar, o desejo de ensinar, o desejo de ser escutado, o desejo de que uma obra de pintura seja reconhecida pelos outros, o desejo de suscitar o desejo nos outros, o desejo de se psicoanalisar, o desejo de ajudar os outros.” Ele esclareceu que se trata de um desejo no sentido forte e estruturante da Psicanálise.

 Por outro lado, o médico comparou que renunciar é deixar de lado aquilo que intimamente se deseja e que não é consciente. "Nessa relação entre os desejos e os laços sociais, não é preciso, necessariamente, renunciar aos desejos mais íntimos para se submeter totalmente, mesmo que no capitalismo. É possível resistir e se impor", defendeu. 

Para as pessoas que gostam de fazer ciência, de pesquisar, exemplificou, elas têm que lidar com todas as exigências da produtividade e de ter que escrever para uma revista de alto impacto. A questão de resistir está em escrever alguma coisa que ela goste: que seja do seu desejo e que também desperte o interesse do outro. É possível fazer as duas coisas: corresponder ao desejo do outro e também ao seu próprio.

Gabriel Lombardi relatou que uma jornalista de Melbourne, Austrália, está analisando no momento qual é a margem de liberdade que os jornalistas têm quando trabalham para jornais reconhecidos mundialmente. Ela verifica o nível de autonomia deles para justamente conseguir dizer algo que responda ao seu próprio desejo. Para o médico, é necessário ter um bom grau de autonomia, contudo isso não deve envolver abdicar ao seu próprio trabalho, “pois pior é ficar sem emprego”. 

Em sua opinião, é preciso encontrar uma maneira de inserir o próprio desejo nessa disjuntiva entre ser fugir ou se adaptar totalmente ao esperado, que a seu ver é deprimente. "O jeito é tentar inserir seu desejo nos dispositivos que existem, mesmo capitalistas. Deve haver um impulso para inventar maneiras de agir, com criatividade, entre o desejo individual e a possibilidade de realizá-lo nos laços sociais”, concluiu.

(originalmente publicado em http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/09/24/jornada-aborda-novas-formas-de-patologias-na-sociedade-capitalista)