Apresentação

Apresentação

 

Claudia Regina Castellanos Pfeiffer[1]

 

Com a energia contagiante das festas juninas que inscrevem, a muitos, em uma vibração coletiva em espaços os mais diversos, abrimos festivamente mais um volume da revista Rua com seus trabalhos que ampliam horizontes com os distintos gestos de interpretação sobre os sujeitos e as práticas citadinas que se efetivam em diferentes dimensões. Nossa série Estudos é iniciada pelo artigo Casa dos Mendigos de Itabuna: tensões entre loucura, urbanidade e racialidade de Pedro Arão das Mercês Carvalho e Rogério Modesto com o qual nós leitores somos levados a observar, em um arquivo jornalístico sobre a recusa da “Casa dos Mendigos” de Itabuna, na Bahia, na década de 50 do século XX, os discursos racializados estruturando a sobreposição equívoca e contraditória de mendicância e alienismo inscrita nos processos de urbanização da cidade. Em seguida, lemos Madres Terra:  As mães de Soacha no imaginário fotográfico de Ilka de Oliveira Mota no qual a autora traz a série fotográfica que trabalha com os assassinatos de civis pelo aparelho militar colombiano, mostrando como esse funcionamento artístico dá espaço para a denúncia do crime de Estado, para a luta por justiça, para o luto das mães, bem como para fazer resistência/persistência da memória.A arte se mantém como lugar de inscrição de possibilidades de dizer de uma ditadura de Estado, agora a brasileira, no artigo Uma análise discursiva das charges de Henfil sobre o AI-5 no jornal O Pasquim de Cássius Selvero Pazinato, no qual o autor mostra a possibilidade, pela arte, de fazer ver e, portanto, de resistir, à perseguição e prisão de artistas e intelectuais e à prática da tortura em pleno AI5, no Brasil. Nos mantendo com a arte enquanto inscrição do possível, Regiane Miranda de Oliveira Nakagawa e Fábio Sadao Nakagawa apresentam o artigo O artefato gráfico urbano “sinpapeles”: a constituição de uma esfera de reconhecimento pela memória da condição precária, trazendo tal artefato enquanto texto cultural e símbolo mnemônico que toma a forma de protesto contra as condições a que são submetidos imigrantes que vivem em situação irregular nas cidades de Barcelona e Madri, permitindo a visibilidade daqueles que vivem na condição de clandestinidade, da mesma forma que ocorre, para os autores, a redefinição do espaço semiótico da cidade. É ainda a arte que também dá visibilidade, no artigo Ensaio sobre o cuidado: Mulheres e Cidades, d’A vida invisível ao Centro de João Pessoa, de Maria Isabel Costa Menezes da Rocha, à vida das mulheres na cidade, à experiência das mães e aos territórios que elas conformam, no batimento da literatura com o cinema e as redes de memória, permitindo lampejos de [in]visibilidade das formas de presença do cuidado. É a música que ganha espaço no gesto de interpretação que se efetiva pelas autoras Silvia Helena Belmino e Luminiƫa-Anda Mandache, no artigo Cantando a chuva: as mudanças nas representações da chuva nas músicas sobre Fortaleza, em que são percorridos diferentes possibilidades de significar a chuva que se movem em meio a experiências com a cidade, mudanças socioeconômicas e imagéticas como as migrações de sertanejos cearenses para o Sul e o Sudeste do Brasil ou as discrepâncias estruturais históricas na distribuição dos serviços públicos entre os bairros da cidade, trazendo a música como uma textualidade importante para se compreender transformações sociais e culturais na cidade, como também, mudanças recentes da imagem e do imaginário do Nordeste brasileiro. Por outro lado, em Onde a sociedade abraça e esconde a arte: vocação cultural e identidade cataguasense, de Inácio Manoel Neves Frade da Cruz, temos a tensão entre aquilo que se marca como arte legitimada e legitimadora e que estrutura processos de identificação e de pertencimento e não pertencimento na relação com a cidade de Cataguases em Minas Gerias e aquilo que é invisibilizado: artistas populares com projeção local e nacional não incluídos no inventário da cidade nas práticas que a legitimam enquanto “Berço do Cinema Brasileiro” e um “Museu a céu aberto”. De seu lado, em Temporalidades cotidianas, devaneios desviantes e territorialidades intervalares no pensamento de Walter Benjamin e Jacques Rancière, a arte permanece no escopo de reflexão de Mariana Falcão Duarte e Ângela Cristina Salgueiro Marques, no que concerne sua potência inventiva, ao proporem articular as abordagens de Walter Benjamin e Jacques Rancière acerca da criação de territorialidades intervalares que possibilitam a inauguração de novas temporalidades, sustentando que as operações     intervalares no sensível criam uma brecha, uma abertura para novas experimentações que, quando associadas a diferentes temporalidades e territorialidades, se tornam fonte de uma operação que busca rearticular os dados do mundo através da empiria e da inventividade. A arte entra também como potência formativa, em Uma proposta discursiva para a leitura de documentário no ensino fundamental de Ana Bibianne Boscov Braos e Maristela Cury Sarian, em que as autoras retomam a proposta de leitura do documentário Pro dia nascer feliz, de João Jardim (2005), para compartilhar conosco modos de se criar as condições para que os alunos compreendam diferentes efeitos de sentido produzidos pela composição das diferentes linguagens em funcionamento no filme, sobretudo, no que diz respeito ao processo de produção de sentidos de educação, escola, professor e aluno, desestabilizando sentidos e ancorando condições de gestos de leitura se efetivarem. Entra em cena agora o discurso jornalístico como instrumento potente metodológico do trabalho historiográfico no artigo Os jornais e a construção dos sentidos e representações da cidade, de Miranice Moreira da Silva, que problematiza de que forma os jornais se apresentam também como construtores de sentidos para a cidade. Levamos nosso olhar, então, ao Instagram como instrumento que faz circular redes de pertencimento e identificação tal como trabalhado por Cleyton Antônio da Costa em seu artigo O sujeito idoso gay no Instagram: Imagens e dizeres em circulação. Dos jornais e de aplicativos de redes sociais como o Instagram, vamos a outro espaço de circulação de sentidos, o da rua, tal como as autoras Thamires Vieira Martins de Melo, Lidiane Maria Maciel e Fabiana Felix do Amaral e Silva trabalham no artigo Entre a circulação e a fixação: a ocupação da Praça da Matriz e seus arredores pela população em situação de rua em São José dos Campos/SP, Brasil, trazendo ao leitor o espaço de memória coletiva do Largo da Matriz de São José dos Campos no qual a assim chamada população em situação de rua ocupa este espaço para recreação, lazer e sociabilização, bem como faz uso coletivo do espaço como estratégia de sobrevivência. Por fim, e também focando na rua, ou mais propriamente, na relação entre o planejamento urbano e a promoção da saúde compreendida como da ordem de uma perspectiva intersetorial, fechamos a seção com o artigo El proceso de desarrollo de marcadores urbanos para Ciudades Saludables en América Latina de Bárbara Bonetto e Ana Maria Girotti Sperandio que apresentam dados da trajetória do movimento e rede de cidades saudáveis na América Latina de modo a sustentar que o processo de elaboração de marcadores urbanos assinalam o panorama de implementação de iniciativas que promovam a saúde nas cidades. Na seção Resenhas e Notícias, além de conhecer as últimas atividades desenvolvidas pela equipe do Labeurb, o leitor poderá acompanhar a resenha A crise democrática e a infocracia, de Marina Marques de Lima que se debruça sobre o livro Infocracia: digitalização e a crise da democracia do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.   E fechando nossa revista temos o prazer de poder contar com a poesia de Fred Ribeiro, intitulada Veneno para nossa seção Artes. Finalmente, agradecemos a toda a gentil rede de autores e pareceristas pela qualidade que vem imprimindo à revista Rua e à equipe editorial que trabalha incansavelmente para sua manutenção. Boa leitura!

 

 

[1] Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. Pesquisadora no Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: claupfe@gmail.com.