Artes - Cinco poemas de Marcos A. Ramos
Alguns poemas do livro O corpo de uma linha, de Marcos A. Ramos[1].
[no excerto da fala oculta]
enquanto o tenso paladar
sempre plástico adoece
sigilosamente a palavra
tato. a febre arde exata
no excerto da fala oculta
[escapa à intenção]
não existe o âmago do que habita
subsiste (na órbita em que se insere) o peso
da morada. escapa à intenção do pulso
romper o lugar seguro que detém o corpo
prometido. um recipiente
(máquina pneumática)
se infla de ausências para atravessar a rua
desenhar no vulto da memória o rosto dissonante
reconhecer a mãe
reconhecer o pai
[a máquina sem mundo]
um grito mínimo
exala o árido som
da falta reincidente
– anêmica
a máquina sem mundo
inscrita na gravidade da contravida
vive
[o paladar sempre ausente]
há uma corda estendida
que aproxima a cor do verso
do paladar sempre ausente
não há metáfora que suporte a liquidez
da palavra anorexia. nem o peso
da permanência do excessivo
silêncio
mais uma vez intacto
[habitar a palavra inércia]
quando o passo febril
congestiona o ímpeto de prosseguir
na seqüência do indizível
a ausência de direção
evita passos de continuar exata
– há um incessante desconforto
em habitar a palavra inércia
[dedo mínimo]
a)
o dedo mínimo
inscreve em asfalto
a tensa armadilha
de dizer mais
– além
inaugura o verso em vigília
insalubre ensejo
em que pára
– uma vez mais
o tempo da fome evasiva.
b)
o dedo mínimo
(tenro pulsar de um desespero
restituído)
em superfície porosa
antecipa o som monocórdico
– precário
no torso de uma fina
guia esculpida em frio tilintar
melodia febril
viçosa
– sólida
c)
o ventre que já não oculta
qualquer perene sensação
aponta aparente necessidade:
um ritmo tenaz
estreito movimento de habitar
o passo fulgurante
– a casa
longe do toque sutil
da visível fragilidade
atravessar a calçada
em procura inebriada
pelo difícil prazer
se desprender de um trapo
– armadilha
d)
o dedo mínimo
(arguta concisão
de penúria em riste)
arrisca o passo estouvado:
se descobrir da pele
ir além da cancela que separa
o tato.
(ninguém que fora a vertigem
cheia do sabor da passagem
cheia do des-
sabor da nudez)
trépido insuspeito
atravessar a calçada onde não há margem
– onde não há volta
[1] Marcos A. Ramos nasceu em 1988, é graduando em Letras-Português na Universidade Federal do Espírito Santo, em Psicologia na FAESA – Faculdades Integradas Espirito-Santenses e integra, desde 2006, o grupo de pesquisa Literatura e outros sistemas de significação. O corpo de uma linha é seu livro de estréia.