Entre o corpo e a enunciação. O retorno à voz em Marina Lima
Pedro de Souza Felipe Jose Martins Pereira
render-se à evidencia imaginária do escutado para,sub-repticiamente, no espaço concretodos traços físicos dos sons da fala, fazerouvir outracoisa.
Avoz desatreladade sua origem no corpo
Tomemosagora omomento da sérieAcústico MTV, gravado ao vivo com uma versão em DVD e outra em CD, sob o títuloAcústico MTV - Marina Lima, 2003. Recortamosa performance vocal da cantoraem fragmentos de imagens e planos.Nosso foconesta etapa da análisenãose restringemaisao som percebido no disco,masestende-seà imagemda cantoraatentando para os movimentos mínimos de seu corpo enquanto emite a voz ainterpretaramúsica que destacamos. Na passagem de uma para outra canção, acâmeraabre paraMarina, sentada em um banquinho no centro do palco, dedilhando aoviolão osprimeiros acordes da melodia. A voz da cantora entra noritmo doinstrumento e assim que emite a primeira frase da canção –eu toh grávida– fecha-se oplano parao detalhe de seus dedos nas cordas do violão subindolentamente paraum extremoclose-up. De cima para baixo, exibe-se a imagem do rosto de modo a detalhar aí dois pontos: a boca e o microfone. Os dois elementos figuram a composição do gesto vocal, no instante em que a cantora emite a continuação do verso:‘grávida de um beija-flor, grávida de terra, de um liquidificador’.Naescala do tempo de emissão desta última palavra, acâmera movimenta-seda boca,muito próxima aomicrofone, emdireçãoao violãoacomodadono coloda cantora.
Quando MarinaLimadiz, ao som da melodia -‘e vou parir’-, acâmera retomaoenquadramentona boca eno microfone. Metaforicamente, dizemos que esses são pontos respectivosde propagação da voz e caixa de ressonância da extensão bucal. Nos segundos em que a voz emite secamente apalavra‘parir’na frase‘e vou parir’ressoaum agudo estendendoavogal /i/.Esse agudo se propaga e se deixa escutarnitidamente noespaço acústicoda salaem que acontece a apresentação. Nesse intervalo de tempoem que oagudo se forma na mesma cadeia sonora da voz de Marina, acâmera passeia doviolão ao peito da cantora fechando no seu rosto. Ainda que, por um átimo desegundos, acâmera pode mostrar,em meio ao eco pairandoao redor daambiência doespetáculo-olhos fixos no próprio dedilhar- a bocafechada dacantora. Tem-sea duração que vaida passagemda extensão da emissãoda semivogalà retomada da voz de Marina entoando na continuidade do verso–‘um terremoto’.
Atente-se, no entanto,para omodo com quea linguagem televisivaopera movimentosde objetose corpos em cenae estrutura sincronizaçõesentre sonsvindosde