Dos não-lugares à cidade senciente


resumo resumo

Lucia Santaella



  1. A superabundância factual e as dificuldades que esta coloca para o pensamento do tempo.
  1. O excesso de espaço que é paradoxalmente correlativo ao encolhimento do planeta. Para ilustrar essas duas ideias, basta imaginar o pequeno ponto no espaço a que fica reduzido o planeta Terra nas imagens de satélite. Também na Terra, estamos vivendo uma mudança de escala. Em uma só noite, com a ajuda do fuso horário, pode-se sair de Frankfurt, trocar de avião em Washington e aterrissar em São Paulo na manhã seguinte. Por outro lado, imagens e sons, que misturam indiscriminadamente ficção, notícia e publicidade, advindos de qualquer extremo oposto do planeta, preenchem, dia e noite, os recintos de nossas salas. 

As figuras que Augé levantou em sua obra para caracterizar o que chama de supermodernidade estão centradas no seu conceito magno, o dos não-lugares, espaços de habitantes efêmeros que transitam anônimos sem deixar rastros.

Sem me deter aqui nos controversos conceitos de lugar e espaço, que nos levariam para debates que estão longe dos objetivos deste artigo, limito-me a discorrer sobre a concepção de não-lugares de Augé, concepção que vai encontrar alguns paralelismos no conceito de espaços vazios, de Bauman.

Para chegar à discussão dos não-lugares Augé (ibid., p., 76), tomou como referência o conceito de lugar antropológico, concebido como lugar de sentido inscrito e simbolizado que se reporta a “um acontecimento (que ocorreu), a um mito (lugar-dito) ou a uma história (lugar histórico)”. Tomando essa noção de espaço como pano de fundo, para Augé (ibid., 73-74), a supermodernidade é produtora de não-lugares:

 

Um mundo onde se nasce numa clínica e se morre num hospital, onde se multiplicam, em modalidades luxuosas ou desumanas, os pontos de trânsito e as ocupações provisórias (as cadeias de hotéis e os terrenos invadidos, os clubes de férias, os acampamentos de refugiados, as favelas destinadas aos desempregados ou à perenidade que apodrece), onde se desenvolve uma rede cerrada de meios de transporte que são também espaços habitados, onde o freqüentador das grandes superfícies, das máquinas automáticas e dos cartões de crédito renovados com os gestos do comércio “em surdina”, um mundo prometido à individualidade solitária, à passagem, ao provisório, ao efêmero.   

 

O não-lugar, portanto, é designado por duas realidades complementares, mas distintas: “espaços constituídos em relação a certos fins (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com esses espaços” (p. 87). Enquanto os