Visões da cidade de Natal: construção identitária a partir do discurso poético
Marília Varella Bezerra de Faria
artística, determinada pela individualidade do seu autor, constitui-se nas relações com outros autores e com outras obras.
Dessa forma, um enunciado está sempre em diálogo com outros, isto é, mantém relações que podem ser, entre outras, de concordância, discordância, complementação e assimilação.
Nesse sentido, a leitura de cada poema que representa a cidade de Natal corresponde, na verdade, à leitura de um fragmento dessa cidade, a cidade do imaginário de cada poeta, construída a partir de sentimentos e referências próprios.
Assim, é também somente a partir do diálogo entre esses fragmentos carregados de sentidos individuais que se torna possível a construção de identidades que se buscam para a cidade de Natal.
Itajubá ([1914] 1999)faz, por meio de suas marcas estilísticas, aflorar os sentidos que sugerem uma perspectiva identitária ingênua, pueril, quase paradisíaca para a cidade. Nessa perspectiva, o centroparece ser sempre o mesmo. A imagem configurada pela poesia desvela relações homogêneas da cidade com o seu outro: seja a natureza, sejam seus habitantes. Todos convivem harmoniosamente nessa cidade bela, bendita: “Começa à sombra fresca das latadas / a palestra amorosa dos solteiros”. Há também harmonia de cores na cidade, conforme marcas que se fazem presentes no léxico: “branco”, “cristalino”, “esmeraldino”. Assim a posição avaliativa do poeta representa Natal; assim é a identidade que se constrói para essa cidade.
O discurso positivo de Rua (1999), embora cauteloso, remete à cidade pequena, provinciana, um lugar onde “tudo todo mundo sabe”. A perspectiva de identidade atribuída à cidade de Natal, neste poema, ao contrário de em Terra Mater, tende para o descentramento, na medida em que a cidade e seus habitantes atravessam a história, adaptam-se a sua nova condição de “colonizados”, “invadidos” e seguem adiante “sob a lua ou sob o sol”, ou sob a guarda da estrela d’alva.
Considerações finais
Cruzaram-se olhares, estabeleceram-se diálogos entre os dois discursos poéticos (diversos, mas únicos em sua singularidade); examinaram-se os diferentes sentidos que emergiram desses diálogos, tornando possível uma convivência com as várias Natais dos poetas, registradas em um espaço de quase um século.
Identificou-se a cidade de Natal, mas não se pode afirmar que existem classificações definitivas e precisas sobre ela: a cidade é um campo de significados