O ritual da mística no processo de identificação e resistência


resumo resumo

Freda Indursky



que muitos podem identificar-se com a questão agrária, mas isso não é suficiente para transformá-los em militantes da causa Sem Terra[1].

Em trabalhos anteriores, verifiquei que os porta-vozes e as lideranças do Movimento formulam demandas ao Estado; eles pertencem ao que, dentro do MST, chamam de coordenadores nacionais e regionais (INDURSKY, 2000; 2013). Mas e aqueles que estão acampados e apenas desejam um pedaço de chão para viver e cultivar, como se identificam com essa causa? Como são capturados pela Forma-Sujeito que organiza a FD Sem Terra? No meu entendimento, esse processo de interpelação é feito, pelo menos[2], de duas formas: a. pelo viés do que, no MST, é conhecido como mística; e b. através da educação. E é mística e seu funcionamento político que vou analisar neste trabalho. Para tanto, passarei rapidamente também pela educação que, como veremos, acaba por entrelaçar-se fortemente à prática ritualística da mística.

Mas o que é a mística? Originariamente, podemos situá-la na ordem do religioso e este fato pode ser percebido como um dos vestígios mais evidentes do vínculo inicial que existiu entre o MST e a Igreja Católica, através da Pastoral da Terra. Nesse discurso religioso, a mística trata da relação do homem com Deus através da contemplação. Como exemplo, podemos citar a mística de São João da Cruz[3].

Ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, é possível identificar movimentos político-religiosos de norte  a sul do Brasil em que a mística fez-se fortemente sentir pela presença de beatos que encarnavam o que passou a ser conhecido como messianismo. Dentre eles, podemos destacar Antônio Conselheiro, no sertão baiano[4]; o Beato José Maria, no âmbito da Revolta do Contestado, na fronteira entre SC e PR[5]; e a beata Jacobina[6], na Revolta dos Muckers, em Sapiranga, RS. Tomo

Neste ponto, desejo distinguir Sem Terra de sem-terra. Oponho estas duas designações, para melhor distinguir o militante sem-terra da FD Sem Terra, organizada pela Forma-Sujeito Sem Terra que agrega todos os saberes relativos aos sem-terra. Embora sejam muito próximas uma da outra, não se superpõem.

Antônio Conselheiro liderou o arraial de Canudos, nos anos 70-90 do século XIX. Lá reuniram-se sertanejos, índios e escravos recém-libertos que consideravam o Conselheiro um “homem santo”.

A Guerra do Contestado – 1912 a 1916 - ocorreu em função de disputa de terras na fronteira entre Paraná e Santa Catarina. Os agricultores contestaram a doação de terras por eles ocupadas à Brazil Railway Company. A contestação reuniu agricultores, trabalhadores demitidos pela companhia e alguns fazendeiros, mas sem resultado algum. Em função disso, reuniram-se em torno do Beato José Maria.

A Revolta dos Muckers, Sapiranga, RS, ocorreu no final do Séc. XIX, entre os primeiros emigrantes alemães, já em condições financeiras mais estáveis, e um segundo grupo, muito pobre, chegado posteriormente e que se dedicava ao cultivo da terra. Esse grupo de camponeses estava envolvido em um movimento messiânico  liderado por Jacobina Menz Maurer. Mucker, em alemão, significa falso santo.



[1] Neste ponto, desejo distinguir Sem Terra de sem-terra. Oponho estas duas designações, para melhor distinguir o militante sem-terra da FD Sem Terra, organizada pela Forma-Sujeito Sem Terra que agrega todos os saberes relativos aos sem-terra. Embora sejam muito próximas uma da outra, não se superpõem.

[2] Segundo Marco Fernandes (2011), a experiência de participar de uma ocupação e de permanecer em um acampamento, trocando experiências e vivências com os demais acampados, funciona como uma mística bastante suficiente para interpelar aqueles indivíduos em sujeitos. Não é deste tipo de mística que vou me ocupar neste trabalho,

[3] Juan de la Cruz, místico espanhol, foi uma das mais importantes personalidades da Contra-Reforma.

[4] Antônio Conselheiro liderou o arraial de Canudos, nos anos 70-90 do século XIX. Lá reuniram-se sertanejos, índios e escravos recém-libertos que consideravam o Conselheiro um “homem santo”.

[5] A Guerra do Contestado – 1912 a 1916 - ocorreu em função de disputa de terras na fronteira entre Paraná e Santa Catarina. Os agricultores contestaram a doação de terras por eles ocupadas à Brazil Railway Company. A contestação reuniu agricultores, trabalhadores demitidos pela companhia e alguns fazendeiros, mas sem resultado algum. Em função disso, reuniram-se em torno do Beato José Maria.

[6] A Revolta dos Muckers, Sapiranga, RS, ocorreu no final do Séc. XIX, entre os primeiros emigrantes alemães, já em condições financeiras mais estáveis, e um segundo grupo, muito pobre, chegado posteriormente e que se dedicava ao cultivo da terra. Esse grupo de camponeses estava envolvido em um movimento messiânico  liderado por Jacobina Menz Maurer. Mucker, em alemão, significa falso santo.