O ritual da mística no processo de identificação e resistência


resumo resumo

Freda Indursky



Suspendendo a reflexão

As místicas aqui analisadas são um recorte entre tantas outras e diferentes místicas. Mas não importa a diversidade,  o que interessa é captar como um ritual pode funcionar politicamente como um gesto de resistência e simultaneamente na captura e recaptura do sujeito, em seu processo de identificação e reidentificação. Pêcheux afirma que o sujeito ideológico  

É interpelado – constituído sob a evidência da constatação que veicula e mascara a “norma” identificadora: “um soldado francês não recua” significa, portanto, “se você é um verdadeiro soldado francês, o que, de fato, você é, então você não pode/deve recuar”. Desse modo, é a ideologia que, através do “hábito” e do uso, está designando, ao mesmo tempo o que é e o que deve ser [...] É a ideologia que fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe” o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc. [...] (PÊCHEUX, 1975/1988, p. 159-160).

 

Glosando Pêcheux, é possível dizer que é a ideologia que faz com que um sem-terra saiba o que é um sem-terra, bem como é a ideologia que faz com que um sem-terra saiba distinguir a educação desejável da educação inadequada para os sem-terrinha, para retomar aqui a palavra de Bauman, citada mais acima. Este é o funcionamento da mística enquanto pulsão de natureza político-social[1]. É ela um dos motores que garantem a construção de uma identidade Sem Terra bem como a produção coletiva do desejo do sujeito sem-terra.

A mística é, em suma, um ritual político que, a um só tempo, oferece resistência às práticas do outro e reafirma a própria identificação, resultando daí uma superidentificação. Por seu viés, jovens e recém-chegados à luta são interpelados. É dessa prática político-ritualística que os sem-terra tiram sua força e reafirmam suas convicções e seu pertencimento ao movimento. Uma prática através da qual afirmam e reafirmam sua identificação aos saberes do Movimento, reforçando sua luta e  atualizando a memória social do Movimento. E, assim, vão tecendo sua trilha em direção à utopia que "está lá, distante, no horizonte, impulsionando-os para que não cessem de caminhar”.[2]

 

Com isto não estou afirmando que todos os acampados se mantêm fiéis aos saberes do MST. Há aqueles que mantêm fortemente esta identificação, mas, como nos disse Pêcheux (1978/1988, p. 301), "não há ritual sem falhas, enfraquecimento e brechas". Por conseguinte, há acampados que se contra-identificam (Pêcheux, 1975/1988, p.215) com os referidos saberes, a eles resistindo e, desta forma, se rebelando contra o Sujeito. Essa rebeldia nasce, talvez, do fato de que, ao receberem seu lote de terra, ultrapassam imaginariamente uma outra fronteira invisível (Pêcheux, 1982/1990, p.14-15) que os coloca imaginariamente do outro lado e, de sem-terra, se transformam em proprietários rurais... Mas esta também já é outra história.

Citação livremente adaptada de Fernando Birri, via Eduardo Galeano.



[1] Com isto não estou afirmando que todos os acampados se mantêm fiéis aos saberes do MST. Há aqueles que mantêm fortemente esta identificação, mas, como nos disse Pêcheux (1978/1988, p. 301), "não há ritual sem falhas, enfraquecimento e brechas". Por conseguinte, há acampados que se contra-identificam (Pêcheux, 1975/1988, p.215) com os referidos saberes, a eles resistindo e, desta forma, se rebelando contra o Sujeito. Essa rebeldia nasce, talvez, do fato de que, ao receberem seu lote de terra, ultrapassam imaginariamente uma outra fronteira invisível (Pêcheux, 1982/1990, p.14-15) que os coloca imaginariamente do outro lado e, de sem-terra, se transformam em proprietários rurais... Mas esta também já é outra história.

[2] Citação livremente adaptada de Fernando Birri, via Eduardo Galeano.