Relacão sujeito indígena/cidade: Análises para a construção de um objeto de pesquisa


resumo resumo

Águeda Aparecida da Cruz Borges



(A6) eles e eu aqui, bem longe de mim, prefiro não lembrar que a cidade tá infestada dessa gente...

(A7) corto volta deles, Deus me livre professora, a Srª. inventa moda, eu não quero nem ver(risos).

(A8) devia ter ficado lá atrás, o tempo devia ter parado do jeito que era antigamente, não quero saber desse povo de jeito nenhum”.

 

Aqui a memória convoca o exótico, por um lado, e, por outro, repete o imaginário de “selvagem”, de “bicho” que se mantém se pensa ; é bicho, logo, não pensa. Essa discursividade se inscreve no discurso do distanciamento tenho até medo quero distância desse povo, eles lá e eu aqui, corto volta quando vejo, devia ter ficado lá atrás (...) do jeito que era antigamente e, assim produz um apagamento sobre a possibilidade do convívio no presente.

Em (A6) o efeito de sentidos extrapola o desejo do distanciamento do sujeito índio para os sentidos de doença pelo adjetivo atribuído à cidade: “cidade infestada”, como se a presença indígena disseminasse uma epidemia e, no caso, é preferível esquecer. Esse dizer corrobora com (A5) tenho medo chegar perto e eles colar em mim. O querer/desejo se volta para o passado, o tempo devia ter parado para os índios para que ficassem como antigamente. Interpretamos aí uma inversão da história/memória: no contato com os europeus, os povos indígenas sofreram com as epidemias, agora eles são a doença, ou caso interpretemos infestada por praga=erva daninha que se espalha, da qual é preciso manter distância, inclusive temporal, retorno ao antigamente, funcionando como já analisado, em que a temporalidade não significa o tempo passado, empírico, mas trabalha os sentidos da impossibilidade do índio no presente, impede o acontecimento do contato, da mudança, do indígena na cidade.

Os dêiticos: “Eles”, “dessa gente”,“desse povo”,deles” que reformulam índio, convergem os sentidos para a produção do distanciamento, da separação, da exclusão, estabelecendo a diferença, deixando de fora, impedindo o pertencimento ao povo brasileiro, à cidade. Esse é um modo eficaz da negação.

Em (A6) Não lembrar que, (A7) não quero saber, (A8) não quero nem ver, inscreve-se, agora, de outro modo, a negação como efeitos de sentido que permitem interpretar a invisibilidade em relação aos povos indígenas. O apagamento, inclusive, da possibilidade de conhecer esse Outro, próximo X distante, presente X ausente. Seguimos construindo a análise, mostrando a complexidade constitutiva desse sujeito carregado de significações diversas e contraditórias.