Relacão sujeito indígena/cidade: Análises para a construção de um objeto de pesquisa


resumo resumo

Águeda Aparecida da Cruz Borges



e a compreensão. Ele estudou no dicionário de Gonçalves Dias (1858) as definições de diversos verbos no pretérito, assim como o autor escreve:

 

O aparecimento das marcas de pretérito, quando considerado no percurso de arquivo, desloca a temporalidade em relação a dicionários anteriores, como os dos jesuítas, que descreviam a língua em uso (os índios dizem X, quer dizer, Y) em uma prática de tradução-interpretação na qual prevalecia o tempo presente (ao mesmo tempo em que a historicidade dos mitos e da tradição oral indígena era silenciada).

A marca do pretérito nos dicionários do Império estabelece a língua indígena como pertencente a um passado lingüístico: trata-se do tupi antigo[1], língua "dos antepassados brasileiros", romanticamente simulada. Esse é um primeiro gesto de interpretação que se depreende da escrita do dicionário.Tal gesto está ligado a uma série de discursos que nessa conjuntura abordam o índio como antigo e primitivo: na escrita da história do Brasil, na literatura, assim como na história das línguas indígenas empreendida por Gonçalves Dias (s.d.). (grifos nossos).

http://www.ufrgs.br/analisedodiscurso/anaisdosead/sead2_simposios.html. Acesso em dezembro de 2010.

 

É preciso estar atento aos mecanismos ideológicos que silenciam outras possibilidades de interpretações. O autor segue analisando que a imagem do tupi antigo torna inacessível o tempo presente das línguas indígenas existentes, assim como as varianças dessas línguas.

Como Nunes (idem), entendo que a imagem de indígenas do passado se repete como modo de impedir que se enxergue, considere as mudanças históricas produzidas no/pelo contato, que as condições de produção na sociedade atual são outras e que os índigenas, no presente, também, são outros.

Percebo que há uma tentativa de deslocamento, de mudança de posição no discurso, mas também impedida de significar pelo efeito de imaginário do passado inscrito na conjunção quase (algo que não é possível acontecer) “um quase brasileiro”; há um intervalo, uma temporalidade significada na palavra quase que produz a imposibilidade de um índio tornar-se um brasileiro na atualidade. Não se atentar para esse desdobramento pode levar a interpretar sem compreender.

Sou levada a dizer que esse quase é espaço dos acontecimentos entre a aldeia e a cidade, produzido pela interpelação do discurso urbano; poderíamos interpretar que há nesse espaço discursivo duas memórias no embate, duas Formações Discursivas: a FD indígena e a FD do urbano, afetada pelo discurso do colonizador.

 

Cf. análise do Vocabulário na Língua Brasílica (J. H. Nunes. Discurso e instrumentos lingüísticos: dos relatos de viajantes aos primeiros dicionários. Tese de doutorado. Campinas, IEL-Unicamp, 1996).



[1]Cf. análise do Vocabulário na Língua Brasílica (J. H. Nunes. Discurso e instrumentos lingüísticos: dos relatos de viajantes aos primeiros dicionários. Tese de doutorado. Campinas, IEL-Unicamp, 1996).