Discurso urbano e enigmas no Rio de Janeiro: pichações, grafites, decalques


resumo resumo

Bethania Mariani
Vanise Medeiros



 

A memória é redundante:

repete os símbolos

para que a cidade comece a existir.

(Calvino, 1993)

 

 

1. Princípios

 

A melhor imagem para representar o inconsciente é Baltimore pela manhã.  Onde está o sujeito? É preciso achá-lo, como se fora um objeto perdido. Mais precisamente, este objeto perdido é o suporte do sujeito e muitas vezes é algo bem mais objeto (...). ”, afirma Lacan (1976, p. 201) em conferência proferida na Universidade John Hopkins, em 1966.  No auge do estruturalismo, Lacan fala para uma plateia de intelectuais americanos sobre o inconsciente a partir de uma imagem poética sobre a cidade de Baltimore, tal como ele a viu ao amanhecer, quando preparava sua palestra. “Disse a mim mesmo que tudo o que eu podia ver, exceto algumas árvores ao longe, resultava de pensamentos, pensamentos ativamente pensantes, nos quais não era totalmente óbvia a função desempenhada pelos sujeitos.  De qualquer modo, lá estava, neste espectador muito mais intermitente, ou mesmo fugaz, o chamado dasein, como uma definição do sujeito. ”  (LACAN, id.ibid.) Nessa maneira de definir o inconsciente, Lacan relaciona uma cidade – um lugar, portanto -, as pessoas que nela vivem, o público presente em um dado momento em um auditório e o sujeito, como um objeto que não é facilmente localizável, cuja função não é totalmente óbvia.

A relação entre inconsciente e cidade se encontrava em Freud, que, com suas analogias arquitetônicas e pictóricas, situa o inconsciente enquanto “lugar de vida e articulado” (LAURENT, 2007, p. 94 e ss), em que espaço e tempo se entrecruzam de forma concentrada, estruturada, sem origem definida e sem estar visível para seus habitantes.  Sobre a cidade de Roma, Freud alude às ruínas, aos restos que com seus vestígios permitem leituras dos historiadores sobre uma civilização desaparecida.  Tais ruínas, em seu jogo entre o que restou e o que desapareceu, formam um texto lacunar que para Freud pode ser lido, visto ou escutado.  Lacan nos falará dos restos de uma escrita letrada cujo enigma, nunca a ser totalmente decifrado, permanece se reinscrevendo a partir do que foi perdido. No caso de Baltimore, é a atualidade de uma cidade do Novo Mundo, “ao amanhecer” de um novo dia, em um outro continente que dá a ver os restos do assim chamado velho mundo: fragmentos marcando a presença de sua ausência necessária para que um outro se constituísse. Na definição de inconsciente