A língua, os museus e os espelhos


resumo resumo

Larissa Montagner Cervo



Considerações iniciais

Neste artigo, com base nos pressupostos teórico-metodológicos da Análise de Discurso, temos por objetivo refletir sobre o Mundolingua[1], um museu situado em Paris (França) e dedicado à língua, às línguas e à linguística. Centrando nossa reflexão na organização geral do arquivo deste museu, problematizamos o modo como certas explicações sobre linguagem verbal e língua(s) são trabalhadas, a partir de textos de monitores interativos e da presença de um espelho no interior das instalações. De modo mais específico, refletiremos sobre o confronto entre dois discursos, quais sejam, o discurso religioso e o discurso de divulgação científica, os quais colocam em tensão sentidos discordantes a respeito de origem, estados iniciais e da própria definição de língua e linguagem no interior do arquivo.

A temática da língua em museus interessa-nos em função do nosso percurso de pesquisa e de um estudo anterior (CERVO, 2012) sobre a língua como patrimônio no Museu da Língua Portuguesa (São Paulo – SP). Neste primeiro estudo, observamos que o modo com que o arquivo do Museu da Língua Portuguesa é constituído produz sentidos que corroboram para o imaginário da língua portuguesa no Brasil como uma língua derivada de uma história predominantemente portuguesa e canônica por excelência, a partir da qual as variações são estereotipadas e os sentidos da colonização e das línguas indígenas são deslocados para uma posição marginal, de mera influência no léxico.

Esse agenciamento da história e, consequentemente, o silenciamento do político na língua, ainda hoje, leva-nos a refletir sobre o quanto o Museu da Língua Portuguesa auxilia-nos, enquanto instrumento linguístico, a pensar a língua portuguesa em sua historicidade constitutiva e nas condições de produção brasileiras. Por essa razão, é inevitável que o nosso gesto de interpretação sobre o Mundolingua não seja envolto pelo já-dito sobre o Museu da Língua Portuguesa, uma vez que a prática de determinação histórica e o mal-estar de começos ou de origens é da ordem do repetível no arquivo dos dois museus, o que faz com que a conclusão pareça ser sempre a mesma. Apesar do enfoque mais expressivo no Mundolingua, é, então, a nossa história de leitura que motiva a escritura deste texto e que justifica o título língua, museus e algo comum aos dois espaços e que muito nos inquieta, a saber, a presença de espelhos.