“O skate invade as ruas”: história e heterotopia


resumo resumo

Leonardo Brandão



Introdução

Michel Foucault, uma das maiores figuras intelectuais do século XX, foi um filósofo que se fez historiador e um dos primeiros a anunciar que “não é a própria sociedade que constitui a realidade a ser estudada, mas sim os discursos que ela produz, ou então as suas práticas” (BARROS, 2004, p. 141). Apesar de sua morte prematura no ano de 1984 (ele foi uma das primeiras vítimas famosas da AIDS), Foucault foi um pensador prolífico, escreveu muitos livros e ministrou várias conferências (inclusive no Brasil).

Em sua trajetória acadêmica, sua preocupação com o corpo – ou com uma “história do corpo”, como escreveu – apareceu nitidamente a partir da publicação de “Vigiar e Punir” no ano de 1975, livro que teve rápida circulação internacional e foi rapidamente traduzido para uma série de línguas. Foi a partir deste livro que as análises foucaultianas passaram a evidenciar a “dupla articulação do poder sobre o corpo do indivíduo e do saber com o poder” (DEFERT, 2010, p. 50), levando-nos a compreensão de que tanto os sujeitos quanto seus corpos são construções históricas. De fato, a decifração do corpo constituiu-se como um eixo central na genealogia foucaultiana, e por isso os estudos sobre o corpo nas Ciências Humanas devem muito a esse momento de sua produção intelectual. Com Foucault o corpo ascendeu verdadeiramente ao estatuto de objeto de pleno direito, mergulhado no campo político, nas relações de poder, nas técnicas de dominação, no uso dos prazeres e nos cuidados de si (COURTINE, 2013, p. 17).

Antes, entretanto, dessa guinada corporal nos estudos de Foucault – ocorrida por volta de 1975 – o filósofo fez uso de uma noção muito rica, mas que não chegou a ser retomada em seus estudos posteriores sobre o corpo. Trata-se na noção de “heterotopia, que apareceu pela primeira vez, de forma muito breve, no livro “As palavras e as coisas”, publicado inicialmente na França no ano de 1966. No entanto, foi somente a partir de uma conferência proferida por Foucault ao Círculo de Estudos Arquiteturais de Paris, em março de 1967 (e publicada posteriormente no Brasil com o título de “Outros Espaços”), que o filósofo forneceu a essa noção algum estofo teórico e operacionalidade.

Cremos que a noção de heterotopia, pensada inicialmente para fazer referência ao espaço, pode muito se valer das questões relativas à corporalidade. Pois ao analisar a questão da heterotopia em Michel Foucault, Rodrigo Valverde, professor do