A biopolítica e o espaço urbano: considerações sobre o Centro de Florianópolis


resumo resumo

Natassia D’Agostin Alano



Peço permissão para iniciar este artigo com um comentário sobre uma experiência que passei ao exercer o trabalho de organizar uma viagem de bicicleta pela África Austral, em março de 2017. Em meio a tantas tarefas que compete alguém a pensar sobre o destino que vai percorrer, principalmente quando não se trata de uma viagem convencional, há aquela de pensar o próprio percurso: que país que você vai acessar, como se organiza a fronteira daquele local, quais documentos necessários ao entrar naquele novo território, quais leis impostas e, sobretudo, qual o caminho a ser percorrido: relevo, altitude, clima, condição da estrada, população, se há cidades no meio do caminho, água, enfim, uma infinidade de questões. Como eu nunca havia ido ao continente africano e havia poucos relatos de outros viajantes, sentia, por vezes, algumas angústias que remetia aos pré-conceitos somados ao longo de minha formação, como, por exemplo, o fato de eu pensar sobre um possível encontro com animais selvagens. Apesar de cômico, esse era o medo que regia a possibilidade de estar lá.

Comento sobre essa experiência, pois foi ela que motivou a busca nos dados do Google Street View[1] sobre todo o percurso que iria percorrer durante aqueles seis meses em África. Ainda que eu não estivesse naqueles locais, pude percorrer todas as ruas e avenidas antes que meus pés pensassem em pisar naquele asfalto. E como em um sobressalto aliviado, pude ver as comunidades, as vielas, as tribos, as cidades daqueles países. Hoje, posso dizer que, relembrando aqueles lugares mais remotos que percorri (sem instrumentos tecnológicos mais avançados, como televisão e celular), as pessoas que lá vivem tampouco podem imaginar que alguém de outro continente possa ‘vê-los’ de cima e ‘re-conhecer’ seus percursos estando no âmbito virtual. E isso, antes de parecer algo espetacular para quem precisou da ferramenta, inclina-se para uma situação mais assombrosa quando pensamos que também possamos ser ‘vigiados’ [ou nossas casas] por olhos de outros sujeitos do mundo afora.

Ainda no âmbito dessa discussão, recordei-me da multiartista Laurie Anderson que, nos primeiros trinta minutos de seu filme autobiográfico intitulado Heart of Dog, promove uma reflexão sobre como o ataque de onze de setembro de 2001 às torres gêmeas resultou em uma mudança de status do perigo: após aquele acontecimento, acentuou-se a possibilidade de ele emergir de onde não se espera. Realizando, pois, uma comparação com a vida de sua cachorra Lollabele que, em uma viagem às montanhas percebe que o gavião é seu predador, Anderson comenta sobre o perigo que vem do ar, dos céus, de modo que tanto a sua cachorra quanto os seus vizinhos da região de Lower Manhattan ‘agora seriam responsáveis por mais 180 graus’.

Seguindo adiante, Laurie Anderson promove também uma reflexão sobre a sociedade de controle e o lugar que a câmera de segurança ocupou após aquele acontecimento histórico. Assim, por meio de imagens de câmeras que vigiam as pessoas de cima para baixo, a artista reflete sobre o quanto de informações fragmentadas de todos os sujeitos passantes são coletadas por dia em determinados espaços públicos. Informações essas que são apenas reunidas caso você cometa um crime, de modo, pois, que se reconstrua sua história voltando para trás: contendo informações dos lugares que você frequentou e o que você fez até tal feito, encarnando uma exposição e vigilância constantes.

Esses exemplos nos impelem a refletir sobre como a transição da sociedade moderna para a contemporânea ocasionou o redimensionamento de um modelo que, da sociedade disciplinar (FOUCAULT, 1976), versa-se para aquilo que Gilles Deleuze (1990) denomina por sociedade de controle[2]. Conforme Lazzarato (2006, p. 77) “as instituições das sociedades de controle são [...] caracterizadas pelo emprego das tecnologias de ação a distância, mais do que pelas tecnologias mecânicas (sociedades da soberania) ou termodinâmicas (sociedades disciplinares)”. Trata-se, portanto, de um controle contínuo e rarefeito. Enquanto nas sociedades modernas, disciplinares, imperava-se um modelo de observador físico, arquitetônico, e em tempo real de vigília – o panóptico[3] –; nas sociedades de controle, a observação torna-se mais inclinada ao virtual, a exemplo das câmeras de circuito interno, as redes sociais; as tecnologias de informação como um todo. Controlar, nesse sentido, não é necessariamente a corporificação de alguma instituição como escola, fábrica, prisão, mas a vigilância contínua propagada por câmeras espalhadas por toda parte, inclusive nas ruas. Essa intensificação de vigília traz o status de uma sociedade auto-vigiada, assim como expôs Laurie Anderson, em Heart of Dog.

            Embora não se possa traçar um paralelo exato entre o cenário brasileiro e norte-americano, primeiro governo a coletar informações de todos os cidadãos que vivem naquele território [e não que isso seja exitoso], podemos, ainda assim, refletir sobre como estamos ‘caminhando[4]’ para nos tornar essa sociedade que também se autovigia e armazena incontáveis dados de informações. Em nome da segurança, do medo do outro-‘estrangeiro’, os indivíduos permitem-se ser observados, em uma espécie contratual de aceitação da vigilância: o perigo é sempre o outro; esse outro que não nos parece ter corpo, mas tem possibilidades de; um outro marginalizado e prospectado como perigo. Isso porque, em alguma medida e guardadas as diferenças de tecnologia, o paradigma imunitário (ESPÓSITO, 2017), esse funcionamento biopolítico em que a noção de segurança de uns parece ser posta em xeque por outros, se faz presente.

Considerando as reflexões que inauguram este texto, o propósito, aqui, é, a partir de questões que se versem sobre sociedades disciplinar e de controle (FOUCAULT, 1976; DELEUZE, 1990), bem como questões sobre biopolítica (FOUCAULT, 2008b [1979]), analisar o centro de Florianópolis, dando enfoque especificamente a alguns aspectos do espaço urbano: as ruas do centro da cidade,  seus dispositivos de vigilância, e o outro que é tido como perigo. Vale mencionar que, para a escrita deste texto, serão utilizadas referências que se alinham tanto ao pensamento foucaultiano quanto a estudos sobre o ‘urbano’, os quais partem de perspectivas diversas. Desse modo, ao propor tal conversa, assumo o risco a que me coloco.

O escopo deste ensaio é estabelecer considerações sobre determinados aspectos do urbano da região central de Florianópolis que implicam na circulação dos corpos, a fim de abrir para o questionamento e a reflexão. Buscarei, neste exercício, registrar algumas regularidades[5], assumindo os riscos das molduras aqui colocadas. Assim considerando,

 


O que distingue o centro das cidades das zonas periféricas é a sua multifuncionalidade e a sua mistura orgânica de funções, podendo encontrar-se mercados públicos, centros de negócios, escolas e universidades, instituições de saúde e salões de beleza, locais para reuniões, galerias de arte, cultura e lazer; locais para visitar, transportes e áreas residenciais. [...] Um centro de cidade é mais que um centro comercial. No entanto, se perder a sua atractividade como centro de comércio, dificilmente pode sobreviver como um centro em sentido lato. (BALSAS, 1999, p. 53).

 

Pensar as ruas do Centro de Florianópolis é justamente pensar sobre as centenas e milhares de pessoas que percorrem aquele espaço diariamente. Dentre os desconhecidos, os compradores e curiosos, mas também os pedintes, os ociosos, os ambulantes, as prostitutas e os sujeitos em situação de rua. Diferentemente dos espaços privados, a rua é um espaço cuja função é possibilitar a circulação de todas as pessoas. Ela é, afinal, o caminho que nos permite chegar a um fim ou, por vezes, um local de passeio sem rumo. No entanto, ainda que uma rua seja o espaço em que, em tese, exerce-se o direito de ir e vir, o controle sobre um comportamento considerado aceitável e permitido parece funcionar por uma série de condutas e sanções, sobretudo no que tange ao comportamento de visitantes dos subúrbios [quando não em seu papel de trabalhadores].

Tendo em vista a organização espacial, no funcionamento do centro da cidade há a busca paralela entre: repreender quem é considerado um risco em potencial e proteger aqueles desconhecidos considerados pacíficos. Em Florianópolis, essa busca se dá a partir de elementos diversos, os quais farão parte da discussão analítica deste trabalho: os estabelecimentos em si, como bares e lojas, que limitam o acesso a determinados passantes; a própria arquitetura de espaços como o Mercado Público e a Rua Vidal Ramos que pode gerar gentrificação; e as câmeras de vigilância no Centro da Cidade, as quais controlam os seres passantes. De acordo com Jane Jacobs (2011 [1961], p. 34), para que as ruas de uma cidade demonstrem segurança à população e aos visitantes, há que se pensar em algumas medidas simples, dentre as quais:

 


Tentar dar segurança às ruas em que o espaço público seja inequivocamente público, fisicamente distinto do espaço privado e daquilo que nem espaço é, de modo que a área que necessita de vigilância tenha limites claros e praticáveis; e assegurar que haja olhos atentos voltados para esses espaços públicos da rua o maior tempo possível. Todavia, não é tão simples atingir essas metas, especialmente a última. Não se podem forçar as pessoas a utilizar as ruas sem motivo. Não se podem forçar as pessoas a vigiar ruas que não querem vigiar. Pode parecer inconveniente manter a segurança das ruas com a vigilância e o policiamento mútuos, mas na realidade não é. A segurança das ruas é mais eficaz, mais informal e envolve menos traços de hostilidade e desconfiança exatamente quando as pessoas as utilizam e usufruem espontaneamente e estão menos conscientes, de maneira geral, de que estão policiando. O requisito básico da vigilância é um número substancial de estabelecimentos e outros locais públicos dispostos ao longo das calçadas do distrito; deve haver entre eles sobretudo estabelecimentos e espaços públicos que sejam utilizados de noite. [...] Deve haver, além do mais, um comércio bem variado, para levar as pessoas a circular por todo o local. [...] Os próprios lojistas e outros pequenos comerciantes costumam incentivar a tranquilidade e a ordem; detestam vidraças quebradas e roubos; detestam que os clientes fiquem preocupados com a segurança. Se estiverem em bom número, são ótimos vigilantes das ruas e guardiões das calçadas.

 

A constituição da cidade parece depender, portanto, não somente de uma organização espacial, mas de um status de vigilância contínuo para que ela possa funcionar como um ‘centro’. Tal consideração nos leva a interpretar que a ‘democracia’ anunciada na ideia de que a rua é para todos é, por fim, colocada em xeque. Ao promover a vigília, a disciplina e o controle, promove-se “a docilização dos corpos [...] [tendo como] função [...] impedir qualquer bifurcação, roubando dos atos, das condutas, dos comportamentos qualquer possibilidade de variação, toda a sua imprevisibilidade.” (LAZZARATO, 2006, p. 68). Para Foucault (2009 [1988], p. 135), “estes métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar de disciplinas”. A situação contínua de disciplinarização e vigilância dos corpos no centro da cidade pode, por vezes, ser pensada por grande parte da população como um mecanismo que evita o roubo e protege quem quer usufruir do espaço urbano, mas, diante desse continuum vigilante, ainda que tênue, a busca pode ser também por excluir um contingente populacional não receptivo no âmbito do espaço urbano. Nesse sentido, entra aqui a “positividade paradoxal da biopolítica, que faz viver e produz corpos mais eficazes e saudáveis, mas, ao mesmo tempo, captura-os e exige, como contrapartida, gestos de resistência, em diferentes instâncias da vida política.” (LARA; BUTTURI JÚNIOR, 2018, p. 648).

Foucault, em seu livro Segurança, Território, População (2008a [1977-1978], p. 453), discute que a cidade só pôde de fato existir a partir da instituição da força repressiva que é a polícia. Segundo o autor,

 


[...] o vínculo entre polícia e cidade é tão forte que ele diz que é só por ter havido urna polícia, isto é, porque se regulamentou a maneira como os homens podiam e deviam, primeiro, se reunir e, segundo, se comunicar, no senso lato do termo "comunicar", isto é, coabitar e intercambiar, coexistir e circular, coabitar e falar, coabitar e vender e comprar, foi por ter havido urna polícia regulamentando essa coabitação, essa circulação e esse intercâmbio que as cidades puderam existir. A polícia como condição de existência da urbanidade.

 

            A partir das reflexões tanto de Foucault (2008a [1977-1978]) quanto de Jacobs (2011 [1961]), sugiro que percorrer as ruas centrais de uma cidade se torna um contrassenso: em razão de sentir-se livre, exigimos a segurança que nos vigie e nos guarde enquanto sujeitos, demonstrando, pois, um poder que não simboliza a morte, mas a administração dos corpos e a gestão da vida (FOUCAULT, 1988).

Não há, portanto, leis que proíbam sujeitos determinados a priori a se comportarem de modos específicos nas ruas da cidade de Florianópolis, mas há normas regularizadoras a serem seguidas que se tornam, portanto, mais importantes que as próprias leis. A norma parece estabelecer, portanto, uma vigilância desigual nos corpos dos sujeitos. Foucault registra o seguinte:

 


A lei impõe, a norma delimita. A lei prescreve, a norma possibilita. A lei não consegue penetrar capilarmente nos espaços da vida. A insuficiência da lei é substituída pela eficiência da norma. A norma opera nas instituições modernas, regulamentando ao mínimo e de forma máxima todas as atividades dos indivíduos. Estes não são obrigados a participar de uma instituição, mas se não quiserem ser excluídos terão que se submeter às normas exigidas. A inclusão exige normalização. A normalização se tornou a técnica de governo eficiente que regula o comportamento dos indivíduos e populações. (RITTER, 2014, p. 135-136).

 

            Conforme Sandra Caponi (2004, p. 447), uma característica do biopoder é a importância crescente da norma sobre a lei, “[...] a ideia de que é preciso definir e redefinir o normal em contraposição àquilo que se lhe opõe, a figura dos anormais, incorporada logo à categoria de degeneração que se inscreve nas margens do jurídico. Esses sujeitos se definem, como afirma Agamben, por seu caráter de ‘exceção’”.

Nesse sentido, a partir de dispositivos de vigilância, tanto de âmbito particular quanto de âmbito público, abre-se uma reflexão sobre a biopolítica do espaço urbano – essa biopolítica que normaliza as condutas –, uma vez que a função desses diversos dispositivos se torna, sobretudo, a de proteger excluindo, proteger normalizando, instaurando, pois, uma polarização social. Tais dispositivos não se circunscrevem somente às instituições públicas policialescas como a Polícia Militar, a Guarda Municipal e os seguranças de ambientes privados, mas também aos shoppings center, às lojas de modo geral, às luzes das cidades e às câmeras instaladas em ambientes de ordem diversas.

Conforme Lara & Butturi Jr (2018, p. 652),


 


[...] antes de ser uma política de sujeitos, a biopolítica tornou-se uma política populacional, que mede e regula, constrói e produz comunidades humanas através de programas de mortalidade e planejamento familiar, regras de higiene e controle de fluxos migratórios. Do ponto de vista teórico, as categorias de biopolítica e biopoder tentam dar conta da normalização biológica da espécie humana e conduziram, desde Foucault, à problemática da governamentalidade, tendo em vista os enunciados sobre a segurança e o risco.


 

            Sendo assim, arrisco-me, aqui, a refletir sobre uma biopolítica do espaço urbano que, ao mesmo tempo em que visa proteger os corpos de parte da população produtiva ou rentável para a cidade, é também capaz de excluir outra parcela. Os elementos que irei observar – os estabelecimentos, a arquitetura e as câmeras – funcionam gerando essa cisão entre os protegidos e as pseudoameaças. De acordo com Ritter (2014), o Estado ao definir critérios sobre o que é excluído e incluído, pode também aplicá-los no disciplinamento dos corpos no espaço, fazendo do poder um exercício ambivalente de expressão ou exercício da biopolítica, uma vez que ele pode tanto ‘agregar’ ou ‘expulsar’ os marginalizados. Segundo a autora em questão, a segurança no espaço urbano faz parte da biopolítica, haja vista que a vigilância possibilita a concentração de poder e, ainda que a justificativa seja a busca de proteção do indivíduo, os mecanismos de controle transformam-se frequentemente em mecanismos de abuso de poder (RITTER, 2014). A vigilância que visa disciplinar está interessada no corpo vivo, a fim de que ele seja potencializado, de modo que possa produzir mais mercadorias. O poder disciplinar é, pois, um poder de vida que impõe a vida. (HILÁRIO, 2016).

            Essa sociedade disciplinar e de controle, tendo a vigilância materializada por diferentes dispositivos panópticos parece, portanto, fazer viver os corpos passíveis de produção. O panóptico, segundo Foucault (1987, p. 167),

 


[é] um dispositivo importante, pois automatiza e desindividualiza o poder. Este tem seu princípio não tanto numa pessoa quanto numa certa distribuição concertada dos corpos, das superfícies, das luzes, dos olhares; uma aparelhagem cujos mecanismos internos produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos.

 

            Em assim compreendendo, podemos conceber também que os dispositivos de controle podem igualmente estar no processo de construção arquitetônica e ocupação dos espaços. Embora a origem da definição do dispositivo panóptico tenha sido explorada por Jeremy Bentham, o qual buscava se referir a ambientes prisionais, podemos aludir ao mesmo dispositivo para tratar de espaços urbanos, uma vez que a própria organização espacial de ruas, avenidas, lojas e moradias garante o funcionamento automático do Poder sobre os corpos. (AREND, 2018).

            Como havia discutido anteriormente, as ruas, em tese, caracterizam-se por aquilo que no ‘lugar comum’ chamamos de liberdade: andar livremente, sair a esmo, caminhar, circular sem rumo. Mas, como também tivemos o cuidado de mencionar, planejar um espaço requer pensar sobre as intenções que se quer com ele. E, embora haja o dinamismo da interação humana, que pode, por vezes, resultar ‘contra-usos’, há sempre a busca de moldar ou filtrar os corpos circuláveis em tais ambientes. Nesse caso, podemos, quiçá, pensar a rua como um campo de concentração (AGAMBEN, 2010a [1995]) às avessas; lugar, portanto, que pode tanto destruir[6] a vida inútil quanto tornar produtiva a vida útil (ARENDT, 2007; FOUCAULT, 2008b [1979]), excluindo, de certo modo, a possibilidade de agir livremente. Nas palavras de Judith Butler (2016, p. 17), “há sujeitos em que não são exatamente reconhecíveis como sujeitos e há “vidas” que dificilmente [...] são reconhecidas como vidas.”

O foco da biopolítica é gerenciar a liberdade dos espaços, propiciando que as pessoas possam atingir eficiência. No Centro de Florianópolis não é diferente: a diminuição das praças e dos espaços de lazer que fogem à lógica do consumo dá lugar, em certas localizações, a lojas e restaurantes em que os passantes, ao caminhar por esses espaços, possam usufruir produtivamente dos serviços presentes. Conforme Santana (2018, s.p.), “se tudo precisa render, a tendência é acabar com os lugares vagos”. A biopolítica, entretanto, tendo a vida como objeto, não se preocupa somente em destruir a vida inútil, mas, como já exposto, visa também tornar produtiva a vida útil. E essa produtividade não se dá somente por meios diretos de consumo, mas também pelo aumento de locais de descanso em espaços onde haja vidas que ‘importam’. Sendo assim, espaços como ciclovias, academias ao ar livre, gramados e parques, parecem ser orientados àqueles que merecem viver, e viver mais. Nas palavras de Ritter (2014, p.127),


 


Não há uma compreensão unitária do que seja biopolítica. Sabe-se, contudo, que ela demarca e conjuga o papel que a vida humana vem adquirindo como recurso útil na lógica do governo instrumental das populações, onde encontra espaço e transforma os meios (eficiência e lucratividade) em fins (vida humana). Em outras palavras, a biopolítica trata o cuidado da vida humana como princípio formal da política moderna, cuidando dela quando útil e a abandonando quando inútil.


 

Situações comuns, tais como o processo de iluminação das vias públicas, a numeração das casas e edificações e os nomes de ruas são classificações e hierarquizações dadas às cidades, de modo a organizá-las e, assim, auxiliar na circulação de corpos. Tais tecnologias comumente utilizadas no espaço urbano podem ser encaradas como dispositivos de segurança que visam à proteção de alguns corpos e à expulsão de outros. Esses meios – como estratégia biopolítica – servem, também para purificar e higienizar espaços.

Essa foi uma das críticas de Walter Benjamin, Edgar Alan Poe e Robert Louis Stevenson sobre o mal-estar causado na população de Paris com as reformas de Haussmann, no século XVIII. Segundo Sibilia (2015), a população francesa não aceitou facilmente a disciplinarização imposta pelos governantes em numerar as residências e iluminar as ruas da cidade, acusando tal política de tentar colocar uma camisa de força na confusa organização citadina (AREND, 2018, p. 44).

Nas ruas centrais da cidade de Florianópolis/SC, podemos encontrar inúmeros dispositivos de segurança que caracterizam aquele espaço, assim como os encontramos em centros de outras cidades tanto brasileiras quanto estrangeiras.


Nunca a disciplina foi tão importante, tão valorizada quanto a partir do momento em que se procurou gerir a população. E gerir a população não queria dizer simplesmente gerir a massa coletiva dos fenômenos ou geri-los somente ao nível de seus resultados globais. Gerir a população significa geri-la em profundidade, minuciosamente, no detalhe. A idéia de um novo governo da população torna ainda mais agudo o problema do fundamento da soberania e ainda mais aguda a necessidade de desenvolver a disciplina. Devemos compreender as coisas não em termos de substituição de uma sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma sociedade de governo. Trata-se de um triângulo: soberania-disciplina-gestão governamental, que tem na população seu alvo principal e nos dispositivos de segurança seus mecanismos essenciais. (FOUCAULT, 1976, p. 171).

 Interpretando as palavras de Jacobs (2011 [1961]), a sociedade disciplinar deixara de ter papel central na polícia para se tornar objeto de gestão de diferentes ambientes e corpos. As lojas e bares são um exemplo mais comum desse movimento disciplinar do ambiente público da rua. Ainda que os sujeitos não ingressem no interior de determinado estabelecimento, seguranças ou, às vezes, os próprios lojistas observam os transeuntes que se aproximam e se afastam de seu estabelecimento, levando suas sugestões e críticas à prefeitura de Florianópolis caso algo desconfortável e desagradável aconteça naquele espaço. Reclamações[7] sobre a presença de vendedores informais e sujeitos em situação de rua é bastante comum nas ruas centrais de Florianópolis, causando, pois, um movimento de atrito e resistência entre os comerciantes e aqueles que não têm moradia ou ponto de venda fixo na cidade.

A presença de lojas, bares, restaurantes, em suma, de todos os tipos de estabelecimentos comerciais, embora um movimento simples que possa ser explicado pelo crescimento econômico e populacional de determinado espaço territorial, pode também trazer resultados no perfil de corpos que circulam no entorno dessas esferas. O Mercado Público de Florianópolis é um exemplo dessa possível definição de perfil. O processo de ‘revitalização’[8] desse patrimônio histórico de arquitetura portuguesa, iniciado após um incêndio em 2005, resultou em um espaço arquitetônico destinado aos turistas e à classe média e alta florianopolitana.


 


Um estudo na construção e em toda a concepção do Mercado Público, mostra em seu estilo, a sua finalidade: a preocupação da alta classe em fazer algo para, antes de servir ao público, servir como uma decoração da cidade, um lugar que fosse esteticamente bonito, que deixasse a cidade com uma aparência melhor, com status de uma cidade grande e importante. Seu objetivo foi alcançado, visto o que o Mercado Público se tornou um símbolo da cidade, cartão-postal e local de visitação, com seus boxes famosos, como o “Box 32” ou o “Ponto 15” dentre outros, ao mesmo tempo em que mantém sua função, pitoresca dentro desse contexto, de vender produtos alimentícios. (YAMAMOTO, 2008, p. 7).

A perspectiva mercadológica no trato com o patrimônio histórico, além de ser uma das características do fenômeno de gentrificação[9], denota alegoria e entretenimento (LEITE, 2010) ao espaço urbano e por mais que não haja restrições de acesso ao público em geral, pré e pós-requalificação, o controle se versa na própria configuração espacial, arquitetônica e econômica que, ‘automaticamente’, afasta determinados sujeitos daquele entorno. Diante da relação da vida com o poder na biopolítica, há o cuidado com a vida humana e, ali, dentro desse cuidado está sempre o controle da circulação dentro de espaços previstos (RITTER, 2014). A seguir, elenquei duas imagens que podem auxiliar na visualização de processos arquitetônicos que atuam como dispositivo segurança: a primeira corresponde ao projeto de revitalização e a segunda corresponde ao Mercado já revitalizado. Ambas parecem indicar, em seu enfoque, o público esperado com a nova arquitetura.



 

 

 “Enquanto a soberania capitaliza um território e a disciplina arquiteta um espaço, a segurança procura criar um ambiente em função de acontecimentos determinados.” (RITTER, 2014, p. 122). Enquanto a imagem do projeto traz um ambiente coberto, com pessoas brancas e bem vestidas frequentando aquele espaço, a foto que registra o ambiente revitalizado, demonstra em sua configuração a presença de mesas rústicas e um ambiente organizado de tal forma que, por vezes, pode mais afastar determinados corpos do que atrair. A arquitetura, portanto, parece-nos um lugar em que há a atuação de dispositivos de segurança e controle. Na organização e planejamento de usos de materiais, há, pois, a possibilidade de prever os sujeitos que serão atraídos e/ou repelidos por essa nova configuração espacial.

A rua Vidal Ramos[10], localizada a oeste da famosa Praça XV do centro histórico de Florianópolis, é também exemplo de que o processo de requalificação arquitetônica pode resultar em uma nova configuração dos frequentadores de tal espaço. A arquiteta e urbanista Natália Fonseca (2015), em seu Trabalho de Conclusão de Curso, promovera uma discussão sobre como a “revitalização urbana”, intitulada Open Shopping - Rua Vidal Ramos, gerou uma nova demanda comercial naquela zona. A revitalização dessa rua foi iniciada em 2008, tendo como propósito, segundo Fonseca (2015), a melhoria daquela rua, uma vez que os lojistas sentiam que o comércio, naquele espaço, estava enfraquecido. Nesse sentido, com essa motivação, e em parceria público-privada, deu-se o processo de planejamento e ‘reforma’. A autora ainda destaca que no projeto elaborado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) constava a preocupação com a identidade local e a busca para que a rua voltasse ao status de ‘charmosa e badalada’, de modo que pudesse atrair os consumidores.

 


Figura 1 - Vidal Ramos com decoração natalina após sua revitalização
Fonte: Marka (2014)

 

            Fonseca (2015), em sua análise, destaca a fala da presidente da ACIF que, ao ser questionada sobre a presença mais assídua de vendedores ambulantes nas ruas comerciais próximas ao Mercado Público, e não na Vidal Ramos, comenta que pela característica da rua, ela não atrai ‘esse tipo de pessoa’. Registra a autora a fala da presidente: “Ontem mesmo apareceu um vendedor (ambulante) com megafone. (...) Mas eu já estava saindo lá na frente e falando que por aqui nós não gostamos desse tipo de coisa. Porque se vem um daí vem outro e já viu. Nos policiamos aqui na Vidal para ter esse diferencial.”[11] (FONSECA, 2015, p. 63).

            Podemos, diante desse breve registro referente à rua em questão, pensar sobre o processo higienista marcado em alguns espaços urbanos que, em sua configuração espacial e utilização de materiais mais sofisticados, podem expulsar outros corpos daquela ambientação. Se, anteriormente, a Vidal poderia ser vista como uma rua pública de livre passagem, hoje, com a revitalização Open Shopping, traz outra conotação e marca a presença de outros corpos naquele entorno. O patrimônio histórico no espaço público passa, nesse sentido, a ser tomado como espetacularização cultural e histórica, em uma perspectiva mercadológica de produção de alguns corpos e renegação de outros que não contribuem para esse contrato. A expressão da própria presidente da ACIF, ao se referir aos vendedores ambulantes e aos sujeitos em situação de rua como ‘tipo de gente’ e sua forma de comércio como ‘tipo de coisa’, já demonstra que esse espaço – que deveria ser público – se orienta ao uso privado de pessoas ‘selecionadas’. Essa situação tem se tornado comum nas cidades brasileiras, em que as ruas e as áreas públicas são cobertas e fechadas – assim como o próprio Mercado Público – para tornarem-se shoppings virtuais, tornando o acesso regulado e as ações espionadas pelos novos agentes de controle social (PAESE, 2006). Esse uso regulado não quer dizer, entretanto, que haja leis que proíbam as pessoas, as quais o projeto urbanístico não tenha sido destinado, a utilizarem tais espaços. Conforme Jacques (2008, p. 3), “Os praticantes ordinários das cidades atualizam os projetos urbanos e o próprio urbanismo, através da prática, vivência ou experiência dos espaços urbanos. Os urbanistas indicam usos possíveis para o espaço projetado, mas são aqueles que o experimentam no cotidiano que os atualizam.”.

Nesse caso, podemos aludir àquilo que denominamos, aqui, por resistência. Os vendedores ambulantes e os sujeitos em situação de rua são exemplos de resistência do espaço urbano; são “corpos sem sentido” que, segundo Arend (2018, p. 47), “perderam sua função econômica e ao deixarem de contribuir com o Estado [...], os corpos dessas populações [...] se tornaram corpos a serem combatidos, aplicando claramente uma lógica de guerra”.

 


Se o poder soberano era caracterizado por sua capacidade de fazer morrer, o Estado biopolítico e suas técnicas de governo reúnem dispositivos de segurança, cuja função é fazer viver. [...] Todavia, o problema da morte permanecerá em aberto: como permanecer excluindo tirando a vida numa sociedade em que a morte aparece como um limite? Para Foucault (2010a), a resposta reside nos racismos de Estado, na produção de certas formas de subjetividade “matáveis”: anormais, perigosos, degenerados. Em nome da segurança da população, novas tecnologias de manutenção da saúde e da expulsão – “[...] a morte política, a expulsão, a rejeição, etc” (FOUCAULT, 2010a, p.216, grifos nossos) – da vida “biologicamente inferior”. O que Foucault (2010a, p.215) chama de “cesura biológica”, no interior dos dispositivos biopolíticos de governo, é o que se entende pelo racismo e pelo adensamento da problemática da raça nos séculos XVIII e XIX: “A raça, o racismo, é a condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização.” (LARA; BUTTURI JUNIOR, 2018, p. 650).


 


 

Sendo assim, onde há poder e racialização, há quem resista. Um exemplo bastante comum de ‘contra-uso’, ou de resistência, pode ser visto nos centros comerciais conhecidos por shoppings. Esses espaços privados, mas utilizados publicamente, são construídos para uma demanda específica da sociedade, selecionando seus ocupantes pelo critério do poder de consumo[12]. No Brasil, o interesse pelo uso do shopping, em vez dos centros comerciais abertos, deve-se ao fato de que ele pareça oferecer mais segurança aos visitantes. De acordo com a geógrafa Renata Pozzo, “os frequentadores dos shoppings sentem-se seguros pois acreditam que neste espaço estão entre seus iguais” (2010, p. 188). Assim sendo, é conferida em sua experiência de consumo uma rara presença de um ‘outro’ que não compartilha com os mesmos princípios (PADILHA, 2006). Entretanto, conforme Pozzo (2010, p. 189),

 

 

 


em Florianópolis, temos o interessante caso do shopping Beira Mar que se converteu em lugar de passeio para as comunidades do Morro da Cruz que perderam sua praia em decorrência da construção dos aterros. Portanto, longe de serem os não-lugares proclamados pela sociologia contemporânea, os shoppings hoje em dia são um lugar de mistura social.

 

A mistura social a que remeto aqui não indica uma interação humana efetiva por parte de todas as classes, mas sugere, por isso, uma posição de resistência[13] por parte das classes mais baixas em frequentar tais lugares. Nesse sentido, apesar da destinação a pessoas de classes A e B, há a presença de corpos, em tese, improdutivos para aquele meio. A arquiteta, urbanista e professora Ermínia Maricato (2016), em sua explicação em vídeo[14] sobre espaço urbano, chama a atenção para os “rolezinhos”, nome dado à ação de jovens de classe baixa que visitam os shoppings dos bairros nobres. Tal ação, incômoda para quem busca justamente frequentar um espaço projetado para a homogeneidade, limpeza e segurança, em que as pessoas possam circular sem serem interpeladas em suas atividades, pode remontar àquilo que vimos chamando de resistência. Segundo a autora, em outro contexto:


[...] Grande parte da sociedade permanece sem direitos previstos na legislação. São ignorados, segregados e invisíveis apesar das dimensões dessa exclusão. Como essa espécie de apartheid não é clara e assumida, vive-se uma contradição, um faz de conta. Faz de conta que isso é uma democracia, faz de conta que a lei se aplica a todos da mesma forma, faz de conta que todos têm direitos iguais, como é o caso do direito à cidade. O que a prática dos rolezinhos tem de notável, fantástico, extraordinário mesmo, é o desnudamento dessa contradição. Quando os exilados urbanos decidem andar pela cidade, esse apartheid explode na cara da sociedade ainda que não seja essa a intenção da maior parte da moçada. Essa atitude questiona, profundamente, a sociedade que aprendeu a ser cínica (especialmente o “partido da mídia”) para esconder a incrível desigualdade de um país que não é pobre mas tem um povo pobre. (MARICATO, 2014, s/p).


 

Maricato (2016) atenta, contudo, para o fato de que embora haja a possibilidade de qualquer pessoa que não demonstre risco social ou desconforto ao ambiente comercial shopping a adentrar naquele ambiente, há pessoas que, diante da protuberância arquitetônica, entendem não poderem lá ingressar. Assim, podemos interpretar que os dispositivos de segurança de um shopping se dão tanto por sua projeção, pelos seguranças presentes, pelos olhares dos frequentadores e lojistas, bem como por câmeras instaladas por todos os lados, dando conta de monitorar todos os movimentos que se dão dentro daquele ambiente. Enfim, este espaço, como tantos outros presentes na cidade, é controlado tanto pelas velhas tecnologias quanto pelas novas.

 Saindo do espaço fechado que são os shoppings e galerias presentes no Centro da cidade, voltamos a percorrer novamente às ruas, as quais, além daqueles dispositivos já mencionados, também contam com câmeras 24 horas. Em Florianópolis, o projeto intitulado Floripa em Tempo Real, presente no site da Prefeitura Municipal, dispõe de imagens de treze câmeras. Em seu endereço eletrônico há apenas a seguinte menção: “Confira aqui a movimentação de pontos turísticos, praias e vias públicas da cidade”. Se, por um lado, o projeto anuncia tais câmeras como ‘monitoramento’ real das localidades, em que podem ser acompanhadas por turistas que queiram conhecer as ruas de Florianópolis, podemos acentuar que a estratégia governamental pode ser também a de vigília. Uma vigília, portanto, que não requer policiamento ou uma equipe de segurança disponível para verificar o que acontece nas treze câmeras durante 24 horas, mas um trabalho que pode ser feito por quaisquer cidadãos presentes em qualquer lugar do mundo, a qualquer horário do dia.

Algo que talvez seja relevante mencionar é a disposição dessas câmeras localizadas no Centro da Ilha de Santa Catarina. Quase todas são voltadas ao Mercado Público, local em tese público, mas de uso privado. São, ao todo, cinco câmeras voltadas ao Mercado, em todos os seus ângulos, e uma ao Largo da Alfândega. Nas menções abaixo das imagens de cada câmera há indicações do que as pessoas podem encontrar no local visualizado. No que diz respeito às câmeras lateral e interna, há os dizeres: “No Mercado Público temos como destaque os botecos com os petiscos e as bebidas que fazem do lugar o melhor happy hour da cidade. As boas pedidas são as porções de bolinho de bacalhau, ostras in natura e pastéis de camarão.”. No que concerne às câmeras voltadas à Rua Jerônimo Coelho, há a indicação: “O Mercado Público de Florianópolis conta com lojas de calçados, aviamentos, artesanato, hortifrutigranjeiros, cereais, bancas de peixes, camarões, lulas, polvos, ostras e o que mais o mar tem a oferecer.”. Na imagem da câmera voltada à Rua Conselheiro Mafra, há, no site, a seguinte menção: “Ponto central de comércio, alguns sobrados desta rua datam de 1800 e ostentam gradis de ferro forjado e sacadas trabalhadas, além de alguns adornos de louça e revestimentos em azulejo”. Por fim, o site anuncia a câmera do Largo da Alfândega, mencionando sua localização próxima ao Mercado Público e, chamando a atenção para o seu projeto de revitalização: “O projeto prevê espaços como deck com canteiros, bancos e espelhos d’água, além de uma cobertura metálica, que fará referência à renda de bilro. Além disso, haverá serviços como informações turísticas e banheiros públicos.”. Seguem, a seguir, imagens printadas de cada câmera em questão:

 


Figura 2 - Imagens de câmeras dispostas no entorno do Mercado Público de Florianópolis
Fonte: Floripa em tempo real (2019).

 

Ao visualizar tais imagens e ler as menções indicadas em cada uma delas, podemos, em breves recortes, inferir que o espaço interno e a lateral do Mercado (Imagem 1) são frequentados por pessoas mais elitizadas, enquanto as câmeras dispostas no entorno dele, como na Jerônimo Coelho – caminho para o Terminal Central de Florianópolis – há a presença da população de modo geral. Na Rua Conselheiro Mafra, por sua vez, podemos visualizar comerciantes informais e, por fim, no Largo da Alfândega, com o seu processo de revitalização, podemos refletir sobre um projeto que se versará, mais uma vez, aos turistas e classes A e B da cidade, em vez do povo [classe trabalhadora], de modo que se ocasione, pois, a famosa gentrificação. As menções sobre o que podemos encontrar em cada área do mercado e seu entorno, como ‘ostras in natura’, ‘bolinho de bacalhau’, ‘melhor happy hour da cidade’, auxiliam-nos a evidenciar que o local, embora público, seja orientado às classes mais abastadas e a determinados turistas.

Caberia, a partir de tais imagens, realizar análises mais consistentes que dessem conta de discutir a ocupação dos espaços e os dispositivos de controle materializados na construção arquitetônica e em outros dispositivos, mas, aqui, limito-me a apenas elucidar a presença do dispositivo câmera de segurança, com o propósito somente de exemplificar esse tipo de mecanismo presente na região central de Florianópolis.

Em primeiro momento, cabe assumirmos que tais câmeras são orientadas à promoção da cidade aos turistas, mas também podemos refletir sobre sua função de intimidar determinados passantes. Se, por um lado, ela parece discreta em sua materialidade, ao contrário da presença policial, por outro lado, ela parece incidir em uma polarização social, fomentando, pois, um processo virulento de aumento da fratura biopolítica que divide os incluídos dos excluídos (PAESE, 2006).

Nas palavras de Giorgio Agamben (2010a [1995], p.184),

 


"povo" carrega [...] desde sempre, em si, a fratura biopolítica fundamental. Ele é aquilo que não pode ser incluído no todo do qual faz parte, e não pode pertencer ao conjunto no qual já esta desde sempre incluído. Dai as contradições e as aporias as quais ele dá lugar toda vez que é evocado e posto em jogo na cena política. Ele é aquilo que já é desde sempre, e que deve, todavia, realizar-se; é a fonte pura de toda identidade, e deve, porém, continuamente redefinir-se e purificar-se através da exclusão, da língua, do sangue, do território.

 

Se os espaços públicos, com tecnologias biopolíticas, são compostos por dispositivos de disciplina e controle que, a princípio, parecem evitar intervenções explícitas diante da vida nua – como acontecia nas sociedades cujo poder predominante era o soberano –, ao pensarmos, entretanto, nos prédios públicos e condomínios de luxo, e depararmo-nos com o acesso controlado – portas eletrônicas, câmeras, alarmes e guardas bem equipados –, podemos conceber tais dispositivos como parte de uma arquitetura que serve antes para separar os corpos que merecem viver, dos corpos inúteis: da vida nua (AGAMBEN, 2010a [1995]), ou, conforme Butler (2016 [2009]), da vida precária. Celma Paese (2006, p. 54), discorre que “essa tem sido a trajetória da arquitetura: servindo ao espetáculo, exclui uma multidão de pessoas dos serviços básicos da cidadania.”.

No entanto, vale salientar que nos mesmos espaços em que há a anulação dos corpos matáveis, encontramos simultaneamente formas de ‘fazer viver’. Se as câmeras, os seguranças, as calçadas, a iluminação, academias ao ar livre e a própria polícia, tentam, nessa biopolítica do espaço urbano, cercear ou afastar o perigo, ela também busca capturar os seres dignos de vida. O funcionamento da biopolítica é, justamente, gerir corpos, em que de um lado, há recrudescimento da violência e, de outro, o acesso aos serviços e aos direitos sociais.

Nesse sentido, diante desses lados antagônicos presentes em um Estado em que só se sustenta pela biopolítica, deparamo-nos, como já elucidamos anteriormente, por tipos distintos de ‘resistências’. Roberto Espósito, ao citar Foucault, discorre:

 


“Onde há poder há resistência e [...], no entanto ou por isso mesmo, ela não está nunca em posição de exterioridade em relação ao poder”. Isso não significa, como logo esclarece, que a resistência seja desde sempre subjugada pelo poder a que parece contrapor-se, mas, antes, que o poder necessita de um ponto de confronto com o qual medir-se numa dialética sem resultado definitivo. É como se o poder, para se reforçar, devesse continuamente se dividir e lutar contra si mesmo. Ou produzir uma saliência que o arraste para onde não estava. Essa linha de fratura ou saliência é a própria vida. Ela é o lugar, e ao mesmo tempo sujeito e objeto, da resistência. (ESPOSITO, 2017, p. 50)


 

Dentro dessa situação agonística, parte das relações de poder dentro de uma sociedade biopolítica, há, no Centro de Florianópolis, os seres que merecem viver, e dão parte de sua liberdade pela segurança, a partir do medo que têm do outro – são os próprios lojistas, os consumidores e os residentes daquele bairro – e há os seres “não-capturáveis”, como os vendedores ambulantes e sujeitos em situação de rua, que buscam resistir no espaço urbano, dentro dessa corrida que os excluí. É no corpo que as ações técnicas de poder do Estado são sentidas (AREND, 2018) e dentro desse antagonismo, evidenciam-se os racismos presentes na biopolítica entre os vivíveis e os matáveis.

 


O racismo se forma nesse ponto (racismo em sua forma moderna, estatal, biologizante): toda uma política do povoamento, da família, do casamento, da educação, da hierarquização social, da propriedade, e uma longa série de intervenções permanentes ao nível do corpo, das condutas, da saúde, da vida, quotidiana, receberam então cor e justificação em função da preocupação mítica de proteger a pureza do sangue e fazer triunfar a raça. (FOUCAULT, 1988, p. 140).

 

Assim considerando, podemos ainda refletir brevemente sobre o lugar que ocupam os sujeitos em situação de rua, no Centro da cidade de Florianópolis, os quais, diante da racialização, resistem com fuga, com movimento e circulação, com ajuda do próprio Estado, em alguns aspectos, e auxilio de movimentos sociais. Resistem às normas por seus ‘contra-usos’, por sua permanência em espaços que, em tese, não seriam seus. De acordo com Pelbart (2015, p. 170), “seria preciso diminuir a luz do mundo, desligar os holofotes que iluminam as celebridades e os espetáculos planetários para enxergar tais vaga-lumes e suas bioluminescências” (PELBART, 2015, p. 170).

Os sujeitos em situação de rua costumam, durante o dia, circular em entornos mais afastados do comércio. Limitam seu acesso apenas às ruas que os levam a nenhum lugar, demonstrando, pois, circulação episódica e não uma imersão em diferentes esferas da atividade humana presentes no Centro da cidade. Restringem o uso de prédios públicos, de banheiros e o ingresso em lojas e galerias. O Centro, durante o dia e ao longo do ano, parece estar aberto a alguns na Praça XV ou em gramados ao longo dos corredores de avenidas, próximos ao sambódromo. Se for verão, os expulsam para outras cidades vizinhas. Quando com documentos identificadores, podem acessar o Centro-Pop, que oferece banho, cursos, consulta médica e refeições. Caso estejam sem documentos, restam a eles, as ruas mais afastadas, sem vigilância. Os documentos têm se tornado um instrumento panóptico para esses sujeitos que buscam por algum direito.

Entretanto, ao anoitecer, marcam presença em vários espaços, dentre eles: a fachadas de lojas e entradas de bancos privados. Por vezes, refugiam-se, em grupos, em lugares mais afastados da guarda municipal ou policial, pois é comum a violação dos direitos de existência desses sujeitos. Para se protegerem, guardam seus documentos dentro de suas próprias roupas do corpo, pois, em muitos casos, a violência se dá por roubarem seus pertences[15]. E os documentos, se, por um lado, são panópticos, também comportam-se como um dispositivo de resistência e segurança ao direito de viver e existir nos centros urbanos. O Centro da cidade, por fim, parece ‘abrir-se’ aos sujeitos sem propriedade, aos que vivem nas ruas, apenas quando as luzes se apagam e as lojas são fechadas, abrandando, assim os dispositivos de controle. Diante dessa microvisão cartográfica, podemos considerar que, na rotina desses sujeitos, os contra-usos parecem acontecer quando a não presença de pessoas “dignas de viver”.

Em contrapartida, quando a noite chega, o fato de estarem diante de qualquer possibilidade de violação – sugerindo estarem em um campo de concentração[16] longe dos holofotes –, para esses sujeitos ‘matáveis’, o dispositivo de segurança pode tornar-se instrumento de proteção e de certo auxílio, principalmente no que concerne às câmeras de vigilância. Estar nas ruas, é, portanto, uma forma de vida que está vulnerável à possibilidade de enquadramento (BUTLER, 2016 [2009]). Conforme Butler (2016 [2009], p. 23),


to be framed (ser enquadrado) é uma expressão complexa em inglês; um quadro pode ser emoldurado (fra­med), da mesma forma que um criminoso pode ser incriminado pela polícia (framed), ou outra pessoa inocente ( por alguém corrupto, com frequência a polícia), de modo que cair em uma armadilha ou ser incriminado falsa ou fraudulentamente com base em provas plantadas que, no fim das contas, “provam” a culpa da pessoa, pode significar framed. Quando um quadro é emoldurado, diversas maneiras de intervir ou ampliar a imagem podem estar em jogo.

 

Diante dessa definição, vale também considerar que, ao se mover no espaço e no tempo, há a possibilidade de enquadrar o enquadramento, questionar a moldura de tal modo que acabe gerando enquadramentos tais que possam se reproduzir, a fim de que promova – conforme a autora (2016 [2009]) – um horror e uma reação generalizados que clamem por justiça. Desse modo, os dispositivos de segurança e controle presentes nas ruas do Centro da cidade nos parece estar em um liame que ora se versam à tentativa de deixar que esses corpos precários morram e ora buscam recuperar tais corpos, a fim de que sejam aceitos socialmente e, por isso, sejam dignos de proteção. Conforme registrara Butler, na introdução de seu livro Quadros de Guerra, a condição precária leva tais sujeitos a recorrerem ao Estado em busca de proteção, mas é do próprio Estado que eles precisam ser protegidos.

 


Estar protegido da violência do Estado-Nação é estar exposto à violência exercida pelo Estado-Nação; assim, depender do Estado-Nação para a proteção contra a violência significa precisamente evocar uma violência potencial por outra. Deve haver, de fato, poucas alternativas. É claro que nem toda violência advém do Estado-Nação, mas são muito raros os casos contemporâneos de violência que não tenham nenhuma relação com essa forma política (BUTLER, 2016 [2009], p. 47).

 

Diante de tal contraposição, podemos novamente evocar Butler (2016 [2009]), a qual destaca que


a precariedade implica viver socialmente, isto é, o fato de que a vida de alguém está sempre, de alguma forma, nas mãos do outro. Isso significa estarmos expostos àqueles que conhecemos, mas também àqueles que não conhecemos, isto é, dependemos das pessoas que conhecemos, das que conhecemos superficialmente e das que desconhecemos totalmente.” (BUTLER, 2016 [2009], p. 31).

 

                E em se tratando, nesse caso, de pessoas que vivem nas ruas de Florianópolis, sabemos que eles estão em muitas mãos: menos nas mãos dos que conhecem, e mais nas mãos dos que ajudam com alimento, nas mãos dos que os denunciam, nas mãos violentas do Estado. O horror a tais pessoas não é, por fim, proveniente apenas do governo, mas da própria gente que os teme. Lopes da Silva (2009) registra que tais sujeitos são tratados como ameaça à comunidade. “As práticas higienistas, direcionadas para camuflar o fenômeno, mediante massacres, extermínios ou recolhimento forçado dessas pessoas das ruas, continuam presentes nos tempos atuais, nos grandes centros urbanos do País, até mesmo conduzidos por órgãos de Poder Público”. (LOPES SILVA, 2009, p. 120).

 

Considerações finais

 

            Refletir sobre o centro da cidade é se deparar com suas várias facetas, o espaço público representa o vínculo de um povo, de uma multidão organizada, de uma sociedade com a cidade e o indivíduo (GOMES, 2002). Ele “faz [...] a ponte direta entre a vida privada e vida pública, o citadino e a cidade – um espaço de relações entrecruzadas, de conteúdo material e simbólico” (POZZO, 2010, 212). Ele abarca, por isso, aqueles dignos de se inserirem em suas diversas opções de usufruto e consumo e aqueles dignos apenas de circularem pela cidade em esferas restritas. Ainda que os direitos sejam considerados pelo Estado como universais, os sujeitos marginalizados têm menos direitos que os sujeitos bem inseridos à norma do sistema, e no que concerne ao direito à cidade, não é diferente. (AREND, 2018).

 


A partir do momento em que essas populações situadas nas margens da sociedade são reduzidas ao estatuto de “vida nua”, elas deixam de ser pensadas como sujeitos de direito para passarem a ser pensadas exclusivamente como corpos vivos. Assim enquanto existem sujeitos que não são reconhecidos como cidadãos com direitos e deveres mas como pura e nua corporeidade, eles podem passar a ocupar esse espaço politicamente perigoso e ambíguo de uma “vida nua”. (CAPONI, 2004, p. 453).

 

            Falar da biopolítica do espaço urbano, neste caso, do Centro da cidade de Florianópolis, é adentrar em vielas de assuntos infinitos que vão sendo clamados por serem tematizados. Tentei, aqui, pincelar alguns aspectos que demonstrem os dispositivos de segurança daquele espaço, buscando, por isso, refletir sobre essa nossa sociedade disciplinar e de controle e compreender alguns dos diferentes dispositivos de segurança presentes no Centro da cidade de Florianópolis, com o propósito de questionar sobre as inúmeras implicações que eles têm tanto nas vidas dignas de serem vividas quanto nas vidas indignas de existir na ordem citadina.

Poderia, para percorrer tais avenidas, trazer outros conceitos da genealogia foucaultiana, ou ir além, trazendo, por exemplo, uma reflexão sobre necropolítica (MBEMBE, 2012), quando para tratar das vidas ‘desprovidas de sentido’. Mas, vale salientar que escrever um texto exige finalizações e recortes [ainda que nunca fechamentos]. Desse modo, embora com delimitações, prezei, pois, uma abertura para o assunto e, como mencionado no inicio deste texto, não utilizei corpus específicos que visassem trazer rigor à ‘análise’, mas, diante de meu olhar sobre o tema, busquei pontuar considerações que julgava relevantes. Tratar de biopolítica é adentrar em territórios comuns e interpretá-los sob outras lentes e enfoques. Na busca de fazê-lo de modo mais simples, acabei percorrendo ruas desconhecidas.

À parte dessas considerações, e na busca por um ponto final sobre as discussões aqui suscitadas, recorro ao que pontuara Agamben (2010a [1995], p. 186), em Homo Sacer: “somente uma política que sabe fazer as contas com a cisão biopolítica fundamental do Ocidente pode refrear esta oscilação e por fim à guerra civil que divide os povos e as cidades da terra”. Não sabemos quando essa política surgirá (e se surgirá), mas, enquanto ciência, a reflexão/ação sobre questões que envolvam esta realidade é fundamentalmente necessária.

 

REFERÊNCIAS

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Data de Recebimento: 24/07/2019
Data de Aprovação: 16/10/2019

 

 

[1] “O Google Street View é um serviço de mapeamento fotográfico de ruas [...]. As imagens digitais são feitas por câmeras especiais [...]. O equipamento captura e faz corresponder imagens a um local específico através de dispositivos GPS. [...]. Uma vez capturadas as imagens, estas são ‘costuradas’ umas às outras para criar uma panorâmica de 360°. Após o processamento das imagens, Google aplica uma ferramenta que desfoca os rostos dos transeuntes e as matrículas de automóveis que apareçam nas fotografias.” (SOARES, 2011, p. 11).

[2] Ao longo deste texto, opto por manter a alternância entre sociedade disciplinar e de controle, bem como dispositivos de disciplina e controle.

[3] Abrirei posteriormente este “conceito”.

[4] Caminhar, aqui, não no sentido linear de progressão que a palavra comporta, mas de mudança nas tecnologias de vigilância e controle.

[5] Como estudante da área da Linguagem, compreendo minhas limitações sobre as reflexões que fazem parte de discussões sobre o urbano. Desse modo, limito-me a suscitar reflexões com o propósito somente de indagação e não de fechamento de ideias ou conclusões precipitadas sobre tal tema.

[6] A destruição a que aludo aqui não se refere aos moldes do poder soberano, no sentido lato do termo, mas a uma destruição ‘branda’ (se é que possa existir) da vida nua (AGAMBEN, 2002 [1995]), com aspectos ‘leves’ de dispositivos panópticos pouco perceptíveis, afinal, como destacara Foucault (1978, p. 167) ao se referir a Bentham, o controle disciplinar pode existir sem grades e correntes ou sem fechaduras pesadas, mas com separações nítidas e aberturas definidas.

 

[8] Nome mais tragável para o que podemos denominar por gentrificação. Vale acentuar que ao longo deste texto, utilizarei a alternância entre os conceitos: revitalização, requalificação, reforma e gentrificação. Compreendo que há diferenças bastante expressivas entre tais usos no que compete a estudos sobre o urbano, mas, como está fora de meu escopo de pesquisa, isento-me em realizar tal distinção.

[9] Conceito que define um objetivo a ser atingido em uma cidade que almeja crescer no sentido econômico, visando lucro tanto para pequenos empreendedores quanto a nível de competição global. A valoração positiva dada à gentrificação escamoteia outros interesses que podem ser contrários e vir a prejudicar as políticas urbanas, como a expulsão de pessoas mais pobres dos locais em que há, por exemplo, um processo de revitalização. (FONSECA, 2015).

[10] Caracterizada por ser uma rua comercial com diversas lojas e serviços diversificados. Nos prédios há a existência de atividade de profissionais liberais e também residências fixas de moradores. É marcada na rua a presença de construções do período anterior à modernização da cidade e prédios de construção recente, demonstrando suas rugosidades.

[11] Notícia sobre moradores de rua presentes na Vidal Ramos gera comoção pela Vidal e não por quem vive na rua – Ver: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/mario-motta/a-triste-imagem-dos-moradores-de-rua-na-vidal.

Notícia sobre a rua Vidal Ramos e sua vigilância – Ver: https://www.seventh.com.br/case-do-mes/rua-vidal-ramos-a-primeira-smart-street-de-florianopolis?lang=pb.

[12] Ver Pozzo(2010).

[13] Refiro-me à resistência no sentido foucaultiano e não a uma resistência consciente a que os movimentos sociais de esquerda costumam adotar.

[14] Vídeo: Tão perto, tão longe. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=z75m-Z5lJU4 >. Último acesso em: 30 de jan. de 2019.

 

[15] Alano (2017).

[16] Para Agamben (2002 [1995]), “o campo de concentração é o espaço de politização da vida enquanto mera vida nua entregue ao sacrifício, isto é, enquanto vida sagrada, matável, supérflua, descartável. Campo de concentração é, portanto, todo espaço de exceção que escapa ao direito formal constituído, muito embora não seja fruto da pura exterioridade em relação ao direito. Por isso, aqueles que são aprisionados nos campos são incluídos no direito por meio de sua própria exclusão do direito. Se os campos de concentração são espaços nos quais o direito só vale na medida em que instaura a exclusão da vida para além do direito por meio do direito, então aqueles que aí são capturados não podem argumentar contra a ilegalidade que sofrem: os campos são realidades nas quais fato e direito se confundem, nas quais os fatos criam direito e o direito cria os fatos, de modo que ali ‘tudo é possível’, como afirmou Hannah Arendt em sua investigação dos campos de extermínio do totalitarismo nazista.” (DUARTE, 2007, p. 60).