Cidade, afeto e ocupações: ou a transfiguração do espaço público no Brasil contemporâneo


resumo resumo

Raquel Paiva
Marcello Gabbay



1. Cidade, cultura e produção do comum

Há um debate muito interessante entre dois teóricos italianos sobre o lugar da expressão artística nos tempos atuais. Mario Perniola argumentava que o “o espectador deveria sempre ser capaz de julgar o que assiste, sem se abandonar à ilusão” ao que Gianni Vattimo contrapôs com o argumento de que “a verdade possível da arte consiste em apresentar uma alternativa ao mundo real, é neste sentido que a chamo de ilusão” (VATTIMO, 1990, p. 54-59). É sobre este embate atávico do papel da arte no quotidiano das cidades que trafega este texto, onde pretendemos discutir o lugar fundamental da produção cultural e sua capacidade de consolidar ideais e construir cidadãos.

A extinção do Ministério da Cultura pelo governo interino de Michel Temer, no dia 12 de maio de 2016, provocou as mais diversas reações no seio da sociedade brasileira. Criado em 1985, o Minc conseguiu, bem ou mal, estabelecer um processo de fomento a produção cultural autônoma. O objetivo era dar vazão às práticas deixadas de fora pela lógica produtivista do mercado, o que se deu graças a adoção da dita “visão antropológica da cultura”. Vale ressaltar que tal visão não repousa numa trincheira acadêmico-científica (uma vez que a questão cabe mais a um olhar transdisciplinar e prático), muito menos na estruturação mercantil da cultura. Política cultural, como afirma Barbalho deve dar conta do “trânsito de propostas, conceitos, representações e imaginários que cruzam o campo cultural e que, muitas vezes, não se concretizam em ações práticas” (2008, p. 21-22), mas também na formação de pensamentos vivos, em movimento.

Esta visão ajudou a criar projetos como os Pontos de Cultura, cujo objetivo era promover a criação e sustentação de polos de produção de saberes e práticas culturais descentralizados, nos interiores do Brasil. O termo cultura deveria então dar conta da compreensão e estruturação de práticas, conhecimentos e rituais de toda ordem, que ajudassem a manter vivas as formas diversas da vida brasileira. Entende-se a questão não como a produção estrita de espetáculo e entretenimento, mas como processos de identificação e produção de vínculo.

Setores mais conservadores da sociedade brasileira engrossaram o coro daqueles que veem a cultura como supérfluo, como apêndice da vida econômica e política. Por outro lado, movimentos organizados ligados a ONGs, ocupações, Pontos de Cultura e demais organismos autônomos lamentaram mais do que a extinção do Ministério, a evidência de que este setor ainda seja visto como secundário na construção da cidadania, e da vida nas cidades.

Entender a cultura como processo vivo é entender a cidade e a cidadania como processes abertos e alocados no cotidiano. A política cultural adequada deveria dar conta do entendimento das práticas vindas de baixo, das formas de produção de linguagem, saberes, ocupações dos espaços públicos e dos vínculos sociais enfim. A onda de construção de espaços socioeducativos nos anos 1980, que deu vazão a instituições como os CEU (Centro Educacional Unificado), os Centros Culturais, e demais espaços consagrados a cultura; acabou se transfigurando hoje em políticas necessárias para outra forma de produção da cultura popular: as ocupações. Verificamos que os espaços fechados e estruturados não conseguem comportar a forma mais evidente de produção de vínculo, que se dá a céu aberto, nas praças, parques, ruas, viadutos e prédios abandonados. A cultura se produz para fora dos muros, nas ruas, no espaço propriamente citadino.

É o movimento contrário à sacralização das cidades promovido pelos governos mais conservadores. Para Foucault existe, desde a Idade Média, uma persistência em hierarquizar os espaços, mas que atualmente toma forma através do que classifica como “posicionamento”, determinado pelo conjunto de relações sociais que permeiam a ocupação da cidade e a formação dos espaços, estes, ainda movidos por uma “secreta sacralização” (2001, p. 412-414). Ainda para o autor:

(...) talvez não tenhamos ainda chegado a uma dessacralização prática do espaço. E talvez nossa vida ainda seja comandada por um certo número de oposições nas quais não se pode tocar, as quais a instituição e a prática ainda não ousaram atacar (FOUCAULT, 2001: 414).

É o caso de Belém do Pará, que, ao logo das últimas quatro décadas, vem sofrendo os excessos de uma visão patrimonialista por parte dos sucessivos governos conservadores. A construção de espaços cercados, a mumificação das praças públicas e, recentemente, a privatização de territórios culturais, são parte de um projeto que aparta a cultura da cidade de seu próprio espaço. Na década de 1980, o polêmico caso do Teatro Experimental Waldemar Henrique, que foi arrendado pelo Governo do Estado para uma agência de turismo particular, e desalojou grupos de teatro que ali mantinham um palco privilegiado, é apenas um exemplo das políticas que, desde então vêm sendo cunhadas sem a participação da sociedade e da cidade. O caso terminou com um ato simbólico de “cusparada” promovido pela classe artística por ocasião da inauguração da agência de turismo com a presença do então Governador Almir Gabriel, e com a detenção de lideranças do movimento.

Por outro lado, a atual onda de restaurações por que passam as principais cidades brasileiras (especialmente aquelas consideradas históricas – é o caso do Rio de Janeiro no contexto dos grandes eventos esportivos de 2014 e 2016), se presta, segundo a ótica de Henri-Pierre Jeudy (apud PAIVA & SODRÉ, 2004, p. 95-96), a “uma ilusão puramente moralista”, que busca a recuperação de uma realidade espaço-temporal idealizada num momento histórico passado. Acreditamos ainda que todo memorialismo arquitetônico faz parte de um processo ideológico relacionado à “argumentação culturalista” em busca de um “passado idealizado”; o objetivo é menos romântico do que econômico e ideológico, uma vez que visa propiciar modos de exploração do “mito de origem” através do turismo e da especulação imobiliária, e colaborar para a perpetuação de uma moral cultural das elites. Este processo culturalista denominado “gentrificação” tem na grande mídia “um dispositivo poderoso” através da patrimonialização de um estilo de vida considerado in, que atua através dos produtos de cultura-entretenimento (PAIVA & SODRÉ, 2004, p. 85- 89).

O que se apresenta pungente é a necessidade de reconstruir a forma como se produzem os vínculos culturais e afetivos com a cidade; que cada vez mais vêm da base da sociedade e de suas formas inventivas de ocupação dos espaços públicos. A cidade é um espaço vivo de vinculação, e deve, portanto, ser vista sob um viés cada vez mais humano.


2. A cidade como espaço de vinculação

A relação dos moradores com sua cidade se dá de forma variada. Durán (2008, p. 81-84) identifica um processo que é ao mesmo tempo cognoscitivo e afetivo, onde o último apresenta formas mais intensas e heterogêneas. As diversas formas de produção de vínculo com a cidade incluem a “identificação espacial”, quando o morador sente que sua vida está inserida no lugar em que habita, para além das identificações puramente administrativas. Assim, o sujeito pode se identificar com o espaço por ele construído no imaginário, qual seja o bairro, a rua, o terreiro, a quadra, onde transitam vínculos regionais, nacionais, internacionais e culturais. Trata-se de uma identificação cujo cimento são os afetos e o imaginário. Deste tipo de vínculo surgem formas criativas de comunicação e construção do comum.

Por sua vez, Hillman (1993, p. 7-27) sugere a cidade como espaço psíquico, graças à produção de uma cadeia de afetos coletivamente sustentados. Isto significa que é preciso reconhecer na vida urbana processos de repressão da anima, antes negligenciados até mesmo pelos movimentos de resistência. É preciso resgatar e compreender como se estabelecem as relações psico-afetivas com a cidade, suas construções, espaços, cheiros e sons. A superurbanização, o caos, a violência e a poluição sonora provocam doenças psíquicas naqueles que habitam a cidade (HILLMAN, 1993, p. 37-42), apartam, deprimem e desestruturam a produção do comum; que vai necessitar da invenção ou recuperação de espaços propícios ao encontro, à troca de olhares e ao contato de corpos. Basta lembrarmos dos grandes mercados, que vão do Grand Bazaar de Istambul, ao Ver-o-peso de Belém, para saber que as cidades não funcionam apenas sob um propósito econômico e político, mas principalmente sob uma ordem cultural, psicológica e afetiva: a produção do comum.

Segundo Sodré (2014, p. 191-196), as formas criativas de produção do comum transcendem a dimensão antropomórfica única que vê este fenômeno apenas como um procedimento racional e consciente, rumo à ideia mais nuclear de relação e vínculo; que deixa de ser incorporada apenas à produção sistematizada da empresa midiática.

A comunicação não será então um processo a posteriori da linguagem, mas um exercício relacional, ligado aos afetos, ao amor, ao ódio, à piedade e à cólera, conforme nos revela Rousseau (2008, p. 104) em seu estudo sobre a origem das línguas; é capaz de se estabelecer sobre diversas formas e repertórios de expressão; capaz, portanto, de formular e reformular linguagens. Trata-se então de um exercício de imposição de racionalidades alternativas, de linguagens e meios expressivos próprios.

Isso tudo faz parte de entendimento da comunicação por via da metáfora ecológica. Sodré (2014, p. 245) define a produção ecológica da comunicação a partir da neurolinguística como a conjuntura dos níveis ambiental, comportamental, de recursos, de crenças e valores e identitário. Esta perspectiva está ligada a mais recente noção de imaginário, como afirma o autor:

O que antes pensadores e poetas chamavam de imaginário é agora, graças aos recursos da informática, a matéria corrente de um fluxo informacional capaz de produzir infinitamente formas sonoras, visuais, táteis, sem que o resultado possa ser concebido como outro termo ou outra margem, separada do real (SODRÉ, 2014, p. 249).

O imaginário, ainda que investido “de uma caução racionalista”, guarda aspectos da experiência vinculativa do re-ligare, apropriados pela mídia que, mais do que um instrumento de biopolítica, se configura hoje “conectada a um novo tipo de gestão da vida dos indivíduos pelas forças transnacionais do mercado e, implicitamente, a uma política entendida como ‘dar forma à vida do povo’”, cujo impulso é o de produção de uma ecologia e da captação da energia psíquica e afetiva originárias da vida cotidiana (SODRÉ, 2014, p. 250-251).

Daí a existência hoje de um grave conflito entre as visões governamental e privada em relação aos desejos da sociedade quanto ao uso dos espaços públicos. São vários os casos recentes que comprovam esta danosa distorção. É o caso do Parque Augusta, no centro de São Paulo, que desde o início do século XX vem sendo vilipendiado pelos arrendadores privados, ainda que seu terreno ocupe legalmente uma área pública. Aprovada a Lei 15.941, de 2013, que transformaria o espaço e um Parque Municipal, teve início uma infindável briga entre o Movimento Parque Augusta Sem Prédios e as empreiteiras interessadas em especular o terreno para a construção civil. Graças às mobilizações – convocadas pelas redes sociais, e pautadas por ocupações artísticas – o Ministério Púbico de São Paulo passou a acompanhar o caso e decidiu pela reintegração do terreno para a criação do Parque aberto ao público[1].

Não tiveram a mesma felicidade os órgãos de cultura do Estado do Pará, o Centur, o Instituto de Artes do Pará e a Fundação Curro Velho, extintos em dezembro de 2014 à revelia de intensa manifestação da classe artística e pedagógica nas redes sociais. Em fevereiro de 2016, a Casa de Cultura Mário Quintana, no centro de Porto Alegre, foi fechada temporariamente por falta de segurança. Mantida pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado, a CCMQ devia cerca de 900 mil Reais à empresa de segurança[2].

Pior é quando os poderes públicos não apenas negligenciam os espaços de produção de cultura e resistência, que bem ou mal vêm se mantendo legítimos na cidade – mas os boicota e invisibiliza. É o caso do Teatro Cuíra, também em Belém, que depois de quase uma década fechou as portas devido ao sucateamento da zona central onde estava sediado. O Teatro autônomo atendia a grupos locais e promovia ações de inclusão junto ao Gempac (Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará). Seu endereço no centro comercial da cidade foi sendo sucateado pela Prefeitura, chegando a ter o fornecimento de água cortado sem motivos em meio à temporada de espetáculos. Os órgãos públicos fizeram vista grossa também ao depósito irregular de lixo feito por uma loja varejista na rua lateral do Cuíra, onde também se formava uma cracolândia com a anuência da Polícia Militar.

Também em Belém, a Batalha da Dorothy, um espaço aberto para rimadores de hip hop no Mercado de São Braz, foi sequencialmente rechaçada pela Polícia, até se reinstalar no bairro da Marambaia, periferia da cidade. O caso fez lembrar a forma como a Lei de Costumes e Condutas da cidade no século XIX coagia rodas de batuques, consideraras perigosas e permissivas.

São inúmeros os casos de conflito entre as ocupações da cidade e a “ordem” estabelecida pelas entidades ligadas aos governos e ao mercado. Porém, as novas formas de ocupação da cidade que vemos se deflagrarem de norte a sul do país apontam para uma transfiguração das políticas culturais e de promoção da cidadania, onde o protagonismo não está mais nas mãos da intelligentsia acadêmica e muito menos do Estado, mas na intelectualidade de base.


3. Ocupação da cidade: diferentes olhares, diferentes culturas, diferentes espaços.

Os processos de ocupação dos espaços públicos por parte de coletivos respondem à privatização das cidades. Um modelo norte-americano de (sub)urbanização impõe-se através da construção de uma “cidade orientada para o carro” (CAIAFA, 2007, p. 23), a cidade global, onde os condomínios, shopping centers, vallets, fast foods e centros comerciais passam a compor uma espécie de espaço asséptico, monitorado por câmeras de segurança, satélites, GPS, e redes de cartão de crédito. Para Caiafa “a primeira vítima da cidade privatizada é a alteridade” (2007, p. 23-25), e a ocupação da cidade torna-se o “lugar” de uma possível “força criadora” que reverta de alguma forma os processos de individualização e privatização vigentes.

María-Ángeles Durán (2008, p. 80) nos recorda que cidadão é todo aquele que não só detém direitos políticos, mas que os exerce, intervindo no governo de seu país ou território. Assim, a cidadania só se realiza na possibilidade de participação ativa na vida política e social, que vai muito além do simples direito ao voto. É daí que emergem os coletivos para representação de diversas categorias, que vão desde pessoas com dificuldade de mobilidade, idosos, imigrantes, moradores de rua, até artistas, estudantes e categorias profissionais variadas. Esses coletivos têm o papel de identificar e legitimar – por diversas vias – os verdadeiros problemas da cidade e as formas de solucioná-los; o que acontece no contato cara a cara, como saliente a autora (DURÁN, 2008, p. 84-85). Os espaços de co-presença são mais comuns nas pequenas cidades, mas começam a se produzir por necessidade nas grandes metrópoles também. A autora ainda saliente a potência, ainda que fragmentária, das formas ocupação da cidade:

Aunque por diferencia de poder las actuaciones de la ciudad sean más influyentes, las actuaciones de los individuos hacia la ciudad son más numerosas. En cierto modo estas relaciones fragmentarias, con escasa capacidad de influencia tomadas de una en una, son en su conjunto poderosísimas y contribuyen de hecho a recrear la ciudad, a darle forma y sentido (DURÁN, 2008, p. 81).

Assim, ocupar a cidade é apropriar-se dos meios de contato já estabelecidos e reordenar as relações com seus espaços. A verdadeira “cidade” está nas ruas.

Foi o caso das ocupações das escolas estaduais em São Paulo, detonada no dia 10 de novembro de 2015, na Escola Fernão Dias, em Pinheiros, movimento que resultou na ocupação de cerca de 100 escolas no Estado, organizado por estudantes mobilizados pelas redes sociais e amparados por uma junta de advogados, profissionais da educação, artistas e pais. A reivindicação do movimento era a participação no projeto de reorganização promovido pelo Governo, que desalojaria várias unidades destinadas ao ensino público. A interferência de um ente social considerado menos ativo – os estudantes – em esferas estritas da política institucional ganhou força, é claro, graças ao envolvimento do midialivrismo, das redes sociais e da assessoria jurídica prestada muitas vezes de forma voluntária; mas não é de se negligenciar o efeito cultural deste acontecimento, que revela uma maior permeabilidade entre vida política e a sociedade de base. O desfecho temporário do caso, que fez recuar a decisão do Governo, aponta um dado: o que acontece no cotidiano e na vida interior da sociedade pode transfigurar a vida político-institucional.

É claro que há um esforço constante de marginalização destas inciativas de base. As comunidades de afeto que aglutinavam artistas e promoviam contatos acabaram caminhando para a formação de guetos e redutos. O caráter marginal, comumente atribuído a estes grupos denota, por um lado, a forma como são apartados da vida “oficial” da cidade; mas aponta, por outro, que existem carências materiais e psicológicas a serem sanadas para que surja o sentimento de pertencimento necessário ao movimento próprio da cidade (DURÁN, 2008, p. 96-97).

Pertencer significa então criar laços, sentir-se partícipe, ocupar com naturalidade os espaços, sentir-se em casa. O aspecto sensorial da vida nas cidades aparece como mais uma necessidade de pertencimento negligenciada pelos poderes públicos. Cidades de clima quente e úmido, como Belém, Manaus, Boa Vista, Macapá, ensejam práticas ao ar livre, determinado um tipo de vestimenta, ou menor quantidade de roupas, apropriação dos rios e orlas; que no caso destas capitais amazônicas foram privatizados pelos portos de exportação. A capital do Pará, construída de costas para a baía do Guajará, se tornou uma ilha de calor; tornando considerável frequência aos shoppings refrigerados com ar condicionado. Recentemente, eventos como o Circular Campina Cidade Velha, organizado por um coletivo de artistas de teatro, música e performance, vem promovendo a ocupação itinerante do bairro histórico da cidade, largado à própria sorte pelos governos municipal e estadual.

O evento chama à circulação a pé, recuperando experiências que incluem os odores da cidade – o cheiro úmido da vegetação das praças, do café na porta das casas – e a “paisagem sonora”, que compõe a identidade cultural de um território (SCHAFFER, 2011, p. 72-135), resgatando o canto dos sabiás misturado ao vento que anuncia a chuva, aos “convercês” nas ruas, e às aparelhagens sonoras da periferia. São características da vida em movimento o bullicio tratado por Durán (2008, p. 114). Afirma a autora: “El sonido, junto al color, transforma la ciudad, se apodera de ella. Borra cualquier otro signo durante el tiempo que dura e impone sin resistencia el reino de su sentido” (DURÁN, 2008, p. 116).

A Casa do Neuber, em Boa Vista, capital de Roraima, é outro exemplo da produção de espaços autônomos que respondem a ausência do Estado e do setor privado empresarial. Descendente do movimento Roraimeira, que nos anos 1980 reuniu três compositores locais na produção de shows e discos independentes, o espaço sediado nos jardins da residência do compositor Neuber Uchoa funciona, desde 2012, de forma independente promovendo a cultura sonora, poética e literária da fronteira-norte do nosso país.

Em todas estas experiência encontramos a marca da cultura como uma vivencia intrínseca à vida quotidiana e que denotam aquilo que na década de 80 o teórico italiano Umberto Eco (1984: p.213) definia como sendo o caráter coletivo do evento cultural: a necessidade do “ficar juntos”, da vinculação. Na medida em que se interpõem forças e se realizam tentativas para impedir essa vivencia de fazer coletivos é de se esperar o retorno a cultura do espetáculo, aquela destinada a criar públicos amestrados e apáticos, meros consumidores da narrativa ditatorial.


Referências bibliográficas

BARBALHO, Alexandre. Textos Nômades: política, cultura e mídia. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2008.

CAIAFA, Janice. Aventura das cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2007.

DURÁN, María-Ángeles. La Ciudad Compartida: conocimiento, afecto y uso. Santiago de Chile: Ediciones Sur, 2008.

ECO, Umberto. A viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984

FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos, vol. 3. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

HILLMAN, James. Cidade e Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.

PAIVA, Raquel e SODRÉ, Muniz. Cidade dos artistas: cartografia da televisão e da fama no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.

PAIVA, Raquel. Novas Formas de Comunitarismo no Cenário da Visibilidade Total: a comunidade do afeto. In: Revista Matrizes, v. 6. São Paulo: USP, 2012.

PAIVA, Raquel e TUZZO, Simone (orgs.). Comunidade, mídia e cidade: possibilidades comunitárias na cidade de hoje. Goiânia: FIC/UFG, 2014.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. Campinas: EdUnicamp, 2008.

SCHAFER, Murray. A afinação do mundo. São Paulo: EdUnesp, 2011.

SODRÉ, Muniz. A ciência do comum: notas para o método comunicacional. Petrópolis: Vozes, 2014.

VATTIMO, Gianni. Filosofia al presente. Milano, Garzanti, 1990.


Data de Recebimento: 18/10/2017
Data de Aprovação: 28/11/2017



[1] . http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1766506-ministerio-publico-pede-devolucao-do-parque-augusta-a-prefeitura.shtml

[2] http://www.sul21.com.br/jornal/casa-de-cultura-mario-quintana-e-fechada-por-falta-de-seguranca/