Apresentação Dossiê

Dossiê 30 anos de Rua

 

 

Claudia Castellanos Pfeiffer[1]

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0331-9626

Eni Puccinelli Orlandi[2]

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8254-5212

 

 

 

Honra, alegria, satisfação e admiração se entrelaçam nessa nossa apresentação de um dossiê organizado para celebrar os 30 anos da revista Rua, um periódico que tem participação histórica nas políticas editoriais brasileiras que incidem em políticas científicas e institucionais. Rua abriu paisagens inovadoras ao propor um instrumento editorial em que produção de sentidos, de sujeitos e de espaços, divididos e sob relações de força desiguais, ganhassem um lugar privilegiado de análise. Desde seu primeiro lançamento, em 1995, ainda no formato de revista impressa, as disputas e os efeitos dessas disputas de língua(s), sobre língua(s), de sujeitos dessa(s) língua(s), fosse em suas práticas linguageiras, fosse em suas práticas científicas, ganharam espaço para se fazerem vistos por meio de autorias provenientes de múltiplos espaços disciplinares e teóricos que têm em comum sua posição de que simbólico, político e ideológico são indissociáveis.

Rua abriu horizontes nas políticas editoriais também ao colocar lado a lado a arte, a ciência e a divulgação sobre produções acadêmicas. Sob a forma quadricular da versão impressa fora do usual, com uma capa sensacional de João Batista da Costa Aguiar, sua marca registrada que a acompanha na versão eletrônica, a revista Rua propõe, desde seu início, três seções: Estudos, Artes, Notícias e Resenhas. Desse modo, o periódico reúne artigos, produções artísticas e resenhas de obras que tratem de práticas que significam nos múltiplos espaços do político, do científico e do urbano.

O Dossiê 30 anos de Rua é aberto pelo artigo Origem das línguas e suas implicações de Eni Puccinelli Orlandi no qual a autora, a partir da relação entre ciência e representação, coloca a ver sentidos e tensões em torno de discursos sobre a origem das línguas no Brasil, um país de colonização cuja história demanda usar o plural: origens da língua. Em seguida, temos o artigo de Freda Indursky, Torções discursivas como formas contemporâneas de simulação e manipulação política, no qual a autora nos mostra sua análise sobre o modo de fazer política atualmente, por meio de diferentes formas de torções discursivas praticadas no jornalismo político da grande mídia e em fake news midiáticas. Por sua vez, em Chico Mendes em meio ao mal-estar amazônico, de Bethania Mariani, temos três eixos de discussão em torno da constituição da memória discursiva e a questão político-ambiental da Amazônia: o modo como a Amazônia é denominada; a conceituação do termo ‘pequenos tesouros significantes’; e um breve gesto de análise visando compreender a violência que se volta sobre a estátua de Chico Mendes. Maria Onice Payer, no artigo Migrar em multidão, identificar-se em sujeito – Condições de produção e práticas linguageiras no espaço das migrações, apresenta uma contribuição sobre as condições sócio-históricas da produção das migrações em massa e sobre os processos de significação que atravessam os sujeitos, tomando a migração como um processo social que necessita ser considerado em seu espaço e em sua ordem próprios, assim como o processo de identificações simbólicas dos sujeitos na experiência de migrar. Em Revisitando os 30 anos da revista Rua, de Maria Cristina Leandro Ferreira, temos uma articulação saborosa entre a trajetória de 30 anos da Revista e o percurso acadêmico e intelectual da autora, retomando, dentre outros marcos, desdobramentos teóricos das categorias de corpo, imagem e equívoco, dando a ver a historicidade do saber discursivo e a vitalidade de uma teoria que articula linguagem, sujeito e ideologia como dimensões indissociáveis da produção de sentidos. De seu lado, no artigo Corpo-Imagem na escritoralidade em tempos de conteúdo sintético, Nádia Maffi Neckel e Solange Leda Gallo analisam dois tipos diferentes de materiais que tensionam o que elas fazem jogar entre corpo-imagem e imagem-corpo, levando em consideração normatizações automáticas de uma inteligência artificial nas projeções algorítmicas, fazendo ver que, mesmo no espaço enunciativo informatizado e nos efeitos de uma imagem-corpo, o sujeito é mobilizado pelo sensível e percebido como corpo-imagem-corpo. Telma Domingues da Silva, também olhando para o corpo, em seu artigo Língua no corpo-a-corpo – e mais além dos limites da vida, propõe compreender o objeto artístico em sua produção contemporânea e uma memória feminina a partir da arte, tomando a performance da body art e nela a presença do corpo, um corpo feminino. Em O político e a partilha do real – a propósito do manifesto da Guerra dos Farrapos, Eduardo Guimarães reflete sobre como se configura nesse manifesto o não pertencimento de parte de um povo pela partilha do real que nela se significa, analisando a constituição da cena enunciativa do texto, relações de argumentação constituídas nesta cena e a designação de povo. Observando também as divisões no social, Pedro de Souza e Dante Salles, no artigo Da janela do hospício: um vago olhar encontra outros na paisagem urbana, refletem acerca da possibilidade de a loucura torna-se livremente exposta na paisagem urbana, levando em conta o que diz um louco sujeito sobre sua experiência dentro de um hospício, tomando como objeto de análise discursiva a escrita da obra O Hospício é deus, de Maura Lopes Cançado. De seu lado, também recortando a paisagem urbana, Luiz Francisco Dias, em Redes enunciativas em espaços urbanos, analisa enunciados inscritos em fachadas urbanas – formações nominais em placas de identificação, advertência e comércio – mostrando como essas formulações se constituem como texto e dispositivo de poder, em que linguagem, memória e circulação se entrelaçam. Ainda se ancorando nas divisões no social, Claudia Pfeiffer e Mariza Vieira da Silva, em Espaços e sujeitos divididos – tensões, contradições, deslocamentos, trazem um olhar situado no social que se redivide continuamente na imbricação do simbólico, do histórico e do político, a partir de análises de diferentes textualidades que praticam esse social, que se inscrevem nesse social. De seu lado, Vanise Medeiros e Gesualda Rasia, em Trabalho análogo à escravidão: o equívoco na adjetivação, se debruçam sobre o funcionamento discursivo do enunciado trabalho análogo à escravidão, cotejando a ausência e a presença do sintagma trabalho escravo em dois dicionários distintos, respectivamente, o Houaiss e o Dicionário de Favelas Marielle Franco. Também dentro do discurso lexicográfico, flagrando o urbano na observação de inscrições da história no gesto de formulação dicionarística, José Horta Nunes, no artigo Aires da Mata: autoria lexicográfica, cidade e história, analisa o Dicionário Didático e Popular da Língua Portuguesa, de Aires da Mata Machado Filho (1965), por meio de um corpus de obras do autor. Em Uma rampa e uma faixa: da produção de sentidos sobre a pessoa com deficiência na posse presidencial, Jéssica Thiana Vilarinda Borges e Maraisa Lopes lançam seu olhar para a produção de sentidos acerca da pessoa com deficiência em publicações que circularam na esfera midiática acerca da transmissão da faixa presidencial pela sociedade civil. E, fechando nosso Dossiê, somos brindadas pelo artigo Ousadia e multiplicidade: 30 anos na e da revista Rua, de Verli Petri e Taís da Silva Martins, em que as autoras se propõem a contar um pouco da trajetória da Rua (formato, formação dos autores, política editorial, entre outros), da qual emerge uma discussão sobre circulação, divulgação e socialização do conhecimento, mostrando que a revista é um espaço profícuo para discussões e reflexões sobre o urbano e a linguagem que extrapola o fazer científico de linguistas e analistas de discurso ao propiciar que, a partir de uma temática específica, o urbano, pesquisadores de diversas áreas do conhecimento adentrem no campo da linguagem.

Agradecemos a todo o conjunto de colegas que nos agraciou com sua presença forte e sensível que faz ecoar as escutas proporcionadas por cada gesto de análise, por cada rememorar, por cada formulação preciosa.

Um brinde à Rua e a todas as pessoas que fazem essa revista se manter atual e relevante: equipe editorial, pareceristas, autores e leitores!.

 

 

[1] Doutora em Linguística pela Unicamp, pesquisadora (PqA) no Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp. Analista de Discurso, atua nas áreas Saber Urbano e Linguagem, História das Ideias Linguísticas e Divulgação Científica. E-mail: claupfe@gmail.com.

[2] Unicamp/Unemat/CNPq. E-mail: enip@uol.com.br





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