Ao analisar a palavra rua e derivados em dicionários de língua portuguesa, notamos um percurso histórico na significação do espaço urbano. A palavra “rua” está ligada ao aparecimento das cidades. Proveniente do latim “ruga”, que designava uma marca no corpo, este termo passou a nomear o espaço citadino construído pelo homem. Daí sua relação nos primeiros dicionários de LP com os termos ruão (o cidadão, habitante da cidade), arruar (apartar em ruas) e arruado (separado em ruas). Tratava-se de um lugar de passagem do cidadão, que levava até os muros da cidade, onde se divisava o inimigo. Ela aparece como signo do ordenamento da cidade (arruamento) e de sua divisão conforme os ofícios (rua dos ourives, rua dos letrados). Está associada, portanto, aos moradores e às habitações que a margeiam. Depois, passa a ser um lugar de passeio, no qual convive uma diversidade social, com comportamentos de exibição, ostentação, e alguns indícios de perturbação da ordem. Surge nesse momento a figura do arruador (“valentão”), um sujeito que promove desordens e mexe com as mulheres. Por volta do final do século XIX, a rua começa a ser nomeada como espaço público (caminho público, via pública), em oposição ao espaço privado (a casa, o local de trabalho). Há uma extensão do sentido em direção aos frequentadores (habitante, vadio, morador, arruador, moço da rua, mulher da rua) da rua e ao movimento dos sujeitos no espaço urbano (deitar à rua, ficar na rua, pôr na rua, sair à rua, rua!). Daí em diante, ocorre um desgaste na ordem pública, que passa a ser vista como moralmente inferior. Aparece nesse momento o termo “arruaça”, que remete a um acontecimento urbano com o sentido de desordem, motim, vadiagem, malandragem. No século XX, o espaço da rua é significado através de uma divisão social. Ela é vista como um lugar que abriga a classe baixa, a “classe inferior da sociedade”, a “plebe”, incluindo-se aí o arruaceiro, (sujeito que faz arruaças) e a arruadeira (mulher de rua, prostituta). A palavra ruão, antes com o sentido de “cidadão”, ganha o sentido de “plebeu”, homem do povo, peão”. Com a influência do urbanismo, a rua passa a ser considerada um espaço de “circulação”, metáfora que significa a cidade como um sistema orgânico, dividido em artérias destinadas à passagem de veículos. Aparece também o sentido de rua como lugar de comércio. Estão silenciados nos dicionários brasileiros as manifestações de rua, assim como os festejos, as conversas e reuniões públicas, ou seja, uma série de acontecimentos sociais que fazem parte do cotidiano das cidades.