Imagens em (dis)curso: argumentos em circulação nas "novas tecnologias"


resumo resumo

Fabiana Claudia Viana Borges



Introdução

As chamadas “novas tecnologias” estão no espaço urbano contemporâneo, seja em eventos políticos, religiosos, artísticos ou em espaços pedagógicos. Neste artigo, priorizamos como novas tecnologias, para efeito de análise, as imagens dos telões utilizados em pronunciamentos do presidente americano Barack Obama, nas missas do Papa Francisco e no estádio de futebol Itaquera, em São Paulo, objetivando verificar como a argumentação se instaura por esses recursos, por um efeito discursivo, produzindo sentidos.

Durante o minicurso “Discurso e Análise do Discurso”, no VI Colóquio da Associação Latino-americana de Estudos do Discurso, a ALED, em São Carlos-SP (2016), Dominique Maingueneau, a partir de uma concepção de discurso e sujeito distinta da que subsidia este artigo, apresentou uma análise de imagens de projeções de telões do discurso de Obama, de missa do Papa e de um show de rock, visando à discussão acerca dos gêneros de discurso. Esse minicurso nos provocou a pensar de um outro lugar, pela relação discurso, tecnologia e argumentação, numa perspectiva pecheuxtiana, perpassada pelo jogo imaginário e pelos esquecimentos, considerando o sujeito, o político, a história e a ideologia.

Dessa forma, apresentaremos, inicialmente, alguns conceitos que sustentarão as nossas análises para, então, mobilizá-los e propor um modo de interpretação que evidencie o funcionamento da argumentação pelas tecnologias nos eventos político, religioso e futebolístico.


1. Pressupostos Teóricos

Realizar uma análise discursiva a partir dos preceitos propostos por Michel Pêcheux é necessário considerar o sujeito não de modo empírico e não enquanto lugar físico social, mas como um posicionamento discursivo que “revela” a formação discursiva, o lugar em que o sujeito se posiciona, em que ancora seus argumentos, produzindo sentidos. Não é o indivíduo que interessa, mas o sujeito enquanto lugar de significação historicamente constituído, é um lugar representado no discurso, que se transformam nos processos discursivos.

Orlandi (1998) nos diz que o sujeito é uma “posição”, dada em lugares “representados” no discurso, interpelado pela ideologia. Daí consideramos que a posição sujeito se situa nas relações políticas do capitalismo e o efeito da relação língua, texto e discurso se dá a partir da inscrição do sujeito numa formação discursiva, nesse lugar de onde o sujeito fala, produz seu discurso.

Esse lugar de onde o sujeito fala é um lugar político. Político aqui é tratado tal qual Guimarães (2002), como um espaço de distribuição desigual dos dizeres e, consequentemente, distribuição desigual dos sentidos. Para nós, considerar o político da produção discursiva, na produção de argumentação, é pensar que os sentidos não chegam da mesma maneira a todos e, principalmente, que a argumentação não se estabelece num espaço homogêneo.

A argumentação é determinada pelo posicionamento daquele que a emprega, sua formação discursiva, afetada pela história e dada numa determinada língua que, por si só, já é um espaço político. A disputa do político passa pela disputa dos sentidos.

Quando privilegiamos a história para pensar a argumentação, estamos falando da historicidade dos sentidos, no movimento dos sentidos, no modo como a história intervém na produção dos sentidos e não como história cronológica, de marcação temporal. Orlandi (2005) nos diz que o sentido é constituído historicamente, na relação do sujeito com a língua e isso faz parte das condições de produção.

Para analisar as imagens produzidas pelas “novas tecnologias”, tomamos como um dos pilares a afirmação de Pêcheux (1997) acerca da ideologia, ou seja, para ele, a ideologia é um mecanismo de interpretação. Desse modo, consideramos que é pelo trabalho da ideologia que o conteúdo da argumentação materializa, isto é, a forma tomada na história (historicidade), “corporifica” o sentido, pela forma linguístico-histórica.

É pela ideologia que os dizeres e, por conseguinte, a argumentação, por uma relação imaginária, se dá pela memória discursiva, pelos sentidos retomados sobre aquilo que pretendemos, na produção discursiva, argumentar. É um movimento de se antecipar ao lugar discursivo do outro, sem sair de seu próprio lugar discursivo. Orlandi (1998, p. 76) diz que:


Todo sujeito (orador) experimenta o lugar do ouvinte a partir de seu próprio lugar de orador, constituído pelo jogo das formações imaginárias (a imagem que faz de x, de si mesmo, do outro). Cada um “sabe” prever onde seu ouvinte o espera. Esta antecipação do que o outro vai pensar é constitutiva de todo discurso.




A autora acrescenta, ainda, que as condições de produção são constituídas pelas formações imaginárias e atravessadas pela memória discursiva, pelo interdiscurso. É dessa maneira que o discurso se dá, numa relação do sujeito com a língua e com a ideologia.

No processo discursivo, na formulação dos dizeres, como afirma Pêcheux (1997), e podemos acrescentar para estas reflexões específicas, na produção da argumentação, a ilusão de clareza, de que o modo como dizemos, de que os argumentos que utilizamos são os melhores, os mais satisfatórios possíveis para aquele sentido pretendido. Além dessa ilusão de clareza, temos também a ilusão de sermos origem dos sentidos produzidos pelos nossos dizeres, quando na verdade o que falamos só produz sentidos, só se constitui como um argumento porque já significou antes em outros dizeres e continuará surtindo efeito, está em (dis)curso (PÊCHEUX, 1997).

Para o funcionamento analítico neste trabalho, consideraremos os movimentos constitutivos dos processos de produção dos sentidos, conforme nos mostra Orlandi (1996), a constituição, a inscrição na memória, a formulação, textualização das formas linguísticas ou textualização das imagens projetadas nos telões, e circulação, modo de existência histórica em dadas condições ideológicas.

A constituição, acrescenta a autora, são sentidos já produzidos e (re)formulados, que retomam em nossos dizeres, podemos dizer que seria a relação “direta” com os sentidos. A formulação é a materialização dos sentidos, o palpável, o que se torna evidente no discurso. Só há formulação pelas formações imaginárias: um locutor que formula e um lugar que permite essa formulação. E a circulação é o modo de existência histórica, é o espaço de “andanças” do sentido.

É considerando a constituição, formulação e circulação dos sentidos, afetados pelo político e pela história, numa relação ideológica, que as análises se darão neste artigo. Assim, questionamos o modo como a ideologia afeta a produção de sentidos permeada pelas “novas tecnologias”: o modo de circulação define, afeta a formulação, onde será projetado? Em qual evento? Qual o melhor posicionamento dos telões, ao lado, no fundo? À frente? Em qual evento? Assim, compartilhamos da afirmação de Zoppi-Fontana (2016) quando diz que a argumentação é um espaço em que vemos a materialidade da língua. Verifiquemos pelas análises.


2. Análises em circulação

As imagens aqui apresentadas trazem em si os telões posicionados em grandes eventos que projetam os sujeitos em destaque, o Obama em um pronunciamento e durante o velório de Mandela e o Papa em celebração de missa, as formulações nos espaços futebolísticos e registram também a multidão de expectadores presentes nesses eventos. Priorizamos, para as análises, as imagens mostradas nos telões e os letreiros, mas sem desconsiderar que os expectadores e tudo o que é visualizado constitui o sentido da imagem analisada.

Essas imagens, conforme já dissemos, são matéria significante, não de modo empírico, mas histórico, submetido às exigências da materialidade linguístico-discursiva e à relação do simbólico ao imaginário, ou seja, que evento é este? Quem vai falar? Qual a sua grandiosidade? O que esse evento clama como recurso tecnológico? Assim, podemos afirmar que as circunstâncias imediatas da enunciação, o pronunciamento do Obama, a celebração da missa pelo Papa, o jogo de futebol, já são determinadas, constituídas por esta exterioridade (quais são os sentidos de pronunciamento do presidente dos EUA? Quais os sentidos de missa pelo Papa? Quais os sentidos de uma partida de futebol de um grande time?).

Esses questionamentos são norteadores para perguntarmos: como as formulações, ou seja, as imagens produzidas pelos telões e os dizeres nos telões do futebol, circulam, são inscritas na história quando argumentamos? Pois não há dizer que não esteja atrelado à história.

Observemos a primeira imagem:

Imagem 1 – Convenção Nacional do Partido Democrata, Denver, Colorado, em 2008[1].

Os discursos políticos americanos são um grande evento, um show, a materialização da globalização e arriscaríamos dizer que são quase uma produção cinematográfica.

Já vimos que para argumentar é necessário “textualizar”, formular de algum modo, seja pela estrutura linguística seja pela imagem, e a argumentação não se dá na formulação apenas, mas se materializa na formulação pela relação da constituição com a circulação. É um processo histórico-discursivo.

Para a transmissão, circulação da imagem do Obama, na formulação, temos o corpo condensado, restrito à parte superior, ao ponto máximo do orador na argumentação: a boca, o rosto (Imagem 1). As imagens projetadas nos telões do discurso do Obama, enquanto formulações discursivas, são argumentos, que se constituem, pela inscrição na memória, em aliança com os discursos sobre soberania americana, respeito, grandiosidade e soberania também de seu presidente, bem como outros sentidos sobre americanos, América, Obama, discurso do Obama... Os telões, numa relação com a ideologia, materializam esse efeito de sentidos historicamente produzidos. É nessa medida que se constituem como argumentos, num processo imaginário, reforçando esses sentidos. Vale ressaltar, ainda, que tanto nas imagens do discurso do Obama, como da missa do Papa e do jogo de futebol, a multidão presente também se constitui como um argumento que reforça os sentidos que esses discursos produzem.

Esse efeito argumentativo pode ser evidenciado também na próxima imagem:


Imagem 2 – Telão no Estádio Soccer City[2].

Aqui, temos a formulação da imagem do Obama (e sua esposa Michelle Obama) projetada no telão no velório de Mandela (Imagem 2), e podemos, assim, considerar essa imagem como um argumento constituído pelos sentidos retomados na memória discursiva a respeito do valor que Mandela tem/tinha para a humanidade (não é qualquer presidente projetado, não é qualquer presidente presente, não é em qualquer velório em que Obama está).

Vejamos agora o funcionamento argumentativo dos telões em três imagens que significam o Papa Francisco:


Imagem 3 – Vaticano[3].

Imagem 4 – Vaticano, 2014[4].

Imagem 5 – Praça de Maio, Catedral Metropolitana, Buenos Aires, 2013[5].

Aqui, novamente, podemos verificar o movimento argumentativo materializado na formulação, pela relação com a constituição, retomando sentidos. As imagens projetadas nos telões da missa celebrada pelo Papa, seja no Vaticano, seja na praça de São Pedro, em formato de arena (Imagens 3 e 4), seja na praça de Maio, na Argentina (Imagem 5), são formulações, são discursos, que se constituem pelo cruzamento com outros discursos sobre soberania religiosa católica, sobre respeito, grandiosidade e representatividade do Papa pelos fiéis. Os telões materializam esse efeito de sentidos, produzem argumentos que sustentam os dizeres religiosos, retomam sentidos, numa relação imaginária, que marcam o lugar do Papa como alguém que deve ser visto e ouvido (e seguido).

Essa produção de sentidos, que se constitui a partir de argumentos de respeito, de grandiosidade, de representatividade, projetados no telão, persuadem a sua plateia, que comparece, ouve, responde e se ajoelha em ato de respeito (tal qual a criança na Imagem 3). O argumento em forma de imagem é tão incisivo que mesmo sendo “apenas” a imagem, formulada em outro país, em outra praça (Imagem 5), produz persuasão, convence sua plateia, que comparece, interage com a imagem ali projetada, de um evento que acontece em outro continente.

Para o discurso futebolístico, elegemos três imagens, que se materializam de maneira distinta das apresentadas até agora, conforme podemos observar.


Imagem 6 – Telão de Led, Arena Corinthians[6].

Imagem 7 – Mosaico, Copa Libertadores[7].

Imagem 8 – Telão Arena Corinthians, 2016[8].

No discurso que designamos futebolístico, temos um funcionamento diferente, pois a formulação imagética tem uma especificidade: ela se produz pela escrita. Nas imagens 6 e 8, a escrita se formula por meio de painéis em led; já na imagem 7, os torcedores dão corpo ao texto “Jogai por nós” . Mais uma vez, verificamos que a argumentação se constitui por retomadas de sentidos inscritos na história, sobre as glórias, o time, com a circulação no Estádio do Itaquera, ou Itaquerão, ou Arena Corinthians (o próprio nome Arena remete a sentidos de embate, de lutas, vitórias e derrotas e também pode produzir sentidos relacionados ao formato de arena da Praça de São Pedro no Vaticano, na Imagem4). É também um processo histórico-discursivo.

Os discursos projetados nos telões do Itaquerão são constituídos a partir dos sentidos produzidos por discursos sobre soberania esportiva, grandiosidade de um time, 103 anos de glória, e outros que não foram analisados aqui, como “sejam bem vindos”, “obrigado”, “#poenodvd”, argumentos que convencem os seus seguidores, os seus fiéis (sua fiel torcida), seus sócios (o sócio torcedor), digamos “dizimistas”; jogamos aqui com a palavra “dizimista” por um efeito de metáfora em sua relação com discursos religiosos, retomaremos isso à frente. Os telões, nestes discursos, materializam esse efeito de sentidos historicamente produzidos.

Essa produção de sentidos, o argumento do respeito, da soberania, da tradição, projetada no telão, também persuade sua plateia, seus torcedores e seus sócios, que frequentam os estádios, assistem aos jogos, respondem, interagem, opinam, xingam, e, ao mesmo tempo, se emocionam e respeitam o time do estado de SP. Está aí mais um espaço da evidência da contradição: o movimento de xingar, respeitar e se emocionar.

O efeito produzido pelos telões na Arena Corinthians produz argumentação. Os telões são discursos que se constituem também pelos discursos da religião, desde designações como “fiéis”, em “Gaviões da Fiel” ou “fiel torcida”, como “Todo poderoso timão”, muito usado pelos torcedores, ou “Jogai por nós” (Imagem 7), “jogou por nós” (Imagem 8) e “glórias” (Imagem 6), aqui apresentadas.

A fidelização ao partido político, à religião pode ser percebida também em relação ao time de futebol, temos um “quase” não se muda de partido, não se muda de religião, não se muda de time, o que produz uma contradição, contradição essa que pode ser percebida também em “política não se discute”, “religião não se discute”, “futebol não se discute”, pois muda-se de partido, religião e time e discute-se política religião e futebol.


Algumas Considerações

Pelas análises aqui realizadas, podemos perceber que não há acesso direto ao modo como os sentidos são produzidos. As filiações ideológicas são materializadas pelas imagens que circulam projetadas durante o pronunciamento do Obama (Imagem 1), a celebração pelo Papa (Imagens 3, 4 e 5) e pelas formulações circuladas no estádio do Corinthians (Imagens 6, 7 e 8), recortando sentidos na memória discursiva e produzindo argumentação.

É pelo mecanismo de antecipação, numa relação imaginária com os sentidos de política, de religião e de futebol, que repousa o funcionamento discursivo da argumentação. Argumentação é, de um certo modo, formulada, seja no telão que circula, evidencia a fala do Obama, a missa do Papa, ou nas formulações linguísticas que produzem diferentes imagens no estádio de futebol.

A argumentação se constitui sob o efeito da ilusão subjetiva afetada pela vontade da verdade, pelas evidências do sentido; estão funcionando aí os esquecimentos, a ilusão da clareza, da “certeza” dos sentidos, e a ilusão da origem dos sentidos, como se nascessem na formulação, no dizer, na tela, da projeção, quando só produzem sentidos de soberania, respeito, glórias porque já significaram antes em outros discursos como tais. É aí que o político se instaura, nesse jogo de significações que se apresenta sob a forma de um discurso muito preciso, como se sabe, o discurso da soberania política (um país marcado pelo efeito de sentidos de ser o centro do mundo), na Imagem 1, o discurso da soberania religiosa (o catolicismo como a maior religião que existe: fala-se de Igreja e o sentido dominante remete a Igreja Católica, sentidos esses que se deslocam historicamente, pois podemos pensar em Igreja atualmente como retomando também sentidos de Evangélica), nas Imagens 3, 4 e 5, e o discurso da soberania futebolística (um time que produz o efeito do maior time, em relação a torcedores, títulos e glórias no estado de SP), nas imagens 6, 7 e 8.

Os argumentos são produtos dos discursos vigentes, o discurso político do Obama, sua projeção no telão, o discurso religioso do Papa, sua projeção no telão, o discurso sobre o futebol, e sua projeção nos painéis ou nas arquibancadas, em dizeres organizados pelos torcedores, todos historicamente determinados. Esses argumentos derivam das relações entre discursos e têm um papel importante nas projeções imaginárias ao nível da formulação, das antecipações: antecipa-se a imagem de um público grandioso que irá preencher esses espaços: as ruas, as praças, os campos de futebol; a tecnologia é instalada nesses espaços justamente por essas antecipações, pelos sentidos já produzidos e sabidos sobre política, religião e futebol.

Há, nas projeções apresentadas, um efeito de unidade, efeito literal, do sentido-um, já lá, como se os telões existissem para facilitar a visualização do Obama, do Papa ou como recurso de marketing do time de futebol. Mas, as “novas tecnologias” produzem um deslocamento ao nível da constituição dos sentidos, na matriz dos sentidos, não se limita a pensar: é discurso político e não tem telão? É discurso religioso e eu não vemos o Papa? É estádio de futebol e não se mostra por textos a paixão pelo time?, o que produz novos elementos de formulação: onde projetar, o que projetar e como projetar, novos elementos de circulação: para quem vai a imagem e o som? Quem é o interlocutor e em que espaço ele estará situado? Temos nos telões corpos avultados, trata-se de uma nova posição sujeito. O sentido de Obama, aproveitando a fala de Maingueneau (2016), é a junção do Obama no palco com o Obama do telão, o sentido de Papa é a junção do Papa no altar com o papa no telão, o sentido de time é a junção do jogo no campo com as formulações pelo estádio. O sentido se constitui pela relação entre o fato simbólico da presença do corpo físico do Obama, do Papa, dos jogadores com o corpo projetado construída pelo dispositivo e materializada pelas tecnologias.

Podemos perceber que as novas tecnologias funcionam como um recurso de argumentação por produzirem um efeito de completude, ou seja, com as imagens nas telas, com a sonoplastia, com as imensas plateias, tem-se o efeito de que tudo pode ser visto, tudo é visto por todos, todos veem, todos ouvem, todos sentem. Funciona quase como uma “defesa de ponto de vista”. E no discurso futebolístico, é a evidência do amor supremo pelo time, que “joga por nós”, que é feito de glórias, e sempre será! Aí está o poder argumentativo das tecnologias, que afetam o real, possibilitam a escolha do candidato para votar, defendê-lo, seguir os preceitos religiosos proferidos pelo Papa, criar quase uma filosofia de vida baseada no time de futebol, opinar, escalar o time, interagir com o técnico e com os jogadores durante o jogo, tomar para si, como posse, o time: “meu time ganhou”, “meu time não ganha uma”, “seu time vai cair”.

Podemos perceber, ainda, que os discursos produzidos pelas “novas tecnologias” apagam a relação do sujeito na constituição, como se os sentidos fossem evidentes. Nas análises aqui apresentadas, esse apagamento pode funcionar como se os sentidos produzissem o efeito de “: há telões para melhor visualizar o Obama, o Papa ou como recurso para marketing do Corinthians. Temos a ilusão de que os sentidos são constituídos apenas no momento da formulação, por uma exigência da circulação (onde será projetado?). As regularidades das novas tecnologias são repetições reguladas historicamente (já se pressupõe, já se espera telões em shows, discursos, missas, estádios de futebol). Mas, há uma relação complexa entre tecnologia, história, arte, produção cinematográfica etc.

O modo como concebemos o discurso neste artigo permite-nos afirmar que os sentidos da argumentação produzida pelas imagens projetadas nos telões são alguns dos modos de interpretar os efeitos dessas tecnologias no imaginário político, religioso e futebolístico, pois argumentar é uma relação de forças, dizer é uma relação de forças, interpretar é uma relação de forças e, assim, fechamos provisoriamente este texto, que é habitado pelo silêncio, pelas possibilidades de outros sentidos.




Referências

GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação. Campinas: Pontes, 2002. 96 p.

MAINGUENEAU, Dominique. Discurso e Análise do Discurso. In: VI Colóquio da Associação Latino-americana de Estudos do Discurso – ALED, São Carlos-SP, 2016.

ORLANDI, Eni. Discurso e argumentação: um observatório do político. Fórum Linguístico, Florianópolis, n. 1, p. 73-81, jul./dez. 1998.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997a. 317 p.

ZOPPI-FONTANA, Mónica. Minicurso Análise do Discurso Materialista. In: VI Colóquio da Associação Latino-americana de Estudos do Discurso – ALED, São Carlos-SP, 2016.



Data de Recebimento: 15/11/2016
Data de Aprovação: 20/02/2017




[4] Imagem coletada no site: http://www.diariodolitoral.com.br/cotidiano/missa-a-joao-paulo-ii-atrai-80-mil-ao-vaticano/33203/. Foto: Massimo Sestini/ Associated Press/Estadão Conteúdo. Acesso em 10 de outubro 2016.

[5] Imagem coletada no site: http://www.therecord.com.au/news/world/rock-bands-vendors-big-screens-prayer-buenos-aires-celebrates-pope/. Foto: CNS/Enrique Marcarian, Reuters. Acesso em 10 de outubro 2016.

[6] Imagem coletada no site: http://corinthiansatual.blogspot.com.br/2013/09/corinthians-103-anos-na-arena.html. Acesso em 10 de outubro 2016.