Entre o corpo e a enunciação. O retorno à voz em Marina Lima


resumo resumo

Pedro de Souza
Felipe Jose Martins Pereira



Na sequência, cada tomada de imagens equivale a um ponto de propagação sonora.  Há um momento em que vemos, por brevíssimos segundos, em plano aberto, Marina  no centro do palco retomando a continuidade dos versos da canção –(é que eu toh grávida); na sequência, vem uma passagem rápido do musico sentado tocando o teclado no acompanhamento; daqui o corte retoma a postura de Marina focada de perfil detalhando o violão em seu colo e o microfone figurado em uma linha diagonal que o exibe ao longo do pedestal  até o ponto de contado com a boca; a câmera se detém aí,  no tempo  em que começa a fechar  os últimos versos desta parte da canção. Ela repete o refrão e vou parir, emitindo a última sílaba no mesmo tom seco de antes.

A esta banda sonora, sobrepõe-se a imagem do outro corpo feminino que, minutos antes, aparecera cometendo coro com Marina.  Só que nesta aparição sua função e performatividade é mais precisa. Ela não surge mais apenas como componente da banda que faz coro com a voz da cantora. Neste ponto, passa a existir entre a voz da cantora e a do apoio vocal uma simbiose em que o agudo da backing vocal remete a cantora à mesma posição de sujeito do momento em que gravou pela primeira vez a mesma canção. Contudo não se trata de recuperar, mas de potencializar certo efeito de prótese vocal. Este efeito aponta, no instante presente do canto de Marina Lima, o que nele se produz ao mesmo tempo como singularidade enunciativa e como possibilidade outra de subjetivação. Neste caso, no encontro entre essas duas vozes, interessa não o que falta a uma delas, mas o que se produz no trecho entre a brevidade e o alongamento da extensão vocal.

No quadro da linguística saussuriana, já sabemos que a materialidade do significante nada importa. Esse é o postulado que invoca Mailen Dolar para ressaltar que, tomado do ponto de vista da voz, a materialidade em que se ancora o significante não é de modo algum obsoleto. Dolar argumenta lembrando que corresponde à voz ligar o significante ao corpo, este.

...por mais que seja puramente lógico e diferencial, tem que ter um ponto de origem e de emissão no corpo.  Tem que haver um corpo que a suporte e assume, sua rede incorpórea tem que ser assinalada a uma fonte material(...) A primeira e mais óbvia é que se desvanece no momento de emitir-se” (DOLAR, 2007, p. 76).

 

Se antes só se ouvia a sonoridade do alongamento da vogal /i/, agora se vê   o corpo de onde se origina a voz que entra logo após a de Marina Lima quebrando acusticamente, sobre a mesma unidade fonética, a secura e brevidade da pronuncia e colocando sobre  uma liquidez e brevidade que a voz da cantora não articulou.