Entre o corpo e a enunciação. O retorno à voz em Marina Lima
Pedro de Souza Felipe Jose Martins Pereira
que fornece apoio vocal,a mesma cantora que, pelo grão davoz, a saber, mediantea“materialidade do corpo falando a sua língua maternal”(BARTHES,1982, p.219), torna possível trazer aos ouvidos a intensidade enunciativa de uma canção como “Grávida”. Trata-se da experiência tanto dosujeitoque escuta quanto dosujeitoque canta,isto é, a de perceber auditivamente no breveespaço entrea entrada de uma e a intervenção de outra voz, a harmonia de algo que se origina no corpo comoefeito de materialidade sonora. De outra parte, entreos doisregistros fonográficos, a diferença é significativa, na medida em que cada fonogramaarquivado emseusrespectivos álbuns, pode ganhar em precisão acústica, abrindo para os ouvidos contornos sonoros distintos e regulares,solidários naharmonia dirigida a certo processo de subjetivação pela voz: dois corpos diversos acoplando-se acusticamente econspirando para dar lugar à formação de uma subjetividade.
Estapercepçãoauditiva da incidência de outra voz sobreaque se escuta em primeiro plano pode advir do fato de que, sem se distanciar da harmonia entre as vozes, abackingvocalsegue, neste trecho,uma frequência diferente da voz de MarinaLima acantar noAcústico. Cabe à voz de apoiomarcara ressonância na cabeça,ponto ondeestampamaior nitidez e agudez à emissão do traço fonético e da nota musical. Colocamos aqui em jogo os modos de apreensão de duas diferenças vocais. A primeira diz respeito à mutaçãoenunciativa quesepara a voz da cantora emitida para mesma canção em 1991da que foi produzida dozeanos depois. O segundo elemento contrastivo aplica-seà aproximação entre a performance vocal de Marina e a dabackingvocalnomesmo ponto da melodia gravada para o disco de 1991. Aqui uma hipótese se impôs: a de quea voz que serviu de apoiovocal,na segundagravação, nãopoderiasuplantar emextensão, aque acantora expôs aogravar pela primeira vez a canção de Arnaldo Antunes. Nesses termos, abacking vocaltornou-se uma espécie de prótese da garganta de Marina permitindo descontinuamente a repetição do mesmo agudoalcançado, anosantes, pelavoz da cantora.
Só que, em termos do já-dito no arquivo da história contemporanea damúsicapopularbrasileira, ahipótesenão seatesta,nem por testemunho da cantora, nem por declaraçãodosestiveram presentesaoshowAcústico MTVquevirou disco.Até então não constatamos nenhum dizer aludindo ao encontro da voz de Marina Lima com a de sua corista como recurso compensadordo que a cantora teria perdido de potência vocal.Tudo sepassa pordiferentesopçõesestéticas nagravação e re-gravação de uma mesma canção.Nos termos deMichel Foucault,é possívelsustentar quecabe,a propósito