Cáceres - nome luso de cidade mato-grossense


resumo resumo

Neuza Zattar



Nesse trecho do diário, a vila é instalada numa povoação pré-existente, descrita pelo olhar do colonizador como uma gravura bucólica na qual aparece em primeiro plano um rio grande e, à sua margem esquerda, um povoado contendo um registro (posto fiscal) habitado por um pequeno aparelhamento militar e uma fazenda de gado povoada; em segundo plano, o marco de Jauru, símbolo de demarcação na fronteira com os domínios espanhóis. Essas propriedades, na visão do Governador, davam ao “sitio condições para nomeá-lo e incorporá-lo jurídica e administrativamente à Coroa, de modo a transformar o espaço rural em “povoação civilizada.

O modo de olhar do sujeito colonizador estabelece relação com o que diz Berger (1999, p. 11), em Modos de Ver:

 

Nunca olhamos para uma coisa apenas; estamos sempre olhando para a relação entre as coisas e nós mesmos. Nossa visão está continuamente ativa, continuamente em movimento, continuamente captando coisas num círculo à sua própria volta, constituindo aquilo presente para nós do modo como estamos situados.

 

Ou seja, há uma determinação política que afeta o modo de ver o “sítio” sob vários ângulos, e nesses modos de ver “o sujeito ao significar se significa, e esse gesto é necessário por ligar língua e história na produção dos sentidos” (ORLANDI, 1996, p. 22).

Retomando a ata de fundação, os verbos no enunciado “fundar, erigir e consolidar uma povoação civilizada” significam uma ruptura com o sítio sem dono agora institucionalizado, constituindo um confronto entre o passado e o presente, o atraso e o progresso, o rural e a vila, a terra sem lei e a terra administrada que, no caso, transformaria os “casaes de índios castelhanos [...]” e “todo o outro numero das mais pessoas congregadas” em indivíduos sociáveis.

Queremos destacar o emprego da forma “civilizada” e não de “civilização” na relação dos fundadores com a população local. Sobre a diferença entre essas duas palavras, Benveniste (1995), no estudo sobre a gênese da palavra civilização na cultura moderna, mostra essa diferença formulada por Boswell, para quem civility significa “civilidade, polidez”, e civilization, o contrário de “barbárie” (p. 377). A forma empregada na ata significa, por um pré-construído, que os índios habitantes da vila não eram selvagens e/ou bárbaros, e já haviam sido catequizados pelas  missões espanholas, mas que, com o novo ordenamento espacial,   precisavam de certa polidez para o novo convívio e as mudanças que iriam afetar os sujeitos e os dizeres.