Uma coreo-infância para tempos de reencontros: Entrevista com Uxa Xavier concedida à Ana Maria Rodriguez Costas


resumo resumo

Ana Maria Rodriguez Costas
Uxa Xavier



A artista, professora e pesquisadora Uxa Xavier é uma referência nos estudos que correlacionam dança, infâncias e espaço público. Foi aluna de Maria Duschenes (1922-2014), artista-educadora de origem húngara responsável por difundir os estudos do dançarino, coreógrafo e teórico do movimento Rudolf Laban (1879-1958) no Brasil e precursora do ensino de dança nas escolas públicas da cidade de São Paulo. Seu interesse em aprofundar-se nos estudos realizados com D. Maria (modo como era chamada por suas alunas e seus alunos), levou-a a especializar-se no Método Laban na Universidade de São Paulo. Outra importante presença em sua formação artística foi o coreógrafo e educador Klauss Vianna (1928-1992), um dos pioneiros nas investigações somáticas na criação e no ensino da dança em nosso país. A longa e consistente trajetória de Xavier inclui projetos, palestras e cursos na área de dança e educação relacionados às infâncias, à juventude e à dança em suas diversas manifestações. Dentre essas experiências, destaca-se sua participação como curadora de dança no projeto Casas de Cultura e Cidadania AES/Eletropaulo (2008 a 2016) e, atualmente, sua atuação como professora convidada nos cursos de especialização "Arte na Educação: Teoria e Prática" da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e "Corpo: Dança Teatro e Performance" da Escola Superior Célia Helena. Em 2010, Xavier criou e fundou o grupo Lagartixa na Janela, estreitando ainda mais as relações entre ensino, pesquisa e criação em suas produções na cena artística contemporânea.

Com a direção de Uxa Xavier, o Lagartixa (apelido afetuoso do grupo) vem desenvolvendo investigações sobre as infâncias, na perspectiva de revelar o corpo da criança no espaço público a partir de uma questão: onde e como as crianças ocupam a cidade? Em mais de uma década de trabalho, o grupo vem criando procedimentos, práticas e performances em praças, parques, pátios de escola, calçadas, ruas, procurando criar um diálogo dançante com o universo das infâncias, assim como com as memórias remotas das pessoas adultas. Apesar de estar sediado na cidade de São Paulo, o grupo vem se apresentando e desenvolvendo projetos em outras localidades do estado, em outras regiões do país e fora do país.

Venho colaborando em projetos do Lagartixa na Janela desde sua criação, e o grupo foi um dos escolhidos para minha pesquisa de pós-doutoramento Processos de criação e pedagogias da dança: configurações de um ideário relacional1. No segundo semestre de 2020, em plena pandemia da Covid-19, participei da ação “Encontros e Deslocamentos” desenvolvida no projeto As dobras de uma obra contemplado pelo XXVIII Edital de Fomento à Dança da cidade de São Paulo. Na ação “Encontros e Deslocamentos”, meu papel foi atuar como mediadora das investigações entre o Lagartixa na Janela e seus convidados, a saber: o coletivo CoCriança2 formado por um grupo de jovens mulheres, a maioria vinculadas à área da arquitetura, e o performer basco residente no Brasil Ieltxu Ortueta3. Em uma série de encontros realizados de modo remoto pela plataforma Zoom, os coletivos4 conversaram sobre seus projetos e suas metodologias de trabalho, e compartilharam procedimentos investigativos e de criação confluindo para a concepção e produção de uma ação artística colaborativa, presencial, na Praça Doutor Vicente Tramonte Garcia, localizada no bairro da Pompéia na cidade de São Paulo, conhecida como Praça do Samba, em dezembro de 2020.

No ano seguinte, participei de mais uma das etapas do projeto, performando junto com o Lagartixa em uma deriva5 movida a partir de bilhetes poéticos criados especialmente pelos dramaturgos, pensadores e criadores sobre e com as infâncias, André Gravatá6 e Marina Marcondes Machado7. Por motivo das restrições sanitárias, a deriva, prevista para acontecer na rua, aconteceu em um espaço delimitado, a área externa da Oficina Cultural Oswald Andrade, situada no bairro do Bom Retiro, na cidade de São Paulo. Recordo-me de estarmos em um estado de abertura e conexão para o deslocamento e para a pausa, para diálogos entre nós e com cada ser-coisa presente no espaço. No chão havia uma pequena caixa de papelão onde os bilhetes poéticos estavam guardados. Cada performer, a seu tempo, retirava às cegas um desses papeizinhos, tomando-o como enunciado impulsionador de uma dança à deriva desdobrada com a cumplicidade do coletivo.

Paralelamente a essas experiências junto ao Lagartixa, entre outubro de 2020 e março de 2022, estive vinculada como uma das coordenadoras do Subprojeto Arte8 do Programa Residência Pedagógica. Trata-se de um programa criado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES com o objetivo de promover o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, viabilizando a imersão dos estudantes nas escolas de educação básica. No Subprojeto Arte, contamos com a participação de 20 residentes (16 bolsistas e 4 voluntários/as) dos cursos de licenciatura de Artes Visuais, Dança e Música do Instituto de Artes da Unicamp que atuaram em duas escolas de educação integral da rede municipal de Campinas, na disciplina Arte ofertada para crianças do Ensino Fundamental I (Anos Iniciais). Em cada uma das escolas, o coletivo de residentes atuou sob supervisão de um/a professor/a da área. Em cumprimento às medidas sanitárias de controle à disseminação da Covid-19, o projeto foi realizado quase integralmente de modo remoto, em meio a uma dura realidade: a maioria das crianças dessas escolas estava em situação de extrema vulnerabilidade e sem acesso a dispositivos com internet para “estar” naquele ambiente escolar virtual.

Para as crianças, especialmente no período da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, o corpo em movimento, bem como as ações de experimentar e explorar os espaços que habitam fazem parte do brincar e estão presentes na vida cotidiana e escolar. Naquele momento, tal curiosidade e vitalidade estavam restritos às suas casas e cerceados conforme as dinâmicas familiares. Por inúmeros problemas que atingiram especialmente as famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, grande parte das crianças não contou com a presença e com o apoio de cuidadores para vivenciar sua performatividade corporal, lúdica, expressiva, imaginativa. Nas escolas em que atuamos, observamos que a oportunidade dos encontros remotos, a elaboração de cadernos de atividades impressos que eram entregues às famílias, os enunciados para a realização de experiências enviados por Whatsapp, contribuíram para afirmar a importância, naquele momento, dos espaços-tempos do brincar, do dançar, cantar, teatralizar, pintar, esculpir. Enfim, as proposições artísticas realizadas na disciplina de Arte com o apoio das/os residentes do Subprojeto Arte, fossem de modo síncrono ou assíncrono, tornaram-se um espaço legitimador de experiências fundamentais para as culturas da infância.

Durante o ano de 2022, coordenei com a artista e pesquisadora Laila Padovan, o Projeto de Extensão Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas: criar comunidades para reavivar afetos com a cidade9 (informalmente, entre_paisagens) vinculado ao Instituto de Artes da Unicamp. Norteado por essa temática, o projeto promoveu um ciclo de leituras com artistas e pesquisadores das Artes e das Humanidades, além de uma residência artística e duas oficinas. As ações do projeto foram dirigidas a estudantes, professores, artistas, pesquisadores e demais interessados no tema e aconteceram mediante inscrições gratuitas. No percurso de sua realização, tanto nas atividades abertas ao público, como nos encontros de reflexão e produção da equipe, dediquei especial atenção às possibilidades de transposição inventiva dos saberes compartilhados e produzidos para os projetos de pesquisa e ensino que realizo ou oriento, os quais focalizam as relações entre processos de criação, pedagogias das artes da cena, em especial, processos artístico-pedagógicos em escolas e espaços públicos, de caráter relacional, contextual e/ou comunitário.

Na etapa de finalização do Projeto de Extensão entre_paisagens, teve início a segunda edição (2022-2024) do Subprojeto Arte10 e passamos a atuar em três escolas públicas municipais de Campinas com 18 residentes (15 bolsistas e 3 voluntários/as) encontrando um cenário escolar um tanto desafiador. As sequelas da pandemia estão evidentes nas crianças; não apenas nas dificuldades de alfabetização ou acompanhamento dos estudos propostos, mas também nas dimensões relacionais, afetivas e emocionais. E, no momento em que escrevo este texto, a situação nas escolas brasileiras se viu agravada por episódios de intensa violência contra a vida de professores/as e estudantes em atos protagonizados por crianças e adolescentes, a meu ver, motivados por um agudo estado de sofrimento psíquico em decorrência da falta do acolhimento e acompanhamento devido, não apenas por parte das famílias, mas de inúmeros organismos sociais que deveriam estar cumprindo o papel de proteger e cuidar da infância e da adolescência.

Entre paisagens pandêmicas e pós-pandêmicas, em um período de verdadeira reconstrução e reinvenção das experiências de socialização, do estar junto corpo a corpo, testemunho nas escolas a importância das aulas de artes para as crianças e me alimento das reverberações do projeto Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas: criar comunidades para reavivar afetos com a cidade, assim como, de minhas atividades de pesquisa junto ao grupo Lagartixa na Janela. Entendo que processos de criação artística como aqueles desenvolvidos pelo Lagartixa materializam artisticamente outros modos de nos relacionarmos com os espaços públicos e com as infâncias e, que ao fazê-lo, fomentam também a emergência de outras pedagogias mais centradas nas artes e no protagonismo das crianças, a meu ver, fundamentais aos ambientes escolares em que nos encontramos. Diante disso, fiquei intensamente mobilizada a realizar esta entrevista com a artista Uxa Xavier, o que aconteceu em abril de 2023, quando conseguimos nos encontrar para conversar sobre as investigações do Lagartixa entre os anos de 2020 e 2023 e vislumbrar uma coreo-infância para tempos de reencontros.

 

Ana Terra: Você poderia iniciar sua fala apresentando o grupo Lagartixa na Janela?

Uxa Xavier: Então, o Lagartixa na Janela, atualmente, é composto por cinco intérpretes: Andrea Fraga, Vinícius Brasileiro, Tatiana Cotrim, Bárbara Schil e Aline Bonamin, que neste momento estão se dedicando às suas pesquisas de mestrado no Instituto de Artes da Unicamp e atuando em outros projetos. Temos uma artista residente, Ana Carol Yamamoto. Atualmente nós estamos muito mergulhados no processo do Edital de Fomento à Dança, em um projeto que se chama Sobrinfâncias/Territórios, onde vamos circular por 10 espaços públicos da cidade de São Paulo com a nossa última criação, que se chama Com as coisas. Essa criação é um desdobramento de uma outra criação que fizemos durante a crise sanitária mundial e também vamos criar, junto com crianças das comunidades de Vila Nova Cachoeirinha, Jaguaré e do Centro da cidade, áudio-coreografias, o que também é uma proposição artística que surgiu durante a pandemia. Então esse atual projeto vem dentro de um segmento que já está dentro da lógica de sair do isolamento e ir retornando aos poucos para os espaços públicos.

AT: Algumas das ações do atual projeto do grupo se vinculam, ou melhor, são uma continuidade de projetos que foram desenvolvidos no período mais agudo da pandemia. O Lagartixa na Janela trabalha com crianças e também com todas as infâncias - aquelas que nos habitam -, atuando em espaços públicos, propondo relações de proximidade e relação com o público. Você poderia falar um pouco como vivenciaram e o que desenvolveram durante a pandemia da Covid-19, especialmente nos anos de 2020 e 2021?

UX: Tem uma coisa que é bem interessante: quando circulou a notícia oficial dessa crise sanitária mundial, nós havíamos sido contemplados com o Edital do Fomento à Dança para desenvolver, inicialmente, um projeto com a proposta de o grupo dar uma mergulhada em todas as suas criações a partir dos objetos, porque nós trabalhamos na ativação com as crianças a partir de objetos relacionais. Então, a grande pergunta para a criação desse projeto era o que esses objetos tinham a nos dizer. E estávamos também lendo o Bruno Latour, estudando a noção do ator em rede ou actante, como ele mesmo diz, refletindo sobre quando estamos atuando em um espaço público em que estamos em uma grande rede de relações que envolve todo o ambiente: objetos, sonoridades, pessoas que passam, pessoas que se envolvem ou que observam, e como damos a ver os objetos relacionais que também são corpo da performance. Enfim, tudo está em relação. E, de repente, o que acontece? Quando entendemos o que seria o fechamento, da necessidade do isolamento físico, num primeiro momento ficamos num profundo silêncio…

AT: Sim, como todos…

UX: Como todos. Era necessário entender, elaborar como nós iríamos rever o projeto e inventar um novo caminho diante dessa limitação do espaço e contatos que todos nós estávamos vivendo. Então, o que aconteceu? Diante dessas paisagens do espaço público que não podíamos acessar naquele momento, porque não podíamos sair de casa, não podíamos nos relacionar nem entre nós, muito menos com as crianças, nós começamos a observar a paisagem da casa, observando quais eram os objetos que compunham essas paisagens. E a partir dessa observação nós fomos para um lugar que foi o nosso princípio de investigação, que é a pergunta: o que esses objetos nos remetem à nossa infância? Então, foi a partir daí que nós iniciamos o projeto que se chama Sobre as coisas, onde todos os intérpretes, os performers, escolheram objetos que construíam significados e sentidos na sua própria infância, para que pudéssemos começar a investigar e criar esse processo em dança a partir da relação com esses objetos. Na verdade, a pandemia nos levou para o encontro com outros objetos.

AT: Que objetos eram esses?

UX: Os objetos eram pedrinhas, algo que vinha da memória, de praia, de caminhar na praia. Foram trazidos banquinhos que eram muito da memória de subir num banquinho, descer, pular e se equilibrar, fazer cabana e carrinho com esse objeto. Tinham meias, que vieram do brincar de vestir meia da mãe, colocar meia na cabeça, criar figuras, fantasias, imagens com estes objetos. E foi a partir desses objetos que nós começamos a construir partituras coreográficas em que, na verdade, esses objetos não estavam mais como objetos relacionais, mas eles eram já um objeto que eu chamei de corpo/coisa que ia adentrando o corpo, e ao mesmo tempo nós também adentrando a materialidade desse objeto/coisa.

AT: No trabalho Sobre as coisas, os artistas que compõem o Lagartixa escolheram objetos que estavam na casa deles e tinham a ver com a infância, certo? E como foi o processo de criar esse trabalho, considerando que cada artista estava na sua própria casa? Como foi para o trabalho "tomar corpo"? Vocês mostraram ao vivo por alguma plataforma digital ou produziram um vídeo para compartilhar?

UX: É, acho que tem aí uma peculiaridade, não sei bem se a palavra correta seria essa… Por sermos um grupo que já está trabalhando junto há muitos anos com eixos éticos, com princípios norteadores em nossos processos de criação coletiva, muito bem vividos, conquistamos um saber que nos leva a construir pensamentos de modo conjunto. Então não foi tão difícil. Porque já existem, nas práticas do processo de criação do Lagartixa na Janela, alguns procedimentos que nós conseguimos manter mesmo em modo virtual. Temos um procedimento que se chama "prática de observação”, em que todos observam a partitura individual de cada um na sua construção coreográfica. Isso é muito importante porque a partir desta prática podemos entender como o movimento do outro nos afeta e ativa moveres para criar conexões na coreografia coletiva. Essa investigação de movimento e espacialidade também pode acontecer mesmo a partir da tela. Me lembro que durante um tempo comecei a perceber que eu estava virando diretora de cinema, porque me orientava muito a partir das imagens também: o que aquele corpo produz de imagem que reverbera na tela que é muito diferente do que aquele corpo que, no presencial, produz de movimento que gera uma imagem e que reverbera no espaço público. Então, aconteceram algumas etapas no processo de criação que foram invertidas, ou então esses elementos que geram uma coisa, de repente eles mudaram de lugar. Porque existia um dado de realidade muito forte que é: esse trabalho não vai ser feito e nem apresentado no espaço público. Foi a primeira coisa que nós chegamos a partir de uma decisão coletiva; como ficamos em uma suspensão de tempo, nessa relação de “agora vai abrir, agora vai fechar, agora vai abrir, agora vai fechar”. Teve um momento em que, eu como diretora, cheguei a uma conclusão: não podemos sofrer mais com o que nós já estamos sofrendo. Esta é a nossa realidade. Então, nós vamos trabalhar a partir do que é essa realidade. Estamos fechados em casa. Não vamos poder ir para um espaço público, porque todas as tentativas que nós fizemos não foram boas e não vamos compartilhar, presencialmente, esse trabalho com crianças. Nós vamos criar esse processo todo dentro da linguagem de vídeo e vamos apresentar para as crianças. Este projeto vai acontecer diante dessa realidade sem nenhuma expectativa de que ele vá para um espaço presencial. Então, o que eu percebo é que quando nós chegamos a essa conclusão de que não íamos sofrer, de que aquela era a nossa realidade, a coisa começou a mudar. Então, todo o processo, todo o caminho, passou a ser feito para essa condição de apresentar na tela. E isso nos moveu muito. Certos paradigmas tiveram que ser deslocados, dentro das suas ordens; geralmente, iniciamos as investigações do movimento de uma forma coletiva, todes se movendo juntes e buscando conexões entre nossas memórias; para depois iniciarmos as investigações individuais que se configuram como partituras individuais; e depois retornamos para as conexões coletivas. Naquele momento, já entrávamos nas investigações individuais e íamos criando as conexões para uma partitura coletiva a partir das imagens coreográficas que surgiam. Dessa forma, certos procedimentos de criação foram mudando de lugar, mas continuaram existindo. Então, a força e a potência da imagem, ou o quanto ela atravessa a tela para que o outro que esteja do outro lado perceba e se mova junto com a gente, foram potencializadas. Eu acho que isso foi um processo doloroso, porém de um grande investimento de afeto, de corpo, e também de uma coisa que eu propus para todos que era curiosidar, gerar curiosidade. É a partir deste sentimento que fomos criando. Então nós estávamos sempre nesse lugar de curiosidar: eu inventei um verbo, uma ação para a curiosidade. E eu acho que foi um processo muito forte e que gerou um trabalho que eu gosto muito.

AT: Achei muito interessante essa questão da curiosidade. Como esse sentimento se fez presente nos compartilhamentos do Sobre as coisas com o público do Lagartixa na Janela? Como pessoa que acompanhou parte do projeto, sei que aconteceram diferentes modos de compartilhar o trabalho. Você pode falar um pouco a respeito? Vocês receberam algum retorno das crianças ou das famílias sobre o impacto de assistir o trabalho em um momento de isolamento dentro de casa?

UX: É. Isso foi muito interessante, porque quando a gente finalizou o processo de criação nós já tínhamos várias parcerias organizadas para compartilhar o vídeo com as crianças, e também o projeto tinha como proposição realizar oficinas para crianças e uma residência com artistas e educadores, o que fizemos on-line e foi muito interessante. Foi um processo doloroso, mas também teve um processo de curiosidar diante daquela realidade que não tinha como mudar. Ou a gente aceitava ou a gente ia para o brejo, literalmente. Então o que aconteceu? Nós fizemos parcerias, por exemplo, com a Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA) e com o Projeto Palco que acontece na comunidade do Jaguaré sob coordenação de Leandro Oliva, para passar o vídeo para as crianças, e foi um processo muito interessante. Pedimos que as crianças já levassem para o dia da apresentação on-line, objetos como banquinhos, pedrinhas, meias, coisas que estivessem ali em volta delas para que elas pudessem dialogar com a gente durante o compartilhamento do vídeo. Durante a apresentação, os performers convidavam as crianças a adentrar as imagens e dialogar com os objetos também.

AT: Eles convidavam as crianças a se moverem durante o vídeo?

UX: Todos os performers do Lagartixa estavam com o figurino e se apresentavam para as crianças, e aí depois entrava o vídeo. Então, se criava já um estado de mais intimidade, de aproximação. Não era uma coisa tão fria. E foi muito interessante porque tinham muitas crianças que começaram a dialogar com o trabalho. Podíamos ver pelas telas: em uma delas, um banquinho pendurado em um lugar da casa; em outra, uma criança cheia de meia e pulando no sofá com as meias e depois para os banquinhos. Também aconteceu uma coisa muito interessante quando crianças mais velhas, em um momento do trabalho que tem uma teia de meias, elas começaram a riscar a tela por meio de algum recurso digital seguindo o mesmo desenho das meias. Então entendemos como esse atravessamento começou a acontecer mesmo, pois era essa a forma de se relacionar naquele momento. Então, por exemplo, tinha uma mão de um performer que aparecia no vídeo, e aí apareceu um risco de alguma criança que estava fazendo esse desenho junto. Então, poderia ser, dentro de um olhar moralizante, algo que não poderia estar acontecendo, porque estava atrapalhando a apresentação, mas com o Lagartixa isso é um sinal de conexão. Então, muitos desenhos, muitas coisas que foram acontecendo durante a apresentação, para a gente, foram realmente um grande presente e também uma confirmação de que apesar de tudo conseguimos estar com elas, ativar as relações e entregar uma obra para as crianças.

AT: Muito legal. Eu vou emendar com uma outra questão. O trabalho Sobre as Coisas foi uma das ações dentro de um projeto maior, também contemplado, pelo Programa de Fomento à Dança da Cidade de São Paulo. Você poderia falar um pouco sobre o projeto e sobre essas outras ações?

UX: O projeto chamou-se As dobras de uma obra. Então isso tem a ver com aquilo que eu trouxe na primeira fala; o projeto foi concebido a partir de uma pergunta: o que é que aqueles objetos que acompanharam a gente durante doze anos de produção artística em dança teriam a nos dizer nesse momento? Mas daí, como já disse, por motivo da pandemia surgiram outros objetos que não faziam parte de trabalhos anteriores do Lagartixa. Este projeto teve várias etapas. Uma das etapas se chamava Encontros e Deslocamentos. Para compô-la, convidamos o Coletivo CoCriança, formado por arquitetas que trabalham com crianças e discutem o espaço público, reformam praças, enfim, sempre em diálogo com as crianças, e o artista performático Ieltxu Ortueta, que trabalha bem na linha da performance e que faz um trabalho com crianças também da zona rural em Cunha (SP) e em outras cidades e países. E aí, como estávamos trabalhando apenas de modo remoto, a gente foi contando um pouco sobre a experiência de cada um, principalmente o histórico de cada grupo e como que cada um desses artistas trabalhava nos seus eixos éticos, estéticos e políticos a relação com a criança no espaço público, e foi muito interessante. Nós resolvemos fazer uma deriva na Praça do Samba11, só que uma deriva em distância, porque o ideal seria fazermos juntos, em proximidade. Mas, como não existia essa possibilidade, pois ainda estávamos em meio à pandemia, eu criei um dispositivo, uma proposição para cada um nós fazer isoladamente, e cada um gravaria em áudio sobre o que estava vivendo e sobre o que estava vendo diante daquele caminho na praça. E depois faríamos um jogo que era sortear o número de um celular de alguém do grupo e aí a dupla trocava os áudios, e cada um poderia caminhar a partir da experiência de deriva do outro. Isso foi um processo muito interessante, tanto que esse mesmo procedimento está sendo proposto em nosso novo projeto que se chama Sobrinfâncias/Territórios, só que agora serão as crianças que vão gravar áudios nas suas derivas e depois nós vamos colocar numa plataforma on-line. E, também colocar um QR Code nas praças para que as pessoas possam ouvir como as crianças veem o espaço público.

 

  

 

Imagem 1. Grupo Lagartixa na Janela e Cocriança.

Local: Praça Doutor Vicente Tramonte Garcia, Bairro da Pompéia - São Paulo - SP - Brasil. 2020 (Fotógrafo: Rafael Petri)

 

AT: Que interessante! Eu participei desta etapa do projeto que aconteceu na Praça do Samba e é bem interessante ver que ela teve essa continuidade. Mas, algo que para mim foi marcante estando com vocês, acompanhando vocês, foi o encontro, naquele momento de pandemia, dessas pessoas, desses performers, dessas arquitetas, sem a presença das crianças na praça. Então, eu queria que você falasse um pouco mais sobre isso: como foi estar numa paisagem como aquela praça vazia de crianças, todos nós de máscara com distanciamento, e fazer um trabalho artístico de uma certa maneira se vinculando com uma ausência e não só com a presença?

UX: Essa é uma boa pergunta porque o que aconteceu? Como não existia a possibilidade de contato, de nenhum tipo de relação com as crianças, depois que nós fizemos todo esse processo das derivas individuais, nós deixamos plaquinhas de papelão na praça, com perguntas escritas. Não só perguntas, mas também com algumas frases como, por exemplo: “Aqui tem uma Amoreira”. Ou “Você sobe por aqui?”, dizia uma placa próxima a um morro. Enfim, nós fomos criando perguntas em que todos que participaram da deriva, inclusive você que também participou, fizeram plaquinhas e fomos deixando essas plaquinhas na praça, porque de alguma forma, em algum momento, algumas crianças passariam por lá, naquele momento de isolamento, para passear, tomar um sol, e poderiam ver essas placas. Então acho que também tem muito a ver com essa ideia do QR Code que está sendo proposta no novo projeto, de como que a gente pode deixar marcas/registros naquele lugar. E tem uma característica do Lagartixa que a gente não fica muito no lugar de querer voltar para saber o que aconteceu. A gente entrega e vai para frente, então o que reverberou ali nós não sabemos, mas a gente voltou algumas vezes para praça, isoladamente, e as placas estavam lá. Então significa que cuidaram. Elas não desapareceram, elas estavam lá penduradinhas, muito bonitinhas e bem arrumadinhas. Então com certeza alguém leu, com certeza alguém foi buscar a amoreira ou a bananeira, ou tentou subir no morro. Mas a gente não tem muita essa prática de voltar para saber. Por quê? Porque o espaço público é muito volátil também, e eu acho que é importante lidar com isso. O espaço público é nosso espaço de pesquisa. A gente vai lá e habita e depois segue para outros. Na criação do Breves Partituras para muitas calçadas, fizemos uma habitação mais longa e realmente pudemos compartilhar com as crianças nosso processo de criação. Mas, no projeto Dobras de uma obra realizado em plena pandemia, nós não sabíamos se poderíamos um dia voltar, então não ficamos reféns, ou com a expectativa de uma volta à Praça do Samba, pois era uma situação tão vulnerável que estávamos vivendo que o que importava era passar, deixar e ir. Foi também o que aconteceu com o jogo que fez parte de uma das etapas desse projeto que é o Sobrinfâncias, que era com a Marina Marcondes Machado e o poeta André Gravatá. Eles foram convidados para participar como propositores de pequenas perguntas, palavras, para que o Lagartixa pudesse performar em tempo real, e aí também foi uma experiência de que você participou, que nós conseguimos com parceria da Oficina Cultural Oswald de Andrade, que é nossa parceira há muitos anos, com a curadoria do Marcus Moreno, de disponibilizar a porta, a entrada da Oswald para gente fazer um vídeo, que por sinal está disponível lá no canal no YouTube que se chama Sobrinfâncias12, onde a gente ia sorteando em tempo real uma proposição e performando. E estava com a gente uma criança, que era o filho da performer Bárbara Schil. Ele estava presente e entrou no jogo. Então, foi uma coisa muito importante para a gente, pois, depois de quase sei lá quantos meses, fizemos contato com uma criança e essa criança entrou e trouxe proposições para a gente também.

 

 

 

Imagem 2. Grupo Lagartixa na Janela. Obra: Breves partituras para muitas calçadas.

Local: Bairro Bom Retiro - São Paulo - SP - Brasil. 2019 (Fotógrafa: Sílvia Machado)

 

AT: Muito bom. Depois desse projeto que aconteceu em plena pandemia, eu queria que você falasse um pouco sobre como foi sair desse período em que as produções aconteceram de modo remoto para o momento de retomada do trabalho nos espaços públicos. Você percebeu transformações na relação com o público? Como perceberam a presença das crianças após um período tão longo de isolamento e reclusão em casa?

UX: Depois que encerramos o projeto As dobras de uma obra, nós fomos contempladas com o Edital Aldir Blanc, e aí criamos o Experimentos Noturnos, que era um desejo antigo. Nós fizemos o trabalho num formato audiovisual, mas trabalhamos juntos presencialmente, fechados numa sala, com distância, com as máscaras. Então, foi um momento muito forte porque é aquele desejo de estar junto e ao mesmo tempo todo cuidado com o distanciamento. E como é que é isso para nossos corpos? O quanto que tivemos que negociar o desejo de estar muito próximo e também o cuidado de não se aproximar? É uma coisa que eu vejo, por exemplo, agora, que conseguimos com habilidade saber lidar com a realidade e não sofrer com ela, mas viver o que é possível. Então, foi um projeto bem interessante, ele também está disponível no canal do Lagartixa no YouTube13. Não é um trabalho fechado, mas é um experimento sobre o escuro, que talvez vire um projeto mesmo de criação. Era um desejo que eu persigo há muitos anos, que é investigar essa relação da criança com o enigma do escuro, tão presente em nossas memórias de infância. Então, fomos nesse lugar das nossas memórias sobre o escuro, o que gerou esse vídeo que se chama Experimentos noturnos. E depois que as coisas foram voltando razoavelmente para uma possibilidade do presencial, revisitamos o trabalho do Sobre as coisas e percebemos que muitas coisas que estavam lá eram pertencentes àquele contexto de pandemia. E eu não via como tirar daquele contexto e começar a reinventar outras coisas para aqueles objetos, porque eles tinham uma existência dentro daquela obra. Então, foi o que eu já tinha compreendido: esse trabalho foi feito assim, para aquele momento. Não vai ter como ele ser adaptado, readaptado, enfim, não tem como. A realidade era aquela. E aí olhei para todos aqueles objetos e vi que tinha um objeto que podia ser muito interessante, porque já estava dentro de uma discussão nossa sobre o processo de criação que era criar camas-de-gato, teias a partir de meias. E justamente foram as meias que voltaram para uma nova existência dentro de um outro significado, que já não tem mais a ver com o Sobre as coisas. E aí eu dei o nome de Com as coisas. E a pergunta que ficou muito forte é: como sair do espaço íntimo e retornar ao coletivo nesse momento? Então, é assim que a gente vai também trabalhando com essa questão do real, do tempo real. As meias ganharam um outro corpo. Entramos numa outra pesquisa sobre o que são aquelas meias, ou aquele corpo/coisa/meias que existiam na outra criação realizada em plena pandemia, o que são e como elas se corporificam agora, neste novo contexto de criação? Daí, começamos a perguntar para as meias e ativar no nosso corpo outros jogos, outras possibilidades, outras memórias com aquele objeto. Então, esse trabalho, ele tem um momento que são as partituras íntimas, no qual cada performer foi buscando essa sua relação com esse objeto. É claro que já tinha uma memória do “Sobre as coisas”, mas que estava muito ressignificado, e depois de como aquelas meias elas se tornam uma grande teia onde todos entram, se relacionam e dançam e se encontram novamente. Então, o Com as coisas está neste lugar, com essa pergunta: como sair do espaço íntimo e retomar o espaço coletivo e se relacionar e coexistir no mesmo espaço depois de todas essas experiências? Uma coreo-infância14 para tempos de reencontros. Para nós a primeira apresentação presencial foi no Festival Visões Urbanas que nós fizemos lá na Casa das Rosas, e realmente foi muito emocionante, porque existia já um lugar de poder estar perto, poder estar próximo, poder encostar, poder olhar. Então, foi realmente muito emocionante para nós como o público entrou na proposta, se relacionou com o trabalho. Foi uma retomada e ganhamos um grande presente. E a partir daí começamos a mergulhar nesse novo processo, retomamos os encontros presenciais e pudemos nos aprofundar na criação desta nova obra. E agora nós estamos com esse trabalho que se chama Com as coisas, que já está rodando um pouco por aí e que as crianças… O que a gente observa é que ainda existe um lugar novo que eu não consigo dizer exatamente o que é, até porque eu não gosto muito de dizer “é assim”. Mas em todas as apresentações existia uma coisa de um tempo mais lento para se aproximar ou outras que entravam com uma energia muito intensa, e aí se coloca o desafio de como é que vamos modulando essa energia para podermos estar juntos. Eu acho que muitas crianças que estavam no seu processo de socialização tiveram que ficar isoladas, e essa prática de estar juntos se atrasou. Então, eu acho que também essa coisa do trabalho é um exercício de retomar um lugar de olhar no olho, de dançar junto, de escuta, de espera. Tem sido um exercício muito interessante para a gente. E eu acho que ainda não sabemos tudo sobre o que nós passamos… sabe, eu acho que isso é um lugar em que ainda não está muito fácil de encontrar respostas.

 

Imagem 3. Grupo Lagartixa na Janela. 15o Festival Visões Urbanas. Obra: Com as coisas

Local: Casa das Rosas, Avenida Paulista - São Paulo - SP - Brasil. 2022 (Fotógrafa: Sílvia Machado)

 

AT: Junto de dois outros colegas, eu coordeno o Subprojeto Arte do Programa Residência Pedagógica da CAPES, que reúne estudantes dos cursos de Licenciatura do Instituto de Artes da Unicamp. O coletivo está atuando em três escolas municipais de Campinas desde novembro de 2022, e a gente vem realmente percebendo que as crianças ainda estão passando por muitas dificuldades, por exemplo, no convívio, porque deixaram de vivenciar processos de socialização muito importantes. Temos uma percepção muito semelhante à sua. Sabendo da necessidade de encerrarmos nosso encontro, gostaria de retomar o início. Sei que seu projeto atual ainda está em andamento, mas você poderia apresentá-lo, comentar sobre suas motivações e propostas?

UX: Então, esse projeto, o Sobrinfâncias/Territórios, ele tem algumas etapas. A primeira é que nós continuamos com o processo de criação do Com as coisas, para ir refinando a pesquisa coreográfica. E depois a ideia é criar contato com três comunidades, sendo que duas já estão bem organizadas, e com a terceira ainda precisamos concluir os contatos. Uma é na Vila Nova Cachoeirinha, a outra é no Jaguaré e a terceira provavelmente vai ser no centro da cidade de São Paulo. A ideia é que a gente trabalhe com um número máximo de oito crianças, que a gente saia com essas crianças no território mais próximo ou numa praça mais próxima ao local em que elas ficam no contraturno escolar, e a gente faça com elas as derivas também. Só que elas é que vão narrar esse caminho delas, então nós já estamos organizando algumas perguntas, dispositivos, para chegar nesse lugar com elas, e depois vamos disponibilizar essas gravações num podcast do Lagartixa e também num QR Code que vai ficar na praça onde aconteceu. Então, por exemplo, na semana passada fizemos contato com a primeira comunidade, que é na Vila Nova Cachoeirinha, numa Associação Espírita que se chama Casulo Casa do Pedrinho, que recebe, com o apoio de voluntários, crianças para ficarem no contraturno escolar. São oito crianças que estão lá e eles nos levaram para uma praça que é próxima da sede deles. E foi uma coisa muito interessante, muito forte por sinal, porque essa praça que a comunidade frequenta é como se fosse uma ilha mais alargada de uma grande avenida. Então, ela não é assim, uma praça ou um parque, mas ela é uma ilha mais alargada. Ela margeia uma avenida e uma rua, tem brinquedos, aparelhos de esporte, etc e tal, tem caminhos, tem árvores e tudo, mas muito suja, muito suja! Mas mesmo a gente indo lá às quatro horas da tarde, tinha mãe com criança, com cachorro. Você vê que a comunidade usufrui daquele espaço. E uma das coisas que ficou para gente como uma pergunta era trazer para as crianças a percepção da sujeira da praça. E, quem sabe, isso seja um dispositivo para as crianças narrarem, se elas acham que tem que limpar ou não a praça, enfim. Qual é esse olhar, esse corpo dessa infância que se relaciona com esse espaço urbano? E o quanto, por exemplo, aquela sujeira afeta ela também. Então, assim, também é alargar e expandir as nossas perguntas diante daquele espaço: como esse espaço está dando ou provocando novas perguntas para nós do Lagartixa. Então, quer dizer, aquela praça é um espaço que está dado e ela já trouxe perguntas para a gente. Então, agora nós vamos elaborar isso, porque senão não tem sentido a gente ir para o espaço público. Porque não vamos para o espaço público para fazer acontecer o que eu quero, mas a gente vai para o espaço para entender o que ele nos diz também, e a partir dessas frestas, dessas liminaridades, perceber o que a gente pode construir de criação, de conhecimento e de relação. Então, está sendo muito interessante isso, porque poderia ser assim “Ah, essa praça é feia”, “Ah, essa praça é suja. Não vai ser bom com as crianças.” Não, não, não. É essa praça que as crianças usam, então nós vamos trabalhar conversando com a realidade dessa praça. E é lixo, muito lixo. Então, estava brincando que a gente vai ter que comprar umas vassourinhas para começar a varrer. Por que não? Essa é uma pergunta que está começando a pairar diante do que nos foi oferecido. Então, ok. É essa praça que você tem? É essa em que vamos trabalhar.

AT: Muito interessante. Além desse trabalho com as crianças nessas três comunidades, você disse que irão continuar com o trabalho artístico Com as coisas, certo?

UX: Então, e aí, o que que vai acontecer? Todo esse processo das derivas nas três comunidades vai ser acompanhado por um videomaker que vai registrar tudo, e depois nós vamos fazer um documentário e esse documentário depois nós vamos devolver para as comunidades. Então, depois a gente volta e apresenta o documentário para eles. E também vamos desenvolver mais duas ações: a gente vai fazer o Com as coisas com eles e também uma ação que a gente tem já há um bom tempo, que se chama Dançando juntos, que é Dançando juntes agora, e que é uma proposição de dança entre crianças e adultos, crianças e cuidadores, mas sempre nesse processo intergeracional de dançar juntos.

AT: E esse Dançando juntes é proposto a partir do próprio trabalho que foi desenvolvido com as crianças, com as audio-coreografias? Ou é uma outra proposta?

UX: Vamos seguir uma sequência de ações. Primeiro movimento de aproximação: fazer o Dançando juntes com a comunidade. Quer dizer, a gente vai construir essa relação do corpo, de confiança, de dança entre nós e as crianças. Depois, num segundo movimento, é que a gente irá apresentar o Com as coisas e depois a gente irá propor as derivas. Então, quando a gente for para fazer a deriva com as crianças, a gente já tem um elo, uma conexão com eles, com a comunidade, com a mãe, com a avó, com a tia. Porque o adulto que quiser acompanhar, pode. Entende? Não é uma coisa só para as crianças, mas se tiver um adulto, uma avó, uma tia, sei lá, quem queira ir junto, já está convidado. Então, movimentos de aproximação para chegar nas derivas.

AT: Agradeço muito por esse encontro, por sua disponibilidade de compartilhar experiências tão ricas que compõem a trajetória do Lagartixa na Janela em sua pesquisa entre dança, infâncias e espaço público.


1  A pesquisa foi realizada entre 2013 e 2016, no PPGAC da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob supervisão da Profa. Dra. Maria Lúcia de Souza Barros Pupo.

2  Cf. https://cocrianca.com.br. Acesso em: 02 jun. 2023.

3  Cf. https://www.artefactosbascos.com/ieltxu-ortueta-bio. Acesso em: 02 jun. 2023.

4  Escolhi o termo como modo de me referir aos participantes que ali se encontraram na condição de compartilhar percursos e projetos construídos coletivamente e/ou atravessados por parcerias, como no caso do artista Ieltxu Ortueta.

5  Cf. https://www.youtube.com/watch?v=lMPvhZGh6f4. Acesso em: 02 jun. 2023.

6  Poeta, escritor e educador, é um dos criadores da Virada Educação e membro do Criativos da Escola, projeto do Instituto Alana. Recebeu o prêmio Educador Inventor da Associação Cidade Escola Aprendiz e é colunista do UOL Educação.

7  Professora-artista, escritora e pesquisadora das relações entre infância e cena contemporânea. Professora do Curso de Licenciatura em Teatro da Escola de Belas Artes e do Programa de Pós-Graduação PPG Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na linha Artes da Cena.

8  É possível conhecer o Subprojeto Arte realizado entre 2020 e 2022 visitando seu site. Disponível em: https://sites.google.com/unicamp.br/resid-pedagogica-arte-unicamp/projeto?authuser=0. Acesso em: 02 jun. 2023.

9  O projeto foi concebido por Laila Padovan (Doutora - PPG Artes da Cena | IA | Unicamp), coordenado em parceria com a Profa. Dra. Ana Maria Rodriguez Costas (Dep. Artes Corporais | PPGAC | Unicamp) e realizado de modo colaborativo com José Teixeira dos Santos Filho (Mestrando do PPG Artes da Cena | IA | Unicamp), Juliana Raposo Semeghini (Mestra - PPG Artes da Cena | IA | Unicamp), Laís Cardoso da Rosa (Mestra em Artes Visuais com foco em Arte nas Esferas Públicas - ÉDHÉA/Suíça) e Flora Viviani (Bacharel e Licenciada em Dança IA | Unicamp), a qual atuou como bolsista (BAEF/SAE). É uma realização do Departamento de Artes Corporais (DACO), do Grupo “Prática como Pesquisa: processos de produção da cena contemporânea” e do Instituto de Artes da UNICAMP. Contou com os seguintes apoios: Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Unicamp; Coordenadoria de Extensão do Instituto de Artes da Unicamp; Espaço Cultural Casa do Lago da Unicamp; e do Salão do Movimento, espaço de criação e ensino, coordenado por Jussara Miller.

10  Nesta segunda edição, sigo compartilhando a coordenação do Subprojeto Arte com a Profa. Dra. Adriana do Nascimento Araújo Mendes (Curso de Música) e com o Prof. Dr. Edson do Prado Pfutzenreuter (Curso de Artes Visuais).

11  Apelido da Praça Doutor Vicente Tramonte Garcia, localizada no bairro da Pompéia em São Paulo.

12  Cf. https://www.youtube.com/watch?v=lMPvhZGh6f4. Acesso em: 02 jun. 2023.

 

 

 

13  Cf. https://www.youtube.com/watch?v=oPPnXZDRKN4. Acesso em: 02 jun. 2023.

14  Conceito criado pela artista Uxa Xavier que norteia sua percepção sobre as organizações e deslocamentos das crianças nos diferentes espaços da vida social.