Imagens sensoriais que sobraram


resumo resumo

Juliana Semeghini



Apresentação

Fui convidada para fazer parte do Projeto de Extensão Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas: criar comunidades para reavivar afetos com a cidade por sua idealizadora, a pesquisadora e artista da dança Laila Padovan, para contribuir com a criação do projeto de identidade visual, com sua divulgação e também com a elaboração de arquivos dos nossos encontros e práticas. Como tenho habilidades muito iniciantes com design gráfico e me interesso por criar metodologias processuais e disparadoras de ações coletivas, a partir de uma coleção de referências visuais, explorei suas materialidades plásticas para sugerir que o grupo responsável pelo projeto pudesse fazer o mesmo. Os registros do encontro com esses elementos pandêmicos demarcadores de distâncias se tornariam nosso arquivo comum, base para produzir o site e os posteres de divulgação. Ao conferir o site1 oficial do projeto, você encontra mais detalhes sobre os interesses de cada membro da equipe, os materiais estudados durante os Ciclos de Leituras e, especialmente, o acervo a qual me refiro, com fotos e depoimentos das oficinas que promovemos.

Na primeira parte desse artigo, conto com maior profundidade como foi o percurso de criar a identidade visual expandida do projeto, refletindo sobre a matéria sutil de engajamento coletivo entre as referências que a polinizaram. No último tópico, tento recuperar a experiência de ter participado dos Ciclos de Leituras, tentando repetir a operação de acessar esses encontros que se tornaram referências de pesquisa e criação, por meio de exercícios que exploram as materialidades táteis da memória desses debates.

 

“E, no entanto, e ao mesmo tempo (...)2

Bruna Paiva3 é uma educadora, artista multilinguagem e pesquisadora de São Paulo que hoje atua no núcleo socioeducativo do Sesc Avenida Paulista, especialmente focada em sua pesquisa cênico-educativa em que investiga dispositivos performativos e relacionais que mediam a relação entre bebês e adultos, compreendendo as infâncias como produtoras autorais de suas linguagens e saberes. Em julho de 2020, publicou na plataforma Medium o texto “Novas coreografias sociais pós-quarentena: a sociedade (e a escola) reinventada?”. Nele, Paiva articula suas primeiras angústias sobre as consequências das marcas que seriam deixadas por uma educação remota que claramente não era capaz de contemplar a todos, contando com a falta de infraestrutura das dinâmicas familiares para administrar as rotinas de estudo e temendo, especialmente, o retorno precoce das crianças para as escolas durante os picos de casos da Covid-19. Preocupada com as infâncias, a pesquisadora dedicou-se ao esforço de coletar imagens provocativas e urgentemente contemporâneas aos seus questionamentos, a fim de ampliar nosso repertório para lidar com a situação. Receosa de que as regras de distanciamento – imprescindíveis para evitar os riscos sanitários da contaminação cruzada e por vias aéreas – impusessem também, pela ordem, distâncias insuperáveis entre os laços afetivos, procurou nas fotos que ilustram o texto por possibilidades lúdicas de resistir às limitações impostas, operando em prol de um fazer coletivo.

No final do mês de junho de 2020, apenas algumas semanas depois da publicação de Bruna Paiva, o autor André Lepecki, em cujas reflexões a autora se embasara, publicou na coletânea Pandemia crítica4 – até então apenas online – que a Editora n-1 vinha organizando com pensadores que, assim como Paiva, no calor do acontecimento, sentiram necessidade inadiável de circular suas reflexões. Como Paiva (2020) não lera Movimento na pausa (LEPECKI, 2021) antes de sua postagem, me autorizo a ampliar questões sobre a tragédia anunciada da pandemia e a necessidade de reinventar as coreografias sociais com base no texto desse autor que já havia ocupado espaço substancial em seu artigo.

Talvez, neste ponto, valha situar o(a) leitor(a) nos três principais tempos que esse artigo costura, estando, por isso, a todo tempo correndo o risco de embaralhar as conjugações verbais. Todas essas leituras referenciadas foram feitas no tempo real de suas publicações, na emergência de nossos medos, na tentativa de construir um chão mínimo para seguir enfrentando a doença e as escolhas de morte feitas pelo poder até então vigente no país. O desejo de criar o Projeto de Extensão Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas foi anunciado por Laila Padovan já em julho de 2021, quando enfim vislumbrávamos a desaceleração dos casos graves da pandemia e a reestruturação dos hospitais para receber esses pacientes, à medida que prevíamos de que forma lidaríamos com as marcas deixadas pela crise. Entre abril e maio de 2023, rascunhei esse ensaio que tenta recapitular o projeto que aconteceu durante o ano de 2022. Resumindo, a linha do tempo desse texto dá saltos entre 2020, o ano do anúncio oficial da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), do confinamento e das informações sobre a doença que chegavam aos poucos e que iam afinando nossas palavras para descrever os eventos e como faríamos para superá-los coletivamente; 2022, ano em que se concentraram as ações do Projeto de Extensão, dando destaque aos Ciclos de leituras e oficinas conduzidas pelos membros da equipe; e 20235, ano de recapitulação, tanto de nossas angústias iniciais, quanto das memórias que o projeto colocou em relação, sem ainda ter distância o suficiente para mensurar as marcas que a pandemia deixou – mas diante da certeza de que ainda pouco se fala sobre o assunto cotidianamente, como se esses três anos de cuidados e resistência tivessem sido um grande hiato em nossas vidas.

Entendo que agora seja possível retomar as relações entre o texto de Bruna Paiva (2020) e as reflexões de André Lepecki (2021) com mais chaves de compreensão. André Lepecki é professor titular na New York University, onde coordena o Departamento de Estudos da Performance, por isso, vale lembrar que o texto “Movimento na pausa” foi originalmente escrito em inglês. Ao narrar em inglês eventos brasileiros para a audiência dos territórios ao redor de seu instituto e sala de aula, contando depois com a tradução de Ana Luiza Braga também dos trechos que dizem respeito às escolhas governamentais dos Estados Unidos, o ensaio cria um elo geográfico entre os leitores, reforçando a compreensão do “meridiano necropolítico” que era intenção do autor dar a ver. Apesar de ter nascido no Brasil e o português ser sua língua materna, o exercício de tradução acaba por formar essa paisagem entre os Estados Unidos sob o governo de Donald Trump (de janeiro de 2017 a 2021), a presidência de Jair Bolsonaro (2019-2022), e o espelhamento entre suas políticas de morte neoliberais. O ano em que escrevo esse artigo foi justamente aterrorizado por um grande marco desse espelhamento. No dia oito de janeiro de 2023, radicais de direita, apoiadores de Bolsonaro, furaram sem resistência da Polícia Militar o bloqueio para invadir os edifícios dos Três Poderes em Brasília. Os vândalos golpistas depredaram os prédios do Congresso Nacional, do Superior Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, destruindo obras de arte e bens públicos sem nenhum tipo de represália emergencial. Assistimos pela tevê esse terrorismo em ação exatamente dois anos e dois dias depois da invasão ao Capitólio, em Washington, em que apoiadores de Trump atacaram as câmaras no momento em que os congressistas certificavam a vitória do seu rival Joe Biden.

Os primeiros meses da pandemia exigiram uma desaceleração ética daqueles que tiveram a oportunidade de recuar e ficar em casa em respeito às vidas de quem precisava ir às ruas, mesmo quando os leitos dos hospitais estavam funcionando acima da capacidade. Lepecki (2021) reforça que as necropolíticas brasileiras e dos Estados Unidos de nada tem esse tipo de imaginação cuidadosa e ética. Bolsonaro adotou uma política declaradamente antivacina, desestimulando a imunização contra a Covid-19, além de criticar a adoção de medidas restritivas de circulação adotada pelos governadores a fim de amenizar a falta de gerenciamento da crise. Ou melhor, a escolha de lidar com a crise de forma a perpetuar as logísticas do expansionismo colonial branco.

Lepecki se propõe, então, a pensar sobre a falta de gestão da pandemia pelo viés do movimento, não só porque se dedica amplamente ao campo de pesquisa em dança, mas porque a liberdade de deslocamento faz parte fundante da promessa do projeto neoliberal. “A cinética liberal sujeita seus sujeitos a estarem sempre prontos a se movimentar sempre pelos caminhos considerados adequados ao movimento adequado ao poder” (LEPECKI, 2021, p. 234, grifo do autor). Afinal, uma vez que o ato de se movimentar livremente é o objeto de desejo da promessa, torna-se imediatamente aquilo que os poderes devem policiar e controlar. A lógica do distanciamento social, ou do lockdown – palavra de ordem em inglês utilizada com maior frequência em nosso país, fortalecendo o elo entre as políticas do Brasil e Estados Unidos – escancara as relações entre poder e agência de movimento, e as diferenças entre quem estaria autorizado ou não a se mover e por quais direções. Mesmo quem pôde permanecer em casa garantindo a estabilidade de seu trabalho, não esteve completamente livre na gestão de seus impulsos. Em casa, fomos permanentemente disponibilizados para os processamentos dos sinais em rede ultraconectada do capital, do trabalho e do consumo.

Esse convite que fiz ao(a) leitor(a) de saltar entretempos comigo, me deu a chance de colocar situações em perspectiva e de me reencontrar com textos que, lidos no início da pandemia, foram absorvidos na urgência da assimilação do medo. Aparecem para mim novos detalhes da releitura de, por exemplo, “Aprendendo do vírus”6, escrito por Paul B. Preciado também no primeiro semestre de 2020. As reflexões desse autor, que também é citado por Lepecki (2021), nos ajudam a pensar em que condições existe esse espaço doméstico cibervigiado, centro da economia do teleconsumo e teleprodução em que o movimento foi colocado em prisão domiciliar.

A produção teórica de Preciado, de modo geral, se apoia na leitura de Michel Foucault e os desdobramentos de sua análise histórica dos mecanismos pelos quais o poder gerencia a vida e a morte. Em “Aprendendo do vírus”, Preciado (2020) relê a obra de Foucault à luz da pandemia, notando como o Coronavírus escancarou a forma como as soberanias foram construídas. O autor localiza entre 1975 e 1976 as primeiras formulações de Foucault sobre a noção de “biopolítica”, em suas publicações Vigiar e punir e História da sexualidade, nas quais discutia sobre essa “forma de poder especializado que se expandia pela totalidade do território até penetrar no corpo individual” (PRECIADO, 2020).

Ao relembrar outras epidemias que a humanidade enfrentou, Preciado (2020) recorda que o próprio Foucault fora vítima da crise da Aids na década de 1980, falecendo em 1984, com cinquenta e sete anos. Depois de seu falecimento, muitos autores ampliaram suas hipóteses quanto às políticas de imunização, sendo o filósofo italiano Roberto Espósito um deles. Citado por Preciado por suas contribuições ao debate acerca da biopolítica, recorta a importância de suas análises sobre as noções de “comunidade” e “imunidade”, palavras de mesma raiz etimológica justamente porque se constituíram mutuamente. Nossa comunidade como a conhecemos se formou em torno das decisões de poder que definiram os corpos imunes (o corpo do homem branco cis heterossexual) em detrimento dos que seriam excluídos em um ato de proteção imunológica. Ou seja, a forma como as comunidades enfrentaram, enfrentam e enfrentarão suas epidemias faz parte do próprio DNA de seus poderes, que produzem proteção ou estigma.

Para Preciado (2020), a Covid-19 reproduziu nos corpos as políticas de fronteiras e medidas de isolamento que já eram aplicadas nos últimos anos aos imigrantes e refugiados, especialmente na Europa, de onde ele escreve. O corpo e a subjetividade já não são mais regulados apenas por sua passagem em instituições disciplinares, como quando frequentava a arquitetura das fábricas ou das escolas, mas por técnicas de biovigilância e transmissões digitais de nossos dados capturados. A essa Era Preciado deu o nome de “farmacopornográfica”, porque as recompensas por seguir os caminhos estipulados pela cinética liberal são medidas pelos níveis imediatos de nosso prazer a um nível molecular e farmacológico. Distendendo todos os limites, a nova fronteira seria, então, a própria epiderme. E por serem nossos corpos justamente os novos territórios do biopoder e nossos apartamentos, células de biovigilância, que se faz urgente inventar novas estratégias de emancipação. Se a nova fronteira é a epiderme, que seja da epiderme que surjam novas formas de ser para com o mundo. Que possa surgir uma contraproposta desde uma desconexão da internet que redefina a compreensão de comunidade. Durante o Projeto de Extensão Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas, à memória do qual esse dossiê se dedica, tentamos estudar juntos as formas de resistir que nos ajudaram a sobreviver até então, bem como as marcas que essas escolhas produziram. Que tipo de construções coletivizadas a arte pode recriar em tempos de emergência vírussocial? E o que será que os artistas ainda podem produzir em torno desse trauma?

Uma vez se propondo a pensar sobre a falta de gestão de crise da pandemia pelo viés do movimento, Lepecki (2021) sugere como possibilidade criativa enfrentarmos a contradição de que, apesar da cinética neoliberal sujeitar os indivíduos a se movimentarem sempre pelos caminhos do poder, é também através do movimento que se escapa desses mesmos aparelhos disciplinares. Romper a contradição no cerne da cinética liberal é inventar uma forma de habitá-la, não temendo o paradoxo de que os nossos movimentos podem ser policiados e, ao mesmo tempo, serem o único meio possível de desmontar o controle.

 

Este é o paralogismo paradoxal perpétuo e autogerado que o movimento traz para ambos os sistemas de poder, liberal e neoliberal: é a principal ferramenta para perfurar a disciplina e controlar a carne; mas é também o único meio possível para quebrar a disciplina, para iniciar o próprio desmonte do controle (LEPECKI, 2021, p. 236).

 

Aqueles que tiveram a escolha de desacelerar e seguir trabalhando o máximo possível de casa mesmo depois que as leis preventivas obrigatórias de lockdown não estavam mais em voga, ou que mantiveram os cuidados de higienização e o uso da máscara diante dos números ainda altos de casos graves e óbitos, podem ter sustentado essas decisões pelo desejo de manter o outro a salvo. Uma vez que esse distanciamento pudesse ser percebido como elo fundador da sociabilidade necessária para enfrentar essa situação – e mesmo que coincida com o movimento de controle de nos aprisionar em nossos ambientes domésticos cibervigiados – quanto menor a dança entre os sujeitos implicados, maior a amplificação do sentido de coletividade em nossa posição distanciada, e menor a disseminação do vírus. Essa preparação somática, motivada por Lepecki (2021), que sintoniza o corpo com as atenções aos menores deslocamentos, trocas e relações entre o próprio corpo e o espaço social, carrega os mesmos princípios da pequena dança de Steve Paxton – coreógrafo norte americano que desenvolveu o Contato Improvisação na década de 1970. Essa sensibilidade microperceptiva seria capaz de imaginar que entre os corpos distanciados resiste não um espaço neutro de significados, mas um campo sutil propício ao engajamento coletivo. A própria estrutura do texto de Lepecki (2021), estruturado em vinte e sete tópicos numerados, inclui necessariamente as pausas entre os blocos de argumentos e o elo de contato entre os fragmentos que se engendram durante o ato de leitura.

No tópico vinte e quatro, Lepecki (2021) cita uma pequena passagem da palestra de Tina Campt na Nottingham Contemporary7, publicada depois de ser transmitida ao vivo na página do YouTube da galeria inglesa, no dia 11 de junho de 2020, para reforçar a compreensão de que a pandemia realmente nos forçou a desacelerar, mas que a desaceleração também intensificou as lutas antirracistas, ampliando a prática lenta de testemunhar. Tina Campt é professora de humanidades no Departamento de Arte e Arqueologia do Lewis Center for the Arts na Universidade de Princeton e, em 2021, publicou sua pesquisa mais recente sobre como opera a mirada de artistas negros no livro A black gaze: artists changing how we see [Mirada negra: artistas que transformam a forma como olhamos]. A comunicação de Campt (2020) citada por Lepecki (2021) pode ser entendida como uma abertura do processo de escrita desse livro em que a autora desdobra as formas como a ética do cuidado desacelerado mencionado por Lepecki (2021) tomou espaço na obra de artistas negros e como suas práticas contemporâneas do olhar desafiam a noção normativa fundante da disparidade de que a negritude é um lugar fora do privilégio da branquitude. Vale a pena destacar a descrição da própria experiência de Campt ao participar da instalação performativa Sitting on a man’s head [Sentada na cabeça de um homem] proposta pelo artista nigeriano Okwui Okpokwasili, em parceria com o cineasta Peter Born, durante a Bienal de Arte Contemporânea de Berlim de 2018.

Campt parece experimentar primeiro a visão de uma espectadora que está fora da sala de jogo da instalação, de onde enxerga através de uma divisória translúcida a imagem de um grupo de pessoas aparentemente paradas. Ao se concentrar na sensação hipnótica de observar essas figuras fantasmáticas, percebe que não estão estáticas e sim caminhando muito lentamente, como que flutuando suspensas no tempo.

 

Assim que apresento a primeira imagem desse ensaio, tenho vontade de inaugurar também o convite para que o(a) leitor(a) enfrente-as como em conexão, como uma coleção que se articula em saltos. Se fixar essa imagem na retina, mais tarde vai poder relacioná-la com outros momentos relatados ao longo da experiência do Projeto de Extensão.

 

Sitting on a man’s head é inspirada em uma prática ritual de mulheres igbos, povo originário da Nigéria oriental, em que imobilizam os homens ao sentarem-se sobre eles para envergonhá-los publicamente. Essa prática de afirmação das mulheres de sua comunidade que foram ofendidas se estende entre queixas escandalosas e canções sobre seu mau comportamento até que os homens julgados se arrependam e se desculpem. Antes de entrar na sala cercada pelas cortinas membranosas, os participantes da obra eram guiados por uma conversa filosófica, com questões existenciais como a que mais marcou Campt (2020) quando foi provocada a imaginar como poderiam ser as sensações da experiência depois da morte. As vocalizações que foram captadas pelo vídeo-registro de Peter Born8 são reverberações consequentes dessa conversa preliminar. As seguintes instruções eram simples. A participante foi solicitada a encontrar um lugar na sala, respirar profundamente por três vezes e ir até um ponto extremo ao que se encontrava de forma lentíssima, sendo essa a medida do tempo de ocupar o espaço. Era, então, preciso focar-se para decupar um simples passo dessa caminhada lenta em seus milímetros de avanço, resistindo à gravidade e marcando a sua duração pelo ciclo de inspirações e expirações. A sala era ocupada por outros participantes que também experimentavam caminhar devagar. Dividir esse espaço de atenção criava justamente o campo intensivo de micro percepções, citado por Lepecki (2021). Campt está descrevendo obras de artistas que desaceleraram o encontro com a própria negritude e proporcionaram essa experiência tátil do que significa deliberadamente calcular o movimento a todo instante, temendo se desequilibrar ou ser derrubado. O corpo negro não está autorizado a correr, nem a ficar parado por muito tempo em um mesmo lugar (ouve-se a hiperatividade da polícia gritando para que circulem), e é por isso que Okpokwasili nos convoca a construir essa prática ética alternativa em que se toma conhecimento sobre a necessidade de cuidar dos vivos e dos nossos mortos.

Em determinado momento, Campt (2020) se percebe criando conexões anônimas e íntimas com os outros caminhantes, e no segundo em que passa a ouvir sua respiração compondo singularmente esse corpo coletivo, nos lançamos para a temporalidade pandêmica em que o movimento Black Lives Matter9 [Vidas Negras Importam – BLM] tomou proporções que extrapolaram as fronteiras dos Estados Unidos, após o assassinato de George Floyd em 25 de março de 2020 pelo policial Derek Chauvin, que se ajoelhou no seu pescoço e o sufocou até a morte. Suas súplicas “I can’t breathe!” [“Eu não consigo respirar!”] aderiram ao contexto das mortes das identidades excluídas devido às insuficiências respiratórias provocadas pela Covid-19. A pausa também foi condição necessária para se intensificarem os protestos antirracistas no Brasil, consequência desse movimento contatual improvisado a partir de uma pequena dança frente a tantas notícias de violência policial contra negros nas favelas do país. Essa construção do outro como um objeto ameaçador que deve ser eliminado faz parte de uma gramática do horror que utiliza o corpo alheio como espaço para escrever a sua lei.

O poema “Here It Is!” [Aqui está!], de Alice Walker (2018) faz parte da coletânea Taking the arrow out of heart [Tirando a flecha do coração], e foi dedicado a Jesse Williams após seu discurso no recebimento do prêmio da BET Awards10, por sua ação humanitária dentro do movimento BLM. Este é o trecho final do poema:

 

Try to think bigger than you ever have

or had courage enough to do:

that blackness is not where whiteness

wanders off to die: but that it is

like the dark matter

between stars and galaxies in

the Universe

that ultimately

holds it all

together11.

(WALKER, 2018, n.p.).

 

 

Alice Walker, mesma autora de A cor púrpura (1982), dedica esse seu livro de poemas a todos aqueles que, como ela, já caíram, removeram a flecha de desespero, da raiva, e se levantaram novamente. Na intenção de que um indivíduo não sinta que a flecha atingiu somente a ele, mas ao coletivo que se conforma a partir dessa pequena dança entre os versos e o que a lentidão revela sobre a matéria entre as galáxias.

 

Colecionar imagens que desaceleram

Na tentativa de encontrar na pausa, que a princípio foi uma medida exógena, a fonte para um movimento coletivo não condicionado, Bruna Paiva (2020) se cercou de uma coleção de imagens contemporâneas a partir dos seus questionamentos para abastecer o próprio fazer preocupado em reinventar coreografias sociais, especialmente para as infâncias. Ao reunir essas imagens, Paiva fez mais do que compor um painel, inventou a operação de colocar lado a lado fotos de situações em que se resistia em manter as relações humanizadas, apesar do distanciamento. Foi então que as imagens coreografaram também essa pequena dança entreterrórios, adensando a matéria-espaço que as conectavam. Acredito que esse tenha sido o motivo que fez sua publicação viralizar: a vontade estimulada em cada leitor(a) de expandir essa coleção, para cada vez mais ampliarmos nosso repertório de formas de nos encontrarmos com as paisagens. Entre suas imagens surgiam peças vestíveis que mantinham as possibilidades lúdico-afetivas do distanciamento; projetos de design para novos teatros; arquiteturas a céu aberto; até soluções mais simples como o uso de guarda-chuvas que delimitam necessariamente o espaço individual a ser respeitado – todas com comentários provocativos e muitas vezes contraditórios nas legendas. A maioria delas em vistas aéreas que deflagravam, em planta, as distâncias mantidas entre alunos, entre barracas de moradores de ruas e áreas de higienização, entre indivíduos na fila de vacinação, e as tristes distâncias milimetricamente estipuladas entre as valas do cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, para que fosse possível enterrar todos os nossos óbitos.

Espero que essa matéria vibrátil entre as imagens que Paiva exercitou acumular pelo desejo de expandir nossas capacidades de percepção sutil ao refletir especialmente sobre que ações educativas estariam por vir possa ser coextensiva às figuras que apresento nesse artigo. Então, um impulso me fez entrar em contato com Bruna Paiva durante a escrita desses parágrafos, e por sorte conseguimos agendar uma conversa no mirante do Sesc Avenida Paulista, admirando o céu de um daqueles finais de tarde de outono quando a azul disputa com os alaranjados. Três anos depois de sua publicação, eu estava lá pessoalmente para dividir como seu texto tinha me afetado, como voltava a afetar por novos detalhes e para ouvir histórias sobre o alcance inesperado do texto, e sobre essa vontade maior de que, ao percorrer o banco de imagens12, os olhares percebessem também que algumas regras estabelecidas nas fotos já faziam parte de nossas relações antes mesmo da pandemia. Considero que tenha sido essa também a minha intenção ao dar início à coleção de referências do Projeto de Extensão e em seguida experimentar os materiais que mais se repetiam e destacavam nas imagens para inventar as Partituras para um corpo em paisagens pandêmicas, maneira de estender o convite não só à equipe do projeto para partimos de nossas próprias coleções autorais para criarmos a identidade visual do projeto, mas também àqueles que se interessavam pelos temas que seriam discutidos a experimentá-los de forma tátil.

Montei e gerenciei uma mesa de referências na plataforma Padlet, onde é possível conferir de que forma as conexões entre visualidades e teorias foram se movendo, e acompanhar em várias direções as gêneses de nossas ações que estão dispostas nesse mapa de criação:

 

https://padlet.com/jursemeghini/8yscvocktgew7qo4

 

Para navegar, use o zoom out do próprio navegador (ou role o scroll do mouse enquanto aperta a tecla “Ctrl” do teclado) para perceber o mapa como um todo, e navegue com as barras de rolagem em direção ao elemento que deseja ler com maior qualidade, dando zoom novamente, dessa vez para ampliar a imagem. Repare que no canto esquerdo está agrupada justamente nossa coleção de elementos arquitetônicos que demarcam fisicamente as distâncias sanitárias necessárias para evitar o contato cruzado, como fitas ou divisórias de acrílicos. Nos interessamos pelos formatos das grades e redes de proteção, que impõem limites de aproximação e que, ao mesmo tempo, comunicam a forma das conexões que prevíamos tecer entre as ações do projeto: em formato de rede, com nós de acontecimentos, zonas intersticiais, e saltos de paisagem em paisagem.

Em 2005, o artista e designer francês Paul Cox criou a instalação Jeu de construction [Jogo de construção] para o complexo cultural Centre Pompidou em Paris, com várias mesas de bordas curvas que dialogavam com a estrutura das salas, e sobre as quais estavam vários blocos para construção de uma cidade possível. Apoiados em cavaletes, os tampos coloridos das mesas eram muito amplos para que a mão alcançasse todos os módulos de construir paisagens, e por isso as peças maiores eram usadas como ganchos e pinças. Durante o funcionamento da instalação, Cox inaugurou um blog13 para abrir seus processos criativos e diários de bordo, na esperança de receber comentários dos frequentadores da exposição. Nesse blog, Cox expõe desenhos do projeto, mas também outros trabalhos em que a pesquisa por determinadas formas, ou matérias esculturais, já vinha se anunciando, como no caso do interesse em representar nódulos e curvas dos veios das madeiras. Numa das páginas do caderno do artista, é possível ver como os estudos dessa superfície de estrias da madeira se transformou na operação de criar paisagens reticulares, topograficamente sinuosas, com pontos focais e zonas de exploração.

 

 

Entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016, a curadora Helena Tatay organizou a exposição Silentes14 sobre os trinta anos de trabalho da artista colombiana Johanna Calle no Museo de Arte del Banco de la República, em Bogotá (Colômbia). A exposição foi agrupada em quatro grandes eixos temáticos que abarcavam e explicavam globalmente os principais interesses de pesquisa de Calle, sendo eles a infância roubada das crianças desaparecidas anunciadas nos jornais cujo rosto a artista reproduziu na obra Nombre Próprio [Nome próprio, 1999]; o espaço urbano e sua investigação das favelas de Bogotá, levando em conta os materiais precários utilizados para construções desses abrigos mínimos e a preocupação sobre as reformas agrárias que visavam devolver terras para as vítimas dos conflitos armados; a linguagem e suas representações de poder; e os dados da intervenção do homem na natureza. Desses quatro grandes temas (a infância, o urbanismo, a linguagem e natureza), surgiram exercícios com arames descartados em canteiros de obras, intervenções datilográficas sobre silhuetas e desenhos fotográficos. Junto de seu marido Julio Pérez, Calle procurou por arquivos fotográficos analógicos vintage, e depois de analisar os testemunhos visuais de suas narrativas, escolheu as que mais se relacionam com seus temas de interesse para realizar intervenções sobre esses conjuntos. É o caso de Acento [Acento, 2013], em que apaga a superfície das fotos, retirando delas as pessoas e as ações em que estavam envolvidas, deixando apenas algumas arestas de seus espaços. Escolhi uma foto dessa obra para compartilhar que tem ela mesma um tom fantasmático, como se o registro da obra também fosse se rarefazer em novos silêncios visuais.

O site da exposição conta com o texto Espacio entre las líneas / Imágenes entre espacios [Espaço entre as linhas / Imagens entre espaços], que surgiu de um diálogo entre Luiza Teixeira de Freitas e Tomas Colaço (2021) sobre as nuances da obra de Johanna Calle. Com os arquivos de fotografias de casas e quintais austríacos idílicos que encontrara, Calle elaborou sua série de trabalhos com títulos que remetem a códigos musicais, e traços visuais que rementem às partituras e suas sonoridades, ou a ausência delas quando o silêncio se sobressai. Freitas e Colaço (2021) acreditam que as obras dessa fase são definidas por um atributo comum: a noção de paisagem. E que todas incluem a pausa não como um intervalo, mas como acontecimento e enunciado. Em entrevista cedida para a curadora da exposição, Calle (2021) afirma ter testemunhado a construção da obra House [Casa, 1993] de Rachel Whiteread em Londres, enquanto estudava na cidade, e diz ter se impressionado com esse processo que rendeu o Prêmio Turner à artista inglesa. Quando casas de uma vila vitoriana estavam sendo derrubadas para construção de um parque, Whiteread preencheu o volume da última casa que resistira com cimento, retirou as paredes que moldavam seu volume interior, e instaurou esse molde da ausência que duraria por menos de um ano, porque os poderes administrativos insistiram sem nenhuma consternação de que sua demolição era necessária para a efetivação do novo planejamento urbano. Vale a pena observar a imagem de Acento (Calle, 2013) em fricção com a escultura de Whiteread (1993) que de alguma forma deve ter polinizado a pesquisa de Calle.

 

 

 

 

Escolhi emparelhar essas duas imagens porque acredito que dialogam com as materialidades do Projeto de Extensão e a proposta desse artigo, em se tratando da memória de atravessamentos urbanos e intervenções em arquivos. Mas, na verdade, as obras de Calle que inspiraram em tempo real a criação da identidade visual do projeto foram as séries Las Restas [Subtrações, 2008] e Imponderables [Imponderáveis, 2009]. Malhas de arame de cobre sofrem pequenas deformações e quebras em suas tramas que podem representar a fratura do modelo, ou a fragilidade das estruturas e sistemas de controle. Johanna Calle e Paul Cox partilham o desejo de formar arquivos, de insistir nas variações de um exercício de desenho e desdobrá-las quase obsessivamente. Outras referências visuais podem ser descobertas ao navegar pela nossa mesa de referências no Padlet, mas nesse artigo decidi parear essas duas, em especial porque imaginei provocarem ainda mais o desejo de criar coleções.

 

   

  

 

Decantadas todas essas imagens de referências, criei a partir de sua leitura lenta cartões com indicações de partituras corporais a serem realizadas com materiais que movimentaram as temáticas do projeto, como a articulação em rede e suas linhas de fugas para novas configurações de comunidades temporárias e os elementos urbanos que demarcavam novas distâncias na cidade para evitar a disseminação do vírus. Essas partituras foram um convite, desde o início do projeto, para que o público que o estivesse acompanhando pudesse se colocar em pesquisa junto conosco da equipe. O convite continua sendo o mesmo. Assim como Bruna Paiva dividiu comigo, durante nosso café no mirante, seu desejo de que as suas coleções se espalhassem enquanto exercício de olhar mais lentamente, uma vez compartilhadas essas Partituras para um corpo em paisagens pandêmicas que criei, eu também gostaria que seus sentidos se alargassem no tempo para além da percepção de um determinado momento histórico. Que seguissem reverberando entre nós durante o enfrentamento de barreiras cotidianas, no atravessamento de fronteiras demarcadas claramente ou disfarçadas, e diante dos acordos tácitos entre aqueles que podem frequentar ou estar em determinados lugares. Durante o projeto, elas foram usadas mais pragmaticamente para criar nosso banco de imagens autorais para os fundos dos pôsteres de divulgação, para a montagem do site, para definir a paleta de cores de nossa identidade e também para apresentar os membros da equipe pelos seus desejos que pulsam em relação ao projeto.

 

 

 




 

 

 

 

Partituras para recuperar memórias

 

Hoje é dia 05 de maio de 2023, dia marcado pela declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, como o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional causada pela Covid-19. O anúncio não significa o fim da pandemia, apenas anuncia um período de transição em relação aos seus cuidados, de forma a serem equiparados às necessidades de prevenção de outras doenças infecciosas. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, concordou em divulgar o comunicado, diante da crescente imunização da população por vacinação e do alívio da pressão sobre o sistema de saúde. Ao todo e oficialmente, no mundo, quase sete milhões de pessoas não puderam ouvir essa notícia que ao menos pode indicar que estamos caminhando em direção a criar estratégias que talvez nos preparem melhor para lidar com crises dessa magnitude.

Aqui começa uma segunda parte do artigo, em que relato a experiência dos encontros dos Ciclos de Leituras promovidos pelo Projeto de Extensão. O que essa parte tem em comum com a primeira é que ambas revelam operações. Na anterior, concentrei-me em desvelar a operação de criar coleções de Bruna Paiva e, apoiando-me nesse gesto inaugural, propor verbos de ação que pudessem ser convites para que os leitores e a equipe do Projeto de Extensão também inventariassem suas próprias coletâneas. Essas coleções podem, como foi o caso, virar um projeto gráfico, movimentar uma intenção artística, ou fundar refúgios. Desse momento em diante, pretendo reaver minhas impressões sobre a experiência de ter estudado textos junto aos convidados dos Ciclos, participantes e equipe, tentando transparecer não só os temas de cada encontro, mas a forma que tomaram. O que proponho, então, é um exercício de leitura dos encontros do Ciclo de Leituras, menos por seu conteúdo temático e mais pelas dinâmicas que instauraram. Imaginando que o público que não conseguiu participar do projeto em tempo real possa acessar suas informações nas páginas desse dossiê escritas pelos convidados e pelos membros da equipe que narraram suas experiências conduzindo residências artísticas e oficinas.

Contarei, então, sobre as minhas memórias do processo ao mesmo tempo em que busco inventar ações que possam iluminar a memória do coletivo, sugerindo exercícios de rememoração a serem experimentados também pelo(a) leitor(a) que quiser se aproximar ainda mais da qualidade da experiência do Ciclo de Leituras, para além da interpretação dos relatos escritos – e que os inspirem ainda a buscarem formas de registrar os próprios processos. Reviver como os convidados apresentaram, em que contextos esse como foi produzido e transformar esse como em verbos de ação capazes de rememorar um evento distante. E, justamente por ter acontecido há um certo tempo, a lembrança deve dar a ver também o que se perdeu desde o afastamento e as operações dessa memória a longo prazo, que provavelmente deve reagir a vislumbres não lineares.

Em seu livro Percorrer a cidade a pé: ações teatrais e performativas no contexto urbano, Verônica Veloso (2021) traça um panorama de um modo de operar da arte contemporânea fundada no caminhar e investiga de que forma essas ações convocam o espectador a participar enquanto (re)descobre e experimenta o espaço urbano. No último capítulo, depois de catalogar várias modalidades do ato artístico e criativo de caminhar, dedica-se a refletir sobre os desdobramentos dessas práticas performativas, destacando a produção realizada depois do acontecimento. Veloso (2021) segue, então, com seu trabalho poético-enciclopédico de exemplificar movimentos possíveis para os arquivos de performances, que podem se dar como fotografias, vídeos, e outras narrativas até mesmo muito coladas com seus efeitos sobre a realidade, tornando visíveis as dinâmicas sociais.

Durante a década de 1970, o artista tcheco Jiři Kovanda viveu uma realidade nacional sob o domínio totalitarista da União Soviética e muito próxima das reverberações reformistas e agitações de movimentos sociais e culturais da Primavera de Praga (1968). Enquanto era ilegal que pessoas se tocassem publicamente, Kovanda propõe uma ação de qualidade absolutamente efêmera ao esbarrar de leve e propositadamente nos caminhantes da cidade.

 

As obras de Kovanda se encontram nessa camada ultrafina, imperceptível, mas muito reveladora das forças ideológicas que moldam o espaço público. Realizadas na década de 70, o único traço da existência dessas ações são fotografias que testemunham o ato de sua existência. Ou antes, obras como essas subsistem por meio das fotografias. Como microações no contexto urbano, elas contestam modos de vida de maneira quase invisível e silenciosa e criam pequenas resistências afetivas, embora sejam inapreensíveis para a maioria dos passantes (tocados ou não pelo artista) (VELOSO, 2021, p. 372).

 

Essas pequenas resistências afetivas, como descritas por Veloso, tem sua existência prolongada a partir da passagem da performance para outra linguagem, no caso a fotografia. Paisagens formadas na chave oposta da crise da pandemia da Covid-19, caso em que o ato de provocar o toque era bem-vindo, mas que revela da mesma forma as tensões da pequena dança entre esses corpos que enfrentaram juntos cotidianamente anos de repressão e violência política.

 

 
 

 

Outro exemplo citado por Veloso (2021) teve a chance de acontecer na cidade de São Paulo, de onde escrevo. Em 1995, o artista Francis Alÿs, nascido da Bélgica e atual residente da Cidade do México, realizou a ação The Leak [O vazamento]. Partindo de uma galeria, marcou sua errância pela cidade através do fio de tinta branca que vazava de um pequeno buraco feito na lata que carregava. Usando o chão como superfície de escrita, só foi capaz de retomar o percurso de volta à galeria seguindo o rastro que seu corpo havia produzido. Em São Paulo, parece que Alÿs propôs uma reportagem em que narrava sua experiência ao deambular e de quais métodos se ocupara para fazer suas escolhas de trajeto. Em 2002, o artista reperformou a ação em Paris, e mais uma vez o registro de sua caminhada ficou impresso no chão de maneira aleatória. Dessa vez, a ação também foi gravada em um vídeo que pode ser considerado material autônomo em relação ao evento. Segundo Veloso (2021), Alÿs ainda tem o costume de confeccionar cartões postais com fotos de suas ações e enviá-los para parceiros artísticos, ampliando o alcance territorial de suas obras. Vale a pena assistir o vídeo disponível no site oficial do artista, reparando na intenção de quem filmou em friccionar as perspectivas da cidade, ou as linhas que as formam, com as marcas deixadas pelo performer:

 

https://francisalys.com/the-leak/

 

Em todo caso, Veloso (2021) reforça que a produção dessas materialidades orbitantes ao gesto da performance inaugural são igualmente políticas e pedagógicas quanto o primeiro ato. Ou melhor, a ideia de repetição é parte constituinte da performance, e manipular seus vestígios também faz parte do ato performativo. “O que contorna a performance faz parte de certo modo da performance” (LAMY, 2013 apud VELOSO, 2021, p. 382), e é justamente a complexidade instaurada entre a rede de testemunhar, acionar arquivos e reordenar vestígios que localiza a prática performativa em um campo expandido de múltiplas direções (expandindo, por consequência, a própria definição de arquivo, gesto e testemunha). “Esse movimento promove um deslocamento de sentidos, ao invés de focar na proposição de formas estéticas ou na elaboração de visões a serem observadas, esses artistas voltam-se para o investimento em outros modos de vida possíveis” (VELOSO, 2021, p. 405). Da mesma forma, gostaria de contribuir com esse dossiê, que é o registro acessível ao público de algumas experiências vividas durante o Projeto de Extensão, com um artigo que não se encerrasse em si mesmo, sendo antes um disparador (assim como foi a minha experiência do evento) capaz de continuar deslocando sentidos depois de publicado. Acessado por outras novas comunidades acadêmicas, artísticas ou educacionais e produzindo materialidades adjacentes com potência para impulsionarem novas ações, novos projetos de extensão, ou menores acontecimentos a serem reperformados. Provocando possíveis encontros com a paisagem, e não só visões a serem observadas com distanciamento científico.

O Ciclo de Leituras do Projeto de Extensão foi promovido entre abril e outubro de 2022, e a cada última quinta-feira do mês, Laila Padovan mediou encontros sensibilizados pelos materiais disparadores que cada convidado separou, que se relacionavam tanto com suas pesquisas pessoais quanto com a temática guarda-chuva do projeto. Os debates com Marina Guzzo, Karina Dias, Josiane Cerasoli, Paulo Nazareth, Carlos Queiroz e Cassiano Quilici foram realizados através de plataforma de videoconferência e todos os materiais de leitura e referências complementares indicados por eles estão disponibilizados no site do evento15, formando um acervo-base para repensarmos juntos o que a arte pode produzir em torno do trauma social da pandemia.

Marina Guzzo, Professora Associada da Unifesp no Campus Baixada Santista, pesquisadora do Laboratório Corpo e Arte no Instituto Saúde e Sociedade, e artista, sugeriu a leitura de A virada vegetal, do filósofo italiano Emanuele Coccia. Para essa conversa de abertura baseada nas metafísicas de inspiração botânica, Guzzo nos convocou para agirmos desde a compreensão ampliada de que o mundo não deve ser mais lido apenas como um lugar onde as espécies coabitam, mas como a própria matéria com que se produz o corpo e suas relações. Para isso, conduziu um exercício de chegada em que despertávamos nossas presenças, mesmo entretelas, para que abríssemos o texto e experimentássemos formas de dizer em voz alta os trechos que foram grifados, até instaurarmos um ritmo de leitura conjunta. Propôs que aquecêssemos com a materialidade do texto, atentos à ordem em que a leitura afetiva acontecia para esse grupo específico, nesse tempo compartilhado. No dia do encontro, eu anotei que a voz do outro destacou parágrafos do texto que eu deixei passar desapercebidos, mas que, ao ouvi-los, recobraram sua importância, como se eu estivesse refazendo meus próprios grifos ao participar desse coro. A convidada encerrou o encontro contando sobre seu projeto Poda16 (2021), em que pratica ações com os restos orgânicos dos cortes das árvores em contextos urbanos, para discutir sobre as políticas públicas de cuidado com as espécies doentes, compreendendo a rua como uma paisagem multiespécies. Foi curiosa a escolha de mostrar esse material por último, mesmo que fosse a mais recente de suas ações, porque provocou a sensação de que os restos orgânicos de sua fala adubariam a conversa aberta que a sucedeu.

Karina Dias, artista e professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB), nossa segunda convidada para os debates, sugeriu a leitura de um texto autoral, Notas sobre paisagem, visão e invisão (2012), e dividiu conosco outro ensaio que segue em contínua formação. Na urgência de discutir o horizonte que se desenha nas paisagens depois da pandemia, leu em voz alta um texto que parecia estar à procura constante e performativa das palavras que apoiam sua construção, enquanto apresentava imagens que garantiam camadas para essa busca espiralada. Uma das perguntas que levantou na sinopse do encontro – “Como sonhar acordada, se debaixo dos nossos pés a terra insiste em tremer?” – deu essencialmente o tom de sua fala, que vibrava em estado de vigília por novos significados moventes para dizer com a paisagem. Em seu texto, Karina Dias (2012) marca o desejo de situar sua prática artística nos limites da visibilidade e instaurar o espectador como que no meio da neblina, exigindo que se desloque para fruir entre o que enxerga com nitidez e o que está fora do seu campo de visão. Quando perguntei sobre a citação do personagem Palomar do livro homônimo de Italo Calvino e o seu interesse pelo romance, a pesquisadora descreveu o primeiro capítulo do livro em que o protagonista faz o esforço absolutamente rigoroso de ler uma onda. Para evitar sensações vagas, Palomar traça o objetivo de ler cada componente de uma onda e determinar precisamente em qual quadrante ela se inicia e se liquefaz. O interesse, então, estaria justamente no que escapa dos quadros que Palomar tentou fixar, em um exercício que é de saída fracassado, afinal não se pode observar uma onda sem levar em conta as forças complexas que a formaram ou, como disse Karina Dias, arrancar um elemento dos elos que fazem com que o evento exista. Inspirado no capítulo “O canteiro de areia” do livro em questão (CALVINO, 2002, p. 77-79), ao final desse Ciclo de Leituras, propus um exercício rápido de escrita intitulado “Que vê?”, em que deveríamos escrever em fluxo durante cinco minutos. Inventariando o que nossas bancadas de trabalho, de onde nos conectamos, podiam oferecer à vista naquela situação específica, depois do nosso encontro. Sempre que a caneta parasse de correr ou interrompesse o curso, deveríamos tentar voltar à escrita começando com “Vejo...”. Recebemos algumas elaborações do exercício por e-mail, e elas estão publicadas em nossa mesa de referências Padlet.

Talvez seja um bom momento para retornar a ela: https://padlet.com/jursemeghini/8yscvocktgew7qo4. Mantenha o link ativo em uma aba do seu navegador para poder acompanhar os exercícios de escrita produzidos no encontro seguinte.

 

 

 

 

 

 

É interessante notar como os exercícios breves de escrita transformaram as mesas de trabalho e seus arredores em um espaço topográfico de acontecimentos que, em geral, começavam a ser descritos por suas materialidades objetivas e se desdobravam nas implicações subjetivas que levaram cada um a estar presente no Ciclo. Uma das imagens que mais me chamou a atenção na composição das paisagens de Karina Dias foi a da matemática e arqueóloga alemã Maria Reiche investigando o mistério do deserto das planícies peruanas de Jumana e San José (Figura 7). O obsessivo trabalho de Reiche em medir e mapear as Linhas de Nazca – complexo de ícones geométricos e em formato de animais desenhados no terreno em uma escala extraordinária –, a princípio apenas com uma escada de mão fazendo às vezes de torre de observação, contribuiu para a conservação desse patrimônio cultural da humanidade que só pode ser completamente apreendido em sobrevoo e, mesmo assim, sobre seus significados culturais só tocaremos suposições.

Josianne Cerasoli é professora no Departamento de História da Unicamp e também atua no curso de Arquitetura e Urbanismo. A pesquisadora convidada para o nosso terceiro encontro do Ciclo de Leituras indicou o livro de Leslie Kern (2021), Cidade feminista: a luta pelo espaço em um mundo desenhado por homens. Muito resumidamente, a autora propõe que a construção de uma cidade feminista interseccional deve reconhecer as alternativas que as mulheres já usam para apoiar umas às outras, e então inventar maneiras para que essas práticas de amizade se sustentem e se desdobrem dentro de uma estrutura urbana feita para e por elas. E mesmo que Kern (2021) tenha se preocupado em ser transparente quanto ao seu lugar de fala, Cerasoli fez questão de trazer a discussão para o nosso contexto, já que a autora reside em Toronto, no Canadá, e só dá conta de incluir em sua perspectiva parcial os fluxos migratórios para a região. Por isso mesmo, abre o debate compartilhando imagens dos jardins suspensos da Casa de Pedra, na favela de Paraisópolis, em São Paulo, construído pelo artista morador Estevão Silva da Conceição, que incrustou nas paredes estruturais de concreto, fragmentos de cerâmicas e outros objetos encontrados em antiquários ou doados por amigos. Outro incômodo da experiência de leitura de Cerasoli foi notar que, no livro, as agregações se davam em sua maioria pela falta, ou pela mais absurda carência. Na esperança de abarcar também outros modos de filiação, sua vontade declarada de trazer o desejo para o centro se refletiu em conversas com ideias criativas para os espaços de convivência da Universidade, localizando a demanda para o nosso entorno partilhado de interesses pedagógicos e afetivos. No painel do Padlet, restaram mapas desses desejos fragmentários e estruturantes.

Logo no começo do encontro, o artista convidado Paulo Nazareth anunciou gostar do que acontece com as palavras. Repetiu o título que escolheu para o Ciclo em voz alta: “deslocamento de coisas y gente”, que viu se transformar na sonoridade de “coisas exigentes”. Quando diz em voz alta, escuta os ecos do que foi dito e os rearranja de modo a expandir seus sentidos poéticos. Essa operação marca a importância das substâncias imateriais de sua arte, e os elos que constrói com a sua ancestralidade desde esse lugar de nomeação. É a partir da apropriação do nome de sua avó Nazareth que estabelece relações com o mundo. Sua voz, já que seu compartilhamento foi feito com a câmera desligada, era feita dessa espiral que renomeava mapas pré-existentes. As coisas e gentes vão e vêm, o trabalho vai e vem, suas lentes sobre os acontecimentos vão e vem. Conecta sua história, a da avó, da mãe, do tio, com a história do Brasil e do mundo. Se em um momento se refere ao caminho das Índias em busca de especiarias, logo nos convida para degustarmos os temperos usados por sua mãe. Dessa forma, uma expedição às Índias que encontra uma pedra no meio do caminho, a terra da África e sua dimensão, se transforma em um descolamento para se chegar à cozinha e ao desejo expandido de degustar a própria linguagem.

Para Carlos Queiroz, exercícios de nomeação também são importantes porque produzem sentidos e deflagram pontos de vista. Nosso quinto convidado é pesquisador-artista interdisciplinar e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e sugeriu a leitura de um texto autoral com questões muito próximas desse artigo que escrevo. Em Grafias de atravessamentos: arquivo-afeto de um corpo-mapa e sua desdocumentação minuscular, Queiroz (2020) investiga maneiras de registrar a experiência de ter participado do laboratório e festival Linha de Fuga que aconteceu na cidade de Coimbra, em 2020. Procurou intervir nos registros ao invés de descrevê-los, e criou propostas de como não legendar as imagens – operação que chamou de deslegendar, ou seja, friccionar escrituras com imagens de forma a produzir terceiras compreensões, ao invés de repetir o que já está sendo comunicado nas figuras. Mesmo comentando brevemente, já é possível perceber que o pesquisador também está revisando as práticas de documentar e agir sobre os registros de eventos efêmeros. Foi justamente por esse interesse mútuo que propus antecipadamente a possibilidade de provocar que algum tipo de registro fosse realizado ao longo do encontro. Então, nos convidou para construirmos uma nuvem de palavras, enviando ao decorrer do debate para a plataforma online Mentimeter, que permite criar apresentações interativas, palavras que nos tocavam. Terminou apresentando as escolhas poéticas e sonoras que alunos de sua turma fizeram ao compor o forró que dançamos juntos no final, movimentando nossas anotações diagramadas espacialmente. Como Queiroz propõe aos seus alunos que percebam e vivenciem o trabalho de campo na geografia como um trabalho de velocidades, desviando das rotas turísticas e escrevendo com as paisagens, Laís Rosa, da equipe do Projeto de Extensão, presenteou-lhe com uma citação do livro sugerido pelo nosso último convidado.

Cassiano Quilici, professor livre-docente do Instituto de Artes da Unicamp, encerrou nosso Ciclo de Leituras indicando o livro Caminhar, uma filosofia, de Frédéric Gros. O trecho que Laís trouxe à vista compõe o capítulo “Lentidão” da publicação, e peço a ela permissão para retomá-lo porque a passagem não só faz ponte entre os dois últimos encontros do Ciclo, como abarca os sentidos fundamentais desse artigo e a relação que propõe entre as paisagens de imagens que restaram do evento.

 

A lentidão consiste em aderir tão perfeitamente ao tempo, que os segundos desafiam, gota a gota, como uma chuva leve sobre a pedra. Esse estiramento do tempo aprofunda o espaço. É um dos segredos da caminhada: uma aproximação lenta das paisagens que as tornam progressivamente familiares. É como os encontros regulares que aprofundam uma amizade (...) Ao caminhar, não é tanto que nos aproximemos – as coisas que estão lá é que se tornam cada vez mais insistentes em nosso corpo (GROS, 2021, p.42, grifo do autor).

 

Essa ideia de aproximar-se lentamente das paisagens está sugerida em todos os encontros do Ciclo de Leituras, por todos os participantes, seja tateando aquilo que da paisagem é opaco, seja pelas práticas de cuidados das amizades entre mulheres, seja pelos silêncios que abrem espaço para escutarmos aquilo que não pode ser traduzido, nem enunciado. Quilici guia uma meditação para criarmos esse silêncio interno enquanto se caminha, criando um chão a partir da densidade de presença do corpo. Se Frédéric Gros (2021) cria uma coletânea de condições de partidas, em que o tempo de caminhar se confunde com o tempo dedicado à escrita, o exercício conduzido pelo convidado desafia direcionar o pensamento para um condicionamento mais intuitivo, capaz de desenvolver por escrito aquilo que emerge dessa percepção sutil da respiração. Nesse instante de finalização, deixo o convite para que o(a) leitor(a) respire fundo pelo menos três vezes e dê um salto em retrospectiva para a Figura 1, de nossa coleção de imagens que restaram lentas, tanto por sua condição de bruma, quanto pela maneira com que o artista convocou os participantes a entrarem nessa experiência meditativa em que caminhar é elemento da obra.

 

 





 

 

Referências

CALLE, Johanna. Conversación entre Johanna Calle y Helena Tatay. [Entrevista concedida a] Helena Tatay. Site Banrepctural – La red cultural del Banco de la República en Colombia, 18 de maio de 2021. Disponível em: https://www.banrepcultural.org/exposiciones/johanna-calle-silentes/conversacion-entre-johanna-calle-y-helena-tatay. Acesso em: 15 mai. 2023.

CALVINO, Italo. Palomar. SP: Editora Companhia das Letras, 2002.

COLAÇO, Tomas; FREITAS, Luiza Teixeira de; Espacio entre las líneas / Imágenes entre espacios. Site Banrepctural – La red cultural del Banco de la República en Colombia, 18 de maio de 2021. Disponível em: https://www.banrepcultural.org/exposiciones/johanna-calle-silentes/espacio-entre-las-lineas-imagenes-entre-espacios. Acesso em: 15 mai. 2023.

DIAS, Karina. Notas sobre paisagem, visão e invisão. Visualidades, Goiânia, v. 6, n. 1 e 2, 2012. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/view/18075. Acesso em: 15 mai. 2023.

GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Ubu Editora, 2021.

LEPECKI, André. Movimento na pausa. Tradução: Ana Luiza Braga. In: PERBALRT, Peter Pál (org.); FERNANDES, Ricardo Muniz (org.). Pandemia Crítica inverno 2020. São Paulo: edições SESC; n-1 edições, 2021. p. 229-239. Disponível em: https://www.n-1edicoes.org/textos/147. Acesso em: 15 mai. 2023.

KERN, Leslie. A cidade feminista: a luta pelo espaço em um mundo desenhado por homens. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2021.

CAMPT, Tina. The Slow Lives of Still Moving Images. Nottingham Contemporary - CAMPUS. YouTube, 11 jun. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JdKWocqaub. Acesso em: 15 mai. 2023.

PAIVA, Bruna. Novas coreografias sociais pós quarentena: a sociedade (e a escola) reinventada? Medium, São Paulo, 15 jun. 2020. Disponível em: https://brunaepaiva.medium.com/novas-coreografias-sociais-p%C3%B3s-quarentena-a-sociedade-e-a-escola-reinventada-1a8063c7b1ac. Acesso em: 15 mai. 2023.

PRECIADO, Paul B. Aprendendo do vírus. Tradução: Ana Luiza Braga e Damian Kraus. Pandemia Crítica. São Paulo: n-1 edições, 2020. Disponível em: https://www.n-1edicoes.org/textos/26. Acesso em: 15 mai. 2023.

QUEIROZ, Carlos. Grafias de atravessamentos: Arquivo-afeto de um corpo-mapa e sua desdocumentação minuscular. In: Arquivo das memórias possíveis - Documentação Linha de Fuga 2020. Coimbra: Ed. Linha de Fuga - Associação cultural. p. 113-169. Disponível em: https://www.academia.edu/65717483/Grafias_de_atravessamentos_arquivo_afeto_de_um_corpo_mapa_e_sua_desdocumenta%C3%A7%C3%A3o_minuscular. Acesso em: 15 mai. 2023.

VELOSO, Verônica. Depois de caminhar: rastros, vestígios e desdobramentos da prática performativa. In: VELOSO, Verônica. Percorrer a cidade a pé: ações teatrais e performativas no contexto urbano. Curitiba: Appris, 2021. p. 355-405.

WALKER, Alice. Taking the arrow out of the heart [livro eletrônico]. Londres, Reino Unido: Editora Weidenfeld & Nicolson, 2018.


1  Cf. site oficial do Projeto de Extensão Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas: criar comunidades para reavivar afetos com a cidade, disponível em: https://sites.google.com/view/entrepaisagens/o-projeto. Acesso em: 15 mai. 2023.

2  “E, no entanto, e ao mesmo tempo (...)” é como André Lepecki (2021, p. 236) abre o tópico 19 de seu texto, um dos que mais clarifica o paradoxo perpétuo e autogerado que o movimento traz para os sistemas de poder, sendo ao mesmo tempo ferramenta de controle e o único meio possível para se escapar do mesmo.

3  Cf. site oficial da pesquisadora Bruna Paiva, disponível em: https://www.brunapaiva.com/. Acesso em: 15 mai. 2023.

4  Cf. projeto Pandemia Crítica online, disponível em: https://www.n-1edicoes.org/textos. Acesso em: 15 mai. 2023. Em 2021, junto com a Sesc Edições, a Editora n-1 reuniu em dois volumes físicos (outono e inverno) os textos que foram circulados emergencialmente em sua plataforma online.

5  2023 foi também, é claro, o ano em que Luís Inácio Lula da Silva foi eleito, vencendo a recandidatura de Jair Bolsonaro. Claro que não podemos dar como vencida a batalha contra o projeto da extrema-direita no Brasil e no mundo que criou raízes profundas, mas finalmente temos um respiro para nos abastecer de esperança diante de certas retomadas e reconstruções. Desde que fora eleito, Lula resgatou emergencialmente crianças ianomâmis à beira da morte e enfrentou a disseminação do garimpo ilegal; retomou programas de auxílio social, como o Minha Casa, Minha Vida; e, no que diz respeito diretamente às nossas vivências acadêmicas, aprovou o reajuste de bolsas do CNPq e da CAPES, e recriou o Ministério da Cultura, extinto no desgoverno anterior.

6  O texto Aprendendo do vírus de Paul B. Preciado também faz parte da coletânea Pandemia crítica que a Editora n-1 reuniu em seu site na intenção de circular escrituras contemporâneas no auge do medo e da dúvida, para que refletíssemos sobre o contexto ao nos relacionar com cada nuance das palavras que os autores escolheram para descrever esse momento de crise, e resistir segurando firme às palavras que mais alargavam nosso modo de estar no mundo.

7  A galeria Nottingham Contemporary promoveu o programa de estudos intitulado CAMPUS, em que chamou convidados para discutirem modos alternativos de educação, práticas decoloniais, estudos da negritude e movimentos antifascistas. A palestra de Tina Campt, citada por Lepecki e ao mesmo tempo embasada nos estudos do autor, está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JdKWocqaub4. Acesso em: 15 mai. 2023.

8  Cf. vídeo sobre a instalação produzido por Peter Born disponível em: https://vimeo.com/277901356. Acesso em: 15 mai. 2023.

9  O movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] surgiu em 2013, a partir de uma publicação da professora e ativista Alicia Garza sobre a indignação de um povo contra a brutalidade do assassinato do jovem Trayvon Martin pelo policial George Zimmerman que fora absolvido. A artista e ativista Patrisse Khan-Cullors foi quem divulgou a mensagem de Garza pela hashtag que deu nome ao movimento. A escritora Opal Tometi convocou essas duas mulheres para ampliar ainda mais a voz do movimento na mídia contra o racismo e o desaparecimento desses corpos negros. Essas três mulheres negras ativistas organizaram um movimento horizontal que atua em diversas frentes, e que apoia o surgimento de novas lideranças negras, pela luta do feminismo negro, pelos direitos dos imigrantes, da comunidade LGBTQIA+, pela justiça racial, etc. Cf. o site oficial do movimento Black Lives Matter para atualizar-se sobre suas últimas notícias, chamamentos para ações, e para contribuir financeiramente. Disponível em: https://blacklivesmatter.com. Acesso em: 15 mai. 2023.

10  O BET Awards é uma premiação criada pelo canal televisivo norte-americano Black Entertainment Television (BET) que celebra anualmente as ações ativistas de artistas negros que atuam em ramos da cultura.

11  Em tradução livre, o trecho do poema citado soaria aproximadamente dessa forma em português: “Tente pensar além do que você jamais pensou; ou teve coragem suficiente para fazer; essa negritude não é por onde a branquitude vagueia na direção da morte: mas sim trata-se; da matéria escura; entre as estrelas e as galáxias no; Universo; que no fim das contas; sustenta tudo; junto.”

12  Nessa conversa, Bruna Paiva chamou minha atenção sobre outro texto publicado na sua plataforma Medium. Em Imagens da pandemia de A a Z: a educação estética da realidade (2020), Paiva volta a empreender a tarefa curatorial de reunir imagens relacionadas à pandemia e nos convoca a observar os dispositivos por trás das imagens selecionadas. Ao final, nos convida ainda para pensar esse banco público de imagens coletivamente, enviando nova cena que pudesse compor com as paisagens formadas em torno dos verbetes começados pelas letras do alfabeto. Cf. https://brunaepaiva.medium.com/imagens-da-pandemia-de-a-a-z-a-educa%C3%A7%C3%A3o-est%C3%A9tica-da-realidade-cec2639aceba. Acesso em: 15 mai. 2023.

13  Cf. blog criado por Paul Cox para dialogar com a exposição Jeu de construction para o Centre Pompidou em 2005, disponível em: http://paulcox.over-blog.com. Acesso em: 15 mai. 2023.

14  Cf. Material reunido pela exposição, que inclui entrevista por escrito e em vídeo com Johanna Calle, além de textos e fotografias de algumas obras, disponível em: https://www.banrepcultural.org/exposiciones/johanna-calle-silentes. Acesso em: 15 mai. 2023.

15  Cf. informações sobre os Ciclos de Leituras, disponíveis no site oficial do projeto: https://sites.google.com/view/entrepaisagens/ciclo-de-leituras. Acesso em: 15 mai. 2023.

16  Cf. mais detalhes sobre o projeto Poda (2021) no portfólio oficial de Marina Guzzo, disponível em: http://cargocollective.com/marinaguzzo/Poda-Pruning. Acesso em: 15 mai. 2023.