Paisagens Mutantes: processos de (de)composição em dança


resumo resumo

Laila Renardini Padovan




Imagem 1 – Desenho
de Lilian Walker durante a Residência Artística Paisagens Mutantes
.

Acervo da autora.

 

Fim

 

E eis a tragédia, na sua mais profunda dimensão metafísica: os viajantes penetram na zona sem que nada permita reconhecer os seus confins; o espaço ao que se acede é essencialmente semelhante ao que se quer abandonar, igualmente deteriorado, desarrumado, enferrujado, desmantelado: uma enorme lixeira, acumulação de destroços, de desperdícios, de objetos deteriorados que perderam definitivamente o seu lugar - um dos mais precisos imaginários da pós-modernidade como acumulação de detritos sem tempo nem sentido, de matérias sujeitas a uma inútil corrosão (REQUENA apud ROYO, 2017, p. 24).

 

Terra arrasada. Restos de civilização. Ruínas de construções, postes caídos, tanques de guerra abandonados, vagões de trem perdidos no espaço-tempo, armas de fogo submersas em corredeiras de água. Não há sinal de presença humana, só seus rastros. O que impera são as plantas que insistem em crescer em meio à destruição, que se entrelaçam por entre os destroços de um tempo perdido, retomando a vida a partir dos restos em decomposição. Essa paisagem distópica, evocada a partir das incríveis imagens do filme Stalker (1979) do cineasta russo nascido na União Soviética Andrei Tarkovsky, nos introduz poeticamente às temáticas deste artigo, reivindicando o início que se dá pela vivência da decadência e do fim.

 

 

 

Imagem 2 – Frame do filme Stalker de Andrei Tarkovsky.

 

 

No filme Stalker (1979), acompanhamos a jornada de três homens que decidem adentrar na Zona, um local abandonado e supostamente perigoso, onde é proibida a presença humana e onde ocorrem eventos estranhos e imprevisíveis. “A Zona em que se desenrola o filme de Tarkovsky é um território onde a Natureza, depois de uma aterrissagem de extraterrestres, tomou seu próprio rumo, sua própria evolução: é um território mutante […]” (CARERI, 2017, p. 13). Os vestígios de uma civilização decadente se encontram emaranhados pela vegetação em um território com vida própria, que reage à presença humana com armadilhas e mutações, exigindo daqueles que o adentram uma atitude de escuta, espreita e precaução.

 

Mas não podemos negar a ruína, a ponte a partir da qual se desvanecem as ilusões de limite. Se na cidade todos os elementos de conformação física se encontravam em degradação, numa condição ruinosa amplificada pelo preto e branco, na Zona – apesar da cor – os poucos elementos associados ao Homem, sejam postes de eletricidade, fundações incompletas ou tanques abandonados no meio da erva, parecem querer evidenciar uma espécie de eco da cidade exterior (ROYO, 2017, p. 23, grifo do autor).

 

As imagens do filme Stalker (1979) vêm aqui dar forma à intensidade de sensações vividas em meio à destruição decorrente do contexto político e social em meados de 2020 somado à eclosão da pandemia da Covid-19, que desencadearam vivências de isolamento, abandono e morte por entre ruas desertas de nossas cidades em desmoronamento. Ao mesmo tempo, a Zona, conforme retratada em Stalker (1979), aponta para algum indício de brotamento em meio às ruínas de nossa civilização, revelando o que surge dessa decadência do humano retratada em paisagens arrasadas presentes no cotidiano da cidade. Será possível alguma vida nas ruínas e não apesar delas?

 

Imagem 3 - Frame do filme Stalker de Andrei Tarkovsky.

 

Paisagens Mutantes

Envoltos por uma sensação de fim do mundo e rodeados pela morte de quase 15 milhões de pessoas, de 2020 a 2022 vivemos um estado de exceção que parecia nunca ter fim. Acostumada a desenvolver projetos e criações em espaços públicos cotidianos1, vi-me impelida a questionar como seria possível responder artisticamente a esse momento. As imagens do filme Stalker (1979) vieram à minha memória e deram o estopim para que eu intuísse como desenvolver um próximo projeto em dança contextual (ROYO, 2009). Mescladas às inspirações trazidas pelo filme, as leituras de Emanuele Coccia (2018b) acerca do universo vegetal, sugeridas por Marina Guzzo dentro do Ciclo de Leituras do Projeto de Extensão Poéticas do Corpo em Paisagens Pandêmicas: criar comunidades para reavivar afetos com a cidade, se emaranharam como trepadeiras em mim, invadindo minhas experiências de morte de forma a comporem a proposta da Residência Artística Paisagens Mutantes.

Realizada sob minha coordenação de maio a junho de 2022 na Casa do Lago (e seus entornos), localizada na UNICAMP, a Residência Artística Paisagens Mutantes também foi uma das atividades desenvolvidas no Projeto de Extensão Poéticas do Corpo em Paisagens Pandêmicas2 e contou com inscrições abertas a interessados em geral, com a criação de um grupo de aproximadamente quinze participantes que trabalhou em conjunto por seis encontros consecutivos, com duração de três horas cada, uma vez por semana, totalizando um mês e meio de experimentações, que culminaram na criação coletiva de uma performance itinerante compartilhada com o público. A seguir, compartilho a sinopse da residência, conforme divulgada na época de sua realização:

 

Através da experimentação de ações performativas nos espaços e entornos da Casa do Lago na UNICAMP, a Residência Artística, coordenada por Laila Padovan, se deixará contaminar por imagens do filme “Stalker” de Andrei Tarkovsky para trazer à tona três qualidades de relação entre corpo e paisagem: Corpo-Planta; Corpo-Porão; e Corpo-Contágio. Em Corpo-Planta, evocaremos a capacidade da natureza de se infiltrar em meio aos espaços construídos/destruídos pelos humanos, causando metamorfoses. Em Corpo-Porão, buscaremos os territórios esquecidos e perdidos no espaço-tempo, deteriorados, obscuros e inconscientes. Em Corpo-Contágio, traremos à tona tanto os medos de contaminação quanto o desejo do contato, abordando o universo das relações em uma poética das distâncias. Assim, em um território mutante, onde as plantas nascem por entre destroços em espaços abandonados, destruídos e esquecidos, reaprendemos a andar e habitar, a escutar e sentir, criando novas camadas de realidades improváveis. A partir destas experiências, visa-se refletir o momento crítico e de destruição decorrente da pandemia do Covid-19 e do contexto político atual, buscando maneiras de reavivar a relação do corpo com os espaços públicos cotidianos e estabelecendo redes afetivas. Durante os seis encontros, os participantes criarão um Diário com registros poéticos (textos, cartas, desenhos, mapas afetivos e fotos), e, ao final da residência, terão o desafio de criar coletivamente uma Ação Performativa a ser compartilhada com o público.

 

Vale ressaltar que durante o desenvolvimento da Residência (maio e junho de 2022) estávamos em um momento de retomada gradativa das atividades presenciais, com diversos cuidados e restrições sanitárias como, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de máscaras nos encontros, de forma que estivemos banhados de certo temor de contaminação e de uma relação de distanciamento intercorporal, que acabaram inevitavelmente permeando nossas criações e se tornando o próprio material de pesquisa.

Sintonizando como metodologia o Método Cartográfico (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2020) e a Prática como Pesquisa3 (GERALDI, 2019), as experiências vividas durante a Residência Paisagens Mutantes se constituem como nosso guia para as discussões deste artigo, perpassando as qualidades corporais vinculadas aos três eixos de sua pesquisa prática: Corpo-Planta; Corpo-Porão; e Corpo-Contágio; para então ver surgirem reflexões a partir dessas relações entre corpo e paisagem, em um profícuo diálogo com referenciais teóricos das artes da cena, bem como da antropologia, da filosofia, da arquitetura e da geografia.

Iniciemos, portanto, o percurso por essas três qualidades de relação entre corpo e paisagem, tendo como primeira imagem provocativa as plantas que brotam por entre os desmoronamentos e espaços esquecidos. Mas, afinal, o que as plantas podem ter a nos ensinar?

 

Corpo-Planta

Não há olho no meu corpo,

mas eu vejo tudo sim.

Mais que você, “bípede”.

Tenho minhas redes.

Meu toque sente na pele

que há por cima da

minha seiva: casca.

Sou a própria flexibilidade,

mesmo sem mobilidade.

Meu perfume é a causa

de você ter narinas.

Meus sons são do silêncio

e minhas palavras saem

do bico dos pássaros

que pousam em mim.

Você passa.

Eu parada.

Meus movimentos

são internos,

meu corpo é planta.

 

Kora Prince

(Participante da Residência Paisagens Mutantes, 2022).

A primeira qualidade da relação entre corpo e paisagem investigada na Residência Paisagens Mutantes foi o que chamei de Corpo-Planta. A partir da ideia de descentralização da percepção, buscando notar aquilo que normalmente não se nota, as práticas se iniciaram pela observação do que não é humano, buscando apurar os sentidos do corpo (visão, olfato, tato, audição, paladar) para a percepção do universo vegetal. Essa atitude encontra ressonâncias naquilo que a antropóloga Anna Tsing (2019, 2022) chamou de artes de notar, com a busca por uma variedade de tipos de atenção para descobrir, através dos cheiros, cores, gostos, texturas e sons, a existência de outras formas de seres que habitualmente passam despercebidos, para, então, aprender com eles.

 

Imagem 4 – Foto e desenhos de plantas de Maria Júlia Kaiser realizados durante a Residência.

Acervo da autora.

 

A escolha de nos atentarmos às plantas também se deu pelo local onde a Residência Artística Paisagens Mutantes se desenrolou: a Casa do Lago (localizada na UNICAMP) e seus arredores. Além de possuir uma arquitetura peculiar, com paredes de tijolinhos, um telhado curvo, grandes janelas de vidro e generosas portas que se abrem ao entorno, a Casa do Lago possui uma generosa vegetação que a rodeia, com um lago ao redor e um parque arborizado como vizinho. Tratando-se de uma pesquisa em dança contextual, ou seja, que é realizada fora das salas de ensaio e dos teatros e que considera o espaço cotidiano não como um cenário para a dança, mas sim como parte constituinte da criação, tornou-se importante nos colocarmos em relação com essa vegetação, aproximando nossos corpos das raízes, folhas, arbustos, sementes, trepadeiras, árvores e flores. Da junção entre a presença concreta das plantas nos entornos da Casa do Lago com as provocações geradas pelo filme Stalker (1979) de Tarkovsky, mergulhamos no ponto de vida (COCCIA, 2018b) das plantas a fim de compreender como é possível criar a partir e com as paisagens distópicas ocasionadas pela pandemia da Covid-19.

 

Imagem 5 – Fotos de práticas da residência Paisagens Mutantes.

 Fotos: Maria Julia Kaiser e Laila Padovan.

 

Inspirada por leituras de Emanuele Coccia (2018a, 2018b, 2020), as práticas corporais partiram do ponto de vida das plantas, de forma a experimentar uma relação de maior inseparabilidade e aderência ao entorno. Diferentemente da relação objetificada cultuada por nossa sociedade capitalista, com suas relações de uso e manipulação para fins produtivistas, a experiência de uma vida vegetal impossibilita esse distanciamento entre o corpo e o mundo, convocando o corpo a sentir-se parte do mundo e não algo externo a ele.

 

[…] toda forma de vida é também forma do mundo, que ela a um só tempo produz e contempla. É por isso que, para observar o mundo, não precisamos de um ponto de vista, e sim de um ponto de vida: o universo vive, ele é, em toda escala, um produto do vivente, e é somente ao vivê-lo que se poderá explicá-lo, não o inverso (COCCIA, 2018b, p. 11, grifos do autor).

 

 Segundo Coccia (2018a), a vida das plantas se dá através de uma exposição integral, “em continuidade absoluta e em comunhão global com o ambiente” (COCCIA, 2018a, p. 13). Ao fazer coincidir a contemplação com a criação, as plantas podem nos apontar outras formas de perceber e ser no mundo. Assim, nas práticas corporais da residência, buscamos estabelecer relações com a paisagem que não fossem distanciadas ou de quem observa a partir de um mirante, mas sim que estabelecessem uma maior intimidade, em relações em que o corpo é parte constituinte da paisagem, compondo-a a partir de dentro.

 

Perceber o mundo em profundidade é ser tocado e penetrado a ponto de ser alterado, modificado por ele. Para um ser séssil, conhecer o mundo coincide com uma variação de sua própria forma – uma metamorfose provocada pelo exterior (COCCIA, 2018a, p. 98, grifo do autor).

 

Em uma espécie de paradoxo, a planta, habitualmente encarada como um ser imóvel, foi o guia de nossas experimentações de movimento, em que acessamos estados e qualidades estranhas àquelas de nosso cotidiano, para então desenvolver uma dança que nascesse de ações como vibrar, cavar, bricolar, remodelar e enroscar. Uma das práticas propostas na residência teve como ponto de partida a leitura do seguinte trecho de A Virada Vegetal, texto de Coccia (2018b):

 

Imaginemo-nos sem olhos. Ao redor, nem cores, nem formas. Nenhum desenho ou silhueta. O mundo não se apresenta a nós como variedade de corpos e de intensidades de luz. É um corpo único, com diferentes graus de penetrabilidade.

Imaginemo-nos sem ouvidos. Não há ruídos, não há música, não há poesia. Nenhuma linguagem que possamos compreender. Tudo não passa de uma agitação silenciosa de matérias.

Imaginemo-nos também sem pernas. Não podemos nos mexer, a menos que algo nos atinja. Ou melhor, não podemos nos deslocar, mas sem parar somos tocados e atingidos por outros corpos e elementos. Não temos pernas, e o mundo à nossa frente não tem profundidade. Tudo deve existir em nossa superfície. Nossa pele coincide com os limites do mundo.

Imaginemo-nos sem braços e sem mãos para pegar e tocar as coisas, destilar e distinguir, na vasta soma de componentes do mundo, objetos, entidades fixas.

Imaginemo-nos sem órgãos de sentidos e de movimento, sem poder, entretanto, parar de crescer, modelar, remodelar, bricolar nosso próprio corpo, sua forma, seu volume, seus contornos, sua extensão.

Imaginemos tudo isso, e busquemos definir em que consistiria nossa experiência de estar no mundo.

Imaginemos tudo isso, e teremos uma ideia, por certo imprecisa e aproximativa, do mundo tal como se dá a ver e a viver as plantas (COCCIA, 2018b, p. 3, grifos nossos).

 

Na proposição prática desenvolvida com os residentes, destaquei do trecho acima três enunciados que apontavam para três diferentes qualidades de movimento, a partir das quais desenvolvemos improvisações em meio a área externa da Casa do Lago: 1. Agitação silenciosa de matérias; 2. Sem poder parar de crescer, modelar, remodelar, bricolar nosso próprio corpo; 3. Não podemos nos mexer, a menos que algo nos atinja. Os residentes experimentaram cada um desses três estados corporais na ordem apresentada acima, transitando de uma qualidade para outra para, posteriormente, poder mesclá-las em uma dança que surgia das sensações trazidas dessas imagens disparadoras.

Na primeira experimentação, a “agitação silenciosa de matérias” aguçou a percepção dos residentes, que passaram a notar em seus próprios corpos a agitação que se esconde atrás da suposta imobilidade das plantas, como uma pulsação contínua, uma vibração quase imperceptível, que agita matérias e coloca-as em movimento em um crescer que nunca para. Com a segunda indicação que lançava a ideia de “não poder parar de crescer, modelar, remodelar, bricolar o próprio corpo”, o crescimento lento e quase invisível foi gerando, pouco a pouco, grandes alterações de forma nos corpos dos residentes, em um processo contínuo de modelagem e bricolagem, em que brincavam de alterar constantemente os contornos de seus corpos através de movimentos tortuosos e estranhos, em processos de metamorfose. Os deslocamentos mais perceptíveis ocorriam a partir da terceira indicação, que anunciava “ser impossível se mexer, a menos que algo nos atinja”, na qual a partir da sensação de ser atingido por algum ser, como o vento ou um animal, os corpos experimentaram tombar, se deslocar e se inclinar de maneira imprevisível e repentina, gerando rompantes abruptos em meio ao ritmo constante e cíclico causado pela vibração e modelagem contínuas. Nessa experimentação, os residentes vivenciaram sensorialmente essas vibrações, crescimentos, bricolagens, modelagens, tombamentos e deslocamentos, em uma dança incomum e impossível de ser premeditada, permeada de um estado corporal em que uma pequena variação gerava grandes perturbações perceptivas.

 

Corpo-Porão

No porão seres mais lentos se agitam, menos apressados, mais misteriosos. (...) No porão, mesmo para um ser mais corajoso que o homem (...), a “racionalidade” é menos rápida e menos clara; não é nunca definitiva. No porão há escuridão dia e noite. Mesmo com uma vela na mão, o homem vê sombras dançarem na muralha negra do porão (BACHELARD, 1974, p. 367, grifos do autor).

 

A segunda qualidade de relação entre corpo e paisagem investigada na Residência Paisagens Mutantes foi Corpo-Porão. A fim de nos colocarmos sensíveis às paisagens abandonadas, deterioradas e obscuras evocadas no filme Stalker (1979), partimos dos escritos de Bachelard (1974) sobre o espaço do porão: um espaço esquecido, subterrâneo, que nos conecta com um lado mais profundo e inconsciente de nosso ser. Ali, abaixo da terra, a escuridão deixa os contornos turvos, as sombras ganham vida e os restos de objetos e lembranças empoeiradas trazem à tona aquilo que ficou à margem, aquilo que foi ocultado.

 

Imagem 6 – Desenho realizado por Lilian Walker durante a Residência Paisagens Mutantes.

Acervo da autora.

 

Inspiradas por Bachelard (1974) e o filme Stalker (1979), as práticas de um Corpo-Porão se iniciaram através de caminhadas sem rumo e estudos ligados a uma percepção que buscava se atentar às espacialidades esquecidas e desvalorizadas dos entornos da Casa do Lago: lixeiras, construções inacabadas, ralos e bueiros, objetos deteriorados, entulhos, cantos escuros e estranhos etc., de forma a trazer como foco privilegiado de nossa atenção aquilo que costuma ficar à margem. Ao invés de evitar e invisibilizar os elementos deteriorados da paisagem, buscamos mergulhar em suas estranhezas deixando que nosso trabalho de composição em dança não se relacionasse apenas com os espaços mais luminosos ou valorizados, mas sobretudo com aqueles mais opacos, obscuros e normalmente negligenciados. Ao pensarmos nessas diferentes qualidades de espaços, aproximamo-nos do que Milton Santos (2017) chamou de espaços luminosos e espaços opacos. Os espaços luminosos são entendidos por Santos (2017) como espaços mais hegemônicos, valorizados e espetacularizados, que obedecem a um ritmo ligado aos parâmetros produtivistas de nossa sociedade capitalista; locais com formas de uso bastante determinadas e controladas, havendo pouca possibilidade de vivências mais criativas. Os espaços opacos, por sua vez, são lugares mais esquecidos e desvalorizados, muitas vezes abandonados e deixados à própria sorte, onde sua indeterminação acaba possibilitando o surgimento de ocupações mais criativas e que fogem dos determinantes sociais. Nessas dobras ou sobras do espaço, onde há um menor controle, vemos uma mistura de degradação com brotamento, em um paradoxo que aponta para aquilo que nasce em meio ao abandono e não apesar dele.

Na Residência, o encontro com esses espaços esquecidos e obscuros nos provocou a deixar de lado a necessidade de controle, em sintonia com uma relação com o espaço mais inconsciente, ativando o corpo através de práticas de desorientação e descontrole, a fim de acionar qualidades de relação de não domínio com a paisagem. Dentre essas práticas realizadas, destaco a seguir duas investigações em que partimos da sensação de peso da cabeça como forma de acionar ações como a queda, o desmoronamento, o descontrole e a desorientação.

Na primeira prática, realizamos nossos estudos de movimento na passagem de pedestres que fica logo ao lado da Casa do Lago e que interliga a UNICAMP à cidade. Ao invés de uma fronteira fina, trata-se de uma longa rua de acesso que se institui como lugar de passagem para estudantes, funcionários e habitantes da universidade, e que possui, em toda sua extensão, laterais cercadas por alambrados que delimitam os limites com o lago, de um lado, e com o parque, do outro. Nesse momento, essas paisagens vizinhas só foram acessadas por nós através da visão por entre as grades do alambrado, já que não havia nenhuma passagem que viabilizasse adentrá-las. Ali, em meio a um lugar de fronteira e de passagem, desenvolvemos uma experiência corporal em que os residentes vivenciaram a entrega do peso de suas cabeças como indutor de movimentos imprevisíveis, passando por uma sensação de que o espaço girava e se movia ao redor. Ao deixar suas cabeças vulneráveis à força da gravidade, invertemos o padrão corporal em que a cabeça se constitui como um lugar de orientação, para vivenciá-la como provocadora de desorientações entre o vertical e o horizontal, frente e trás, em movimentos imprevisíveis de queda e circularidade que traziam a forte sensação de que o espaço ao redor não era estático, mas se movia de maneira veloz. O peso da cabeça conduzia o movimento, impossibilitando a visão focada e ativando uma visão periférica e difusa, levando a um não controle dos movimentos em um estado de certo torpor. Essa movimentação causava deslocamentos imprevisíveis na passagem de pedestres de forma a não seguir o fluxo habitual dos transeuntes, com trajetórias menos retilíneas e direcionadas, e mais multidirecionais, curvas e cheias de atravessamentos. Isso causava um ruído nos deslocamentos unidirecionais dos passantes, atrapalhando-os de forma a forçar desvios, pausas e curvas, em um estado de atenção às rupturas dos fluxos cotidianos do espaço.

Essa experiência de inversão, em que a cabeça deixa de nos orientar para nos desorientar, encontra ressonâncias também nas leituras de Emanuele Coccia (2018a) acerca das raízes de uma planta. Em um desenho realizado após essa prática, uma das residentes trouxe a imagem de uma cabeça que tinha cabelos como raízes, em uma inversão da verticalidade, como se o corpo e, consequentemente, o mundo, estivessem de cabeça para baixo. A cabeça que busca o solo e não o céu altera nosso sistema perceptivo, vinculando-o menos a uma apreensão racional do ambiente e mais atrelado a um reconhecimento sensorial e tátil. Essa busca ativa da cabeça pela queda e pelo solo segue o sentido descendente de orientação das raízes, adentrando a terra em busca de zonas escuras, desconhecidas e inconscientes.

 

Imagem 7 – Desenho de Maria Júlia Kaiser durante a Residência Paisagens Mutantes.

Acervo da autora.

 

 

 

Seria um erro ver nesse amor pela terra o simples efeito da gravidade: a raiz não se limita a perceber e sofrer passivamente a força gravitacional, como faz todo corpo na superfície da Terra. Por certo, a gravidade é “a força mais constante e mais permanente entre todas as forças ambientais que agem sobre as plantas”, mas sua reação à gravidade não é a mesma que encontramos nos corpos animais. Não é simplesmente o efeito do peso, é uma atração diferente, uma força de crescimento dirigida para o centro do planeta (COCCIA, 2018a, p. 83).

 

Imagem 8 – Foto de prática corporal realizada durante a Residência Paisagens Mutantes.

Foto: Laila Padovan

 

Ao acionar essa inversão, vivenciando uma cabeça atraída pelo universo subterrâneo, adentramos em camadas inconscientes de nossa subjetividade, camadas escondidas e obscuras que foram deixadas de lado. Mais uma vez, nos aproximamos da imagem do porão, correlacionando-a com as qualidades inerentes às raízes de uma planta que adentra e cava fundo a terra.

 

O porão é em primeiro lugar o ser obscuro da casa, o ser que participa das potências subterrâneas. Sonhando com ele, concordamos com a irracionalidade das profundezas. […] O sonhador de porões sabe que as paredes do porão são paredes enterradas, paredes com um lado só, que têm toda a terra do outro lado. […] O porão é pois a loucura enterrada, dramas murados (BACHELARD, 1974, p. 367).

 

Ainda em busca de acionar um Corpo-Porão, realizamos outra prática em que o peso da cabeça era o condutor da experiência, mas dessa vez tivemos como inspiração uma cena do filme Stalker (1979): logo no início do filme, uma personagem feminina sentada em uma cadeira cai, desmorona, iniciando essa queda pela cabeça que, ao deixar-se pesar, acabava por arrastar consigo todo o corpo, até estar totalmente rente e entregue ao chão. Em um gesto que parecia expressar desespero, exaustão e desistência, essa queda espelhava um pouco das sensações de desmoronamentos que o grupo de residentes vinha sentindo frente à dura realidade que vivíamos com a pandemia e com o contexto político de destruição. A partir dessa cena do filme, vivenciamos essa mesma partitura de movimento: a queda de uma cadeira a partir do peso da cabeça, sentindo esse corpo que desiste e sucumbe. Experimentamos também como seria vivenciar no corpo tentativas de restabelecimento da posição sentada através de uma espécie de escalada da cadeira, sentindo ainda o corpo pesado, mas buscando com alguma insistência e resistência restabelecer a posição inicial para, a seguir, ser novamente tragado pela força atratora da terra, em uma nova queda. Em um movimento cíclico de queda e de tentativa de recuperação, fomos experienciando um estado ruinoso, em que algo está sempre em deterioração e desmoronamento, mesmo com as insistentes tentativas de regeneração em meio às mortes diárias e cotidianas. Essa repetição cíclica acabava por trazer um estado próximo ao de esgotamento.

Em nossas tentativas de acionar um Corpo-Porão, vivemos através das práticas corporais o descontrole, a desorientação, o torpor, a desistência, a ruína, a queda e o esgotamento, entregando-nos mesmo que momentaneamente a essas destruições, em espaços “cuja única forma de cuidado é o abandono” (CARERI, 2017, p. 15).

 

Corpo-Contágio

 

O corriqueiro é uma dança de lama com multiparceiros que emerge de espécies emaranhadas e nelas. [...] Esses são os contágios e as infecções que ferem o narcisismo primário de quem ainda sonha com a excepcionalidade humana. São também os remendos coletivos que dão sentido ao devir-com das espécies companheiras nas naturezasculturas. Cum panis, comensais, olhar e olhar de volta, envolver-se: esses são os xis da minha questão (HARAWAY, 2022, p. 49).

 

A terceira qualidade de relação entre corpo e paisagem, pesquisada durante a Residência Paisagens Mutantes, foi o Corpo-Contágio. Imersos em um contexto pandêmico que começava a esboçar seus primeiros passos na retomada de atividades presenciais, os residentes inevitavelmente trouxeram em seus corpos tanto o forte desejo de contato quanto um grande receio de contaminação. Pudemos vivenciar o jogo que se dava entre distanciamentos e aproximações, sempre cautelosos, que espelhavam as condições atípicas às quais estávamos inseridos.

Durante o período de isolamento social causado pela pandemia da Covid-19, estivemos não apenas distanciados concretamente, como também nossas relações com os outros e com o espaço sofriam de um forte cerceamento sensorial. Não era mais possível nos lançarmos aos odores de um lugar com nossas máscaras de proteção que reduziam o contato com estímulos olfativos. O tato era evitado a todo custo e, quando era imprescindível, deveria ser realizado com luvas ou, então, seguido do uso de álcool em gel e da higienização criteriosa das mãos. Devíamos nos manter a uma distância segura do outro e, de preferência, fechados em nossas casas e apartados das estimulações das ruas e seus espaços públicos. A visão perdeu profundidade, pois, acostumados com nossas telas de computador e celular bidimensionais, quase nos esquecemos da espessura do mundo lá fora.

No entanto, vale lembrar que a experiência da pandemia foi muito além de uma vivência de isolamento e cerceamento sensorial. Nós, participantes da Residência, éramos aqueles privilegiados que tiveram alguma possibilidade de seguir as recomendações de saúde, enquanto boa parte da população brasileira não tinha condições básicas de sobrevivência, estando expostos a contaminações e às precariedades de uma sociedade que perecia. Além disso, o descaso de um governo que não apenas não dava as condições mínimas de sobrevivência, como também parecia intencionalmente querer o caos e a destruição, gerava em nossos corpos a revolta de estarmos impotentes perante tantas mortes diárias de milhares de pessoas. Tudo isso estava lá presente nos corpos dos residentes que, ainda confusos com tantos desmoronamentos, buscavam meios de retomar relações de afeto e criação mesmo em meio ao medo, à exaustão e a uma realidade distópica.

Ao refletir sobre esse momento, a palavra “contaminação” vem impregnada de um grande medo. Era necessário nos protegermos, selarmos nossos corpos para qualquer contato externo que pudesse ser contagioso. Ao mesmo tempo, estivemos frente a frente com nossa fragilidade e passou a ser difícil ignorarmos que somos seres entrelaçados, dependentes e precários, sujeitos a atravessamentos e invasões, bem como sedentos de colaborações e compartilhamentos. Entre fechar-se e abrir-se ao outro e ao mundo, a Residência Paisagens Mutantes reverberou essas sensações paradoxais e viu na cooperação entre seres não simplesmente uma ameaça, mas sobretudo uma potente possibilidade de sobrevivência. A partir desse lugar, a contaminação pode ser encarada para além dos sentidos vinculados ao adoecimento, sendo uma condição presente em nossa vida como seres interdependentes.

 

O problema da sobrevivência precária nos ajuda a ver o que está errado nessa premissa. A precariedade é um estado de reconhecimento da nossa vulnerabilidade aos outros. Para sobreviver, nós precisamos de ajuda, e a ajuda é sempre um serviço de outrem, intencional ou não. […] É o privilégio presunçoso que nos permite fantasiar – na contramão dos fatos – que cada um de nós pode sobreviver sozinho. Se a sobrevivência sempre envolve alteridade, ela também está necessariamente sujeita à indeterminação das transformações de si e dos outros. Colaborações nos transformam, seja no interior de nossa espécie ou entre espécies distintas. […] Ao invés de atentar somente para as estratégias de expansão-e-conquista de indivíduos implacáveis, precisamos buscar as histórias que se desenvolvem por meio da contaminação (TSING, 2022, p. 75).

 

Imagem 9 – Foto de participantes e espectadores após a Performance Corpo-Planta.

Foto: Beatriz Posto

 

Ao observarmos o trabalho corporal realizado durante a Residência Paisagens Mutantes, ressalto o cultivo de um corpo vulnerável e não ilusoriamente autossuficiente, alinhando-se à argumentação de Anna Tsing (2022) a favor de um corpo sempre precário, que depende de relações colaborativas e de contaminação para sua própria sobrevivência. Nos encontros do grupo de residentes foi possível cultivar relações interdependentes e colaborativas que foram gradativamente dando sustentação à continuidade do grupo e à possibilidade de criarmos conjuntamente uma performance. O grupo chegou à Residência com um grande ímpeto de estar junto e foi arduamente resistindo às interrupções momentâneas ocorridas devido a algumas infecções coronavírus e a vários outros adoecimentos físicos e emocionais de toda ordem. Não houve nenhum contágio por coronavírus causado pelos encontros da residência, mas, mesmo assim, fomos atravessados por diversos adoecimentos, sendo que em cada encontro ao menos duas pessoas faltavam por se encontrarem com a saúde frágil. Isso foi agregado ao nosso funcionamento enquanto grupo, com gestos de cuidado e atenção, e a insistência do grupo de sustentar a pesquisa mesmo com as ausências, um dando suporte ao outro, fazendo com que nossos encontros não sucumbissem a tantos atravessamentos. Seguimos, deixando que essas sensações permeassem nosso fazer artístico, com a tranquilidade de que o resultado, que se concretizaria em uma performance a ser compartilhada com o público, seria honesto em relação ao momento atípico que vivíamos. Ao final, foi notável a criação de laços de afeto que foram a base de nossa criação conjunta e viabilizaram seu compartilhamento com o público.

 

Minha premissa é que o toque ramifica e molda a prestação de contas. Prestar contas, cuidar, ser afetado e entrar na responsabilidade não são abstrações éticas: essas coisas mundanas e prosaicas são o resultado de nos envolvermos uns com os outros. O toque não torna alguém pequeno: salpica os parceiros com locais de vínculo para a mundificação. Tocar, considerar, devolver o olhar, devir-com… Tudo isso nos torna responsáveis pelas maneiras imprevisíveis nas quais os mundos tomam forma. No toque e no olhar, os parceiros, querendo ou não, estão na lama miscigenada que infunde nosso corpo com tudo o que trouxe esse contato à existência. O toque e o olhar têm consequências (HARAWAY, 2022, p. 58).

 

Esses envolvimentos mútuos e relações de cuidado evocados por Haraway (2022) são baseados em gestos corporais concretos, no toque da pele, no devolver o olhar, em relações de parceria que se dão através de contatos corporais. Nas práticas da residência, a estimulação dos sentidos do corpo na percepção de paisagens e de seus múltiplos seres esquecidos traçou as condições para esses envolvimentos e parcerias, ativando um corpo vulnerável por meio de práticas sensíveis podendo ser comparadas às artes de notar de Anna Tsing (2022). Cheiros, gostos, texturas, cores e formas puderam ser sentidos mesmo respeitando as normas sanitárias, resgatando a importância de um corpo permeável ao mundo e que o vive a partir de dentro e não o observando de fora como uma imagem bidimensional de uma tela de computador. O reencontro com o próprio corpo, em sua relação sensível com o outro e com o mundo, foi a base de nossos encontros, que não negaram o estado corporal enrijecido e, ao mesmo tempo, fragilizado que todos nós havíamos vivenciado, mas o acolhia como parte de nossas pesquisas.

 

O mais importante é que [...] se tornem indefesos como crianças porque a fraqueza é grande, enquanto a força é nada. Quando o homem nasce é fraco e flexível. Quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore cresce é tenra e flexível. Quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte. Flexibilidade e fraqueza são a frescura do ser (STALKER, 1979).4

 

Oscilando entre proteções e aberturas, a qualidade de um Corpo-Contágio foi pouco a pouco construindo danças que criavam uma espécie de poética de distanciamentos e aproximações. Relações foram traçadas, espaços foram habitados e pudemos sentir a possibilidade de criação a partir da aceitação da precariedade.

 

Composição

1. ato ou efeito de compor;

2. forma como os elementos de um todo se organizam; organização, disposição;

3. todo resultante da disposição das partes componentes; combinação.

(COMPOSIÇÃO, 2023)

 

Ao final da Residência Artística Paisagens Mutantes, tivemos o desafio de criar coletivamente uma performance a ser compartilhada com o público. A partir de ideias surgidas das práticas que havíamos realizado, era o momento de dialogar entre nós para compormos algo juntos. A primeira escolha foi de conceber uma performance que se desse em deslocamento, ou seja, não elegeríamos um único espaço onde nossas ações se desenrolariam, mas sim passaríamos por diversas localidades através da composição de uma trajetória. O andar, enquanto prática estética (CARERI, 2013), foi um dispositivo bastante utilizado nos encontros durante o processo de pesquisa, acionando diferentes qualidades de relação com as paisagens, o que fez com que essa escolha por uma performance itinerante se desse como uma consequência dessa característica de nossas próprias investigações.

 

Escolhemos o percurso como a forma de arte que permite sublinhar um lugar, traçando nele, fisicamente, uma linha, uma senda que desaparecerá depois de nossa passagem. Uma forma de arte nômade que […] é, ao mesmo tempo, uma leitura psicogeográfica, um meio de conhecimento fenomenológico, uma interpretação simbólica do território, uma representação (CARERI, 2017, p. 24).

 

Outra inspiração para a composição da performance como uma trajetória foi mais uma vez o filme Stalker (1979). Na história, os três homens que adentram a Zona realizam um percurso desconhecido por esse território mutante, tendo um deles como o guia: o stalker, que dá nome ao filme. Nessa trajetória incerta, não é possível ir ao ponto de chegada diretamente, é necessário traçar um caminho mais tortuoso que só vai se definindo no próprio caminhar e em diálogo com cada detalhe do território. Não é possível também voltar ao local de origem pelo mesmo caminho, pois o caráter mutante da paisagem exige que se trace uma nova trajetória a partir das transformações do lugar. Por entre desvios, tropeços e armadilhas, o Stalker vai buscando tecer uma escuta sensível das paisagens, consideradas seres com vida própria, que respondem e agem, e que propõem a outros seres que as atravessam uma atitude de presença, espreita, cuidado, atenção e respeito, pautada principalmente em relações sensoriais sensíveis. Não é possível traçar ali uma simples relação de uso ou manipulação. É necessário se embrenhar na paisagem, ser parte dela e escutá-la.

Dessas sensações trazidas pelo filme Stalker (1979), mescladas às experiências sensoriais que traçamos com as paisagens da Casa do Lago, compusemos uma trajetória por onde nossa performance passaria, convidando o público a viver a obra artística enquanto se deslocava por reentrâncias do espaço. Influenciada por Stalker (1979), a trajetória criada foi pensada de forma a nunca voltar pelo mesmo caminho da ida, descobrindo outras maneiras de contornar, traçando linhas tortuosas que atravessaram espaços de maneira menos óbvia. O ritmo da caminhada era regido pelo grupo dos espectadores em diálogo com as performances realizadas, em uma oscilação entre o andar e o pausar.

Imagem 10 – Foto da Performance Corpo-Planta.

 Foto: Beatriz Posto.

Um ato proibido realizado durante nossas pesquisas estabeleceu o local onde iniciaríamos a performance final. Em uma de nossas práticas durante o processo de criação, visitamos o parque que, apesar de ser seu vizinho direto, tem a entrada oficial no extremo oposto da Casa do Lago. Acessamos o parque por essa entrada oficial, mas arriscamos realizar nosso caminho de volta através de uma subversão: encontramos uma brecha na cerca de alambrado que separava o parque e a passagem de pedestres e, sorrateiramente, pulamos a cerca, nos escondendo dos vigias. A separação rígida entre um espaço e outro nos remeteu à imagem da Zona no filme de Stalker (1979): um espaço considerado perigoso, cercado e protegido, onde era proibida a livre circulação. Para adentrar nesses espaços proibidos era preciso, então, buscar uma brecha, um vão na cerca, a fim de possibilitar uma subversão desse limite.

 

Existe quase sempre uma espécie de atalho no fim do qual se acha um buraco na cerca, por onde se pode passar; podem-se atravessar estradas, bitolas da estrada de ferro, trechos de cidade, para depois voltar a entrar na Zona, por um outro buraco. As passagens encontram-se em todo lugar: pedras encostadas a um muro para passar do outro lado, um portão com as barras alargadas, uma tábua sobre um fosso, as pontas dobradas de uma rede de proteção (CARERI, 2017, p. 16).

 

Tendo como ponto de partida essa pequena subversão do grupo, resumidamente o percurso se iniciava nos alambrados, em uma espécie de invasão que percorreu toda a extensão da passagem de pedestres, para então acessar os fundos da Casa do Lago, penetrar por entre passagens estreitas e inabitadas de suas construções, ascender em direção a uma grande árvore e, finalmente, diluir-se por entre as várias pequenas árvores ao redor da Casa do Lago. A seguir, elenco os principais pontos de passagem da nossa performance final, com a indicação de algumas ações vividas nesses locais:

 

A – PASSAGEM DE PEDESTRES

1. Cerca de Alambrados: limitar e invadir;

2. Rua da Passagem de Pedestres: desorientar;

3. Grades Amarelas: enroscar;

B – FUNDOS DA CASA DO LAGO

4. Construção inacabada: bricolar e remodelar;

5. Estacionamento: cair, recuperar, desmoronar e sucumbir;

6. Corredor estreito externo: vibrar e ser atingido;

C – ÁRVORES

7. Grande árvore: enraizar e decompor;

8. Pequenas árvores ao redor: espalhar e criar redes.

 

Nesse percurso trilhado, tanto as características das paisagens quanto as qualidades de movimento dos performers se entrelaçavam e constituíam uma certa dramaturgia, na qual a cada lugar atravessado eram traçados sentidos, entendidos tanto como significados quanto como direções, em “escritas cênicas nas quais as relações espaciais são organizadoras da ação e indutoras de sentido” (FERRER, 2020, p. 8). A fim de promover ao leitor uma breve experiência do percurso trilhado e dar pistas de como as experiências do processo de pesquisa adentraram na constituição do todo, arrisco narrar em poucas palavras a performance final criada pelo grupo, intitulada Corpo-Planta:

A brecha da cerca inaugurou a performance em uma alusão à nossa pequena transgressão, anunciando a ideia de invasão. Iniciada na cerca de alambrado que traçava separações entre a cidade, a UNICAMP, o lago e o parque, e que impossibilitava o livre fluxo por essas espacialidades, os performers permaneciam rentes às cercas e evidenciavam aos espectadores essas fronteiras e a impossibilidade de acesso. Aos poucos, a partir das laterais, os performers começavam a acionar a sensação de peso de suas cabeças como indutoras de deslocamentos abruptos e imprevisíveis entre uma cerca e outra, atravessando o espaço de passagem. À medida que se deslocavam em trajetórias enviesadas pela passagem de pedestres, os performers passavam a deixar as margens para ocupar principalmente o centro, deslocando-se a partir do peso da cabeça em direções múltiplas e acionando o estado de descontrole experimentado nas práticas do Corpo-Porão. Essa movimentação causava uma perturbação no fluxo habitual daquela rua de acesso, fazendo com que os transeuntes e espectadores fossem obrigados a mudar seus posicionamentos e suas metas, buscando se esquivar dessa movimentação caótica dos performers.

Logo ao final do percurso pela passagem de pedestres, três dos performers se enroscavam lentamente como trepadeiras por entre três grades amarelas que se constituíam como obstáculos ao livre fluxo do local, trazendo uma qualidade Corpo-Planta. Posteriormente, esse ato de enroscar-se se estendeu aos demais performers, que se deslocavam conjuntamente a partir da ideia de bricolar e remodelar seus contornos e suas formas como um grande ser coletivo. Passando por amontoados de tijolos e areia ao lado de uma construção inacabada, o coletivo se deparava também com um amontoado de cadeiras largadas ao acaso. Retirando-as uma a uma, os performers as distribuíram espalhadas pelo espaço do estacionamento que fica aos fundos da Casa do Lago. Como um espaço pouco valorizado e habitado apenas por alguns funcionários, essa região era permeada por restos de objetos em locais meio esquecidos e estranhos. Ali, com cada performer sentado em uma cadeira, experimentamos a prática de queda a partir do peso da cabeça realizada durante as investigações da qualidade Corpo-Porão. Com repetições de quedas da cadeira, seguidas de tentativas de recuperação da posição sentada, chegamos à experiência de esgotamento e desistência, culminando em uma última queda onde os performers permaneciam rentes ao chão em uma pausa.

Dessa posição entregue ao chão, lentamente, os performers acionaram a agitação silenciosa de matérias, qualidade experimentada durante as pesquisas do Corpo-Planta. A partir dessa vibração contínua, gradativamente, construíam uma longa transição da horizontal para a vertical até chegarem novamente a uma posição de pé, para, então, acionarem a qualidade de deslocamento vivenciada na ideia de serem atingidos por algo. Esse deslocamento levava os performers para uma passagem ou corredor estreito entre duas construções da Casa do Lago, onde mantinham as movimentações geradas pela agitação silenciosa de matérias e pela imagem de ser atingido. Atravessada essa passagem estreita, os performers subiam um também estreito caminho por entre pequenos morros cobertos de grama, para acessarem a fachada da Casa do Lago que dá para a rua, onde existe uma grande árvore, com sua sombra generosa. Em uma ação circular em volta da árvore e aproximando-se dela, os performers se sintonizaram não apenas com sua copa, mas, sobretudo, com suas raízes, imaginando esses tentáculos imensos que se estendem debaixo da terra e se entrelaçam com muitos outros seres distintos, bem como com as raízes de outras árvores. Essa rede de relações invisíveis que se dá abaixo da terra constitui colaborações interdependentes de toda ordem, revolvendo a terra em busca de alimento a partir daquilo que se deteriorou. Dessa única grande árvore, os performers realizaram uma última ação, correndo e se espalhando para as pequenas árvores vizinhas que cercam a Casa do Lago, evocando a rede de seres subterrâneos e diluindo-se por entre prédios, plantas, ruas, carros, transeuntes e construções.

 

 

Imagem 11 – Foto da Performance Corpo-Planta.

Foto: Sofia

 

Imagem 12 – Foto da Performance Corpo-Planta.

 Foto: Beatriz Posto.

Imagem 13 – Foto da Performance Corpo-Planta.

Foto: Laila Padovan

 

Imagem 14 – Foto da Performance Corpo-Planta.

 Foto: Laila Padovan

Imagem 15 – Foto da Performance Corpo-Planta.

Foto: Beatriz Posto.

 

Imagem 16 – Colagem de Laura Fernandes e fotos da Performance Corpo-Planta.

 Fotos: Beatriz Posto 

 

 

Imagem 17 – Foto da Performance Corpo-Planta.

Foto: Beatriz Posto.

 

Decidida coletivamente, a denominação Corpo-Planta para nossa performance final evidenciou o protagonismo que a aproximação do universo vegetal desempenhou em nosso processo de criação, em um aprendizado sensível de outras relações com o mundo para além daquela travada pelos seres humanos. Buscando saídas para as destruições de toda ordem causadas pelas relações de uso travadas pelos humanos com os demais seres, sintonizamos a capacidade das plantas de se infiltrarem por entre paisagens arrasadas, a fim de possibilitar alguma criação em meio às matérias mortas em decomposição.

 

[…] encontram vida lá onde nenhum outro organismo consegue isso. Transformam tudo o que tocam em vida, fazem da matéria, do ar, da luz solar o que será para o resto dos seres vivos um espaço de habitação, um mundo. A autotrofia – é o nome dado a esse poder de Midas que permite transformar em alimento tudo o que se toca e tudo o que se é – não é simplesmente uma forma radical de autonomia alimentar, é sobretudo a capacidade que elas têm de transformar a energia solar dispersa pelo cosmos em corpo vivo, a matéria disforme e disparatada do mundo em realidade coerente (COCCIA, 2018a, p. 15).

 

 

Decomposição

 

1. ato ou efeito de decompor(-se);

2. divisão de um todo nos seus elementos componentes;

3. desintegração progressiva de materiais orgânicos mortos; apodrecimento; putrefação.

(DECOMPOSIÇÃO, 2023)

A criação coletiva da performance itinerante Corpo-Planta foi relatada acima como um trabalho de composição. No entanto, a pesquisa realizada durante toda a Residência Paisagens Mutantes exigiu que nos debruçássemos sobre um árduo trabalho com a matéria apodrecida, com aquilo que está em um estado de putrefação. A criação deixou de estar associada a uma ideia de organização dos elementos cênicos e passou a se atrelar a um mergulho no imponderável, naquilo que não conhecemos, nos restos de nossos corpos adoecidos, no descontrole, nos enrijecimentos de nossos sentidos, nos medos, nas sombras, na morte, na vivência do desmoronamento, no ato de sucumbir; tudo isso atrelado à criação de uma rede de alianças afetivas que davam respaldo à tamanha precariedade de nossos seres e do mundo.

 

Talvez, como os próprios sobreviventes de guerra, nós precisemos contar e contar repetidamente todas as nossas estórias de morte, quase-morte e da vida que nos é dada até que elas sejam assimiladas e nos ajudem a enfrentar os desafios do presente. É na escuta dessa cacofonia de estórias conturbadas que poderemos encontrar nossas melhores esperanças para a sobrevivência precária (TSING, 2022, p. 83).

 

 Não é aí, nessa aceitação da morte e da precariedade, que reside alguma possibilidade de compreensão de uma vida que não é feita sozinha, mas sim do emaranhamento de muitos seres?

Gosto de imaginar que a residência fez um trabalho não de composição em dança, mas sim de decomposição. Anna Tsing (2022), em suas artes de notar, se atenta aos cogumelos, destacando a importância desses seres em paisagens arrasadas pela ação humana, desenvolvendo todo um trabalho de decomposição sem o qual seria impossível qualquer regeneração.

 

Cogumelos insistem em brotar. Matsutake é um aliado para lidar com um mundo que perece. Enquanto decompositores, os fungos possibilitam a emergência da vida a partir da podridão. […] aguçamos nossa percepção para perceber a capacidade regenerativa que os fungos proporcionam às paisagens. Após a explosão atômica em Hiroshima, a primeira forma de vida a aparecer nas ruínas pertencia ao reino Fungi. Ao ocupar paisagens arruinadas, cogumelos e suas espécies companheiras fazem história, produzem transformação ao longo do tempo. Aqui nos encontramos com a potente assertiva de Donna Haraway, que, pensando com a salamandra, nos diz: “Precisamos de regeneração, não de renascimento.”

Regeneração é precisamente uma lição florestal, onde relações multiespécies são a regra do jogo (OLIVEIRA, 2022, p. 16).

 

Imagem 18 - Desenho de Getúlio Lima durante a Residência Paisagens Mutantes.

               

Voltamos aqui às cenas do filme Stalker (1979) de Tarkovsky. Aquelas paisagens mutantes existentes na Zona nos revelaram a presença das plantas como aqueles seres que se emaranharam nas ruínas da civilização e possibilitaram que a vida seguisse pulsante em meio e a partir da destruição. No entanto, após aguçarmos nossa atenção às plantas e descentralizarmos nossa percepção de um mundo só humano, é possível vermos agora o que permanecia invisível àquelas paisagens distópicas e que lhes davam o caráter de um território mutante: abaixo do solo pulsava processos de decomposição, que revolviam aquele chão, tornando-o móvel, em agitações silenciosas de matérias causadas pelas relações entrelaçadas de múltiplos seres, vivos e não vivos. “Essas coisas aparentemente mortas são atravessadas por um rumor interior. Têm as entranhas revoltas, um lençol freático as anima. Daí seu estado de convulsão” (PEIXOTO, 2003, p. 238).

As plantas não estavam sozinhas nessa retomada da vida em meio às ruínas. Sem conseguirmos notar, havia abaixo da terra a constituição de uma rede multiespécies. Ao percebermos que a vida surge não de um único ser autônomo e autossuficiente, mas sim de relações colaborativas entre muitos seres interdependentes, a aceitação da nossa condição de precariedade, de que somos seres vulneráveis e dependentes, deixa de ser aqui uma ameaça para se tornar nossa possibilidade de vida nas ruínas de nosso tempo. É vivendo a precariedade e se emaranhando em múltiplas relações que reside qualquer possibilidade de regeneração da vida.

Passado o momento crítico da pandemia, que escancarou nossa fragilidade, se engana quem acredita que o momento de desmoronamentos acabou. Seguimos em um mundo que se despedaça. Sigo, portanto, como um ser precário, traçando projetos de criação em dança em paisagens cotidianas, buscando inventar mais e mais redes e alianças afetivas, não apenas entre humanos, como também com espaços, objetos, plantas, fungos, bichos. Como um ser sempre em relação, aprendo e fabulo outras maneiras de ser no mundo, experimentando processos de (de)composição em dança e sentindo a sustentação da vida exatamente na aceitação de minha própria precariedade.

 

Uma comunicação corporificada é mais como uma dança do que como uma palavra. O fluxo de corpos significativos emaranhados no tempo – quer estes sejam erráticos e nervosos ou flamejantes e fluentes, quer os parceiros se movam em harmonia ou penosamente fora de sincronia ou algo totalmente diferente – consiste na comunicação sobre a relação, na própria relação e nos meios de remodelar a relação e, logo, aqueles que a encenam. (HARAWAY, 2022, p. 41)

 

Referências

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. In: Os Pensadores XXXVIII. 1a. Edição. São Paulo: Ed. Victor Civita, 1974, p. 181-354.

CARERI, Francesco. Caminhar e Parar. Trad. Aurora Fornoni Bernardini. São Paulo: Gustavo Gili, 2017.

CARERI, Francesco. Walkscapes: O Caminhar como Prática Estética. Trad. Frederico Bonaldo. 1a ed. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2013.

COCCIA, Emanuele. A vida das plantas: uma metafísica da mistura. Trad. Fernando Scheibe. Florianópolis: Desterro – Cultura e Barbárie, 2018a.

COCCIA, Emanuele. A virada vegetal. Trad. Felipe A. Vicari de Carli. Série Pandemia. São Paulo: n-1 edições, 2018b. Disponível em:

https://issuu.com/n-1publications/docs/cordel_emanuele_coccia. Acesso em: 25 mar. 2022.

COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos de Luiz Zerbini. Tradução de Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. 1a ed. Rio de Janeiro: Dantes Editora, 2020.

COMPOSIÇÃO. In: INFOPÉDIA. Porto: Dicionários Porto Editora, 2023. Disponível: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/composi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 04 jun. 2023.

DECOMPOSIÇÃO. In: INFOPÉDIA. Porto: Dicionários Porto Editora, 2023. Disponível: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/decomposi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 04 jun. 2023.

FERRER, Maria Clara. Olhar para aquilo que não se vê. Ensaio sobre uma poética das distâncias nas práticas cênicas de Lia Rodrigues e Antônio Araújo. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, ago.-set. 2020.

GERALDI, Silvia Maria. A prática da pesquisa e a pesquisa na prática. In: CUNHA, Carla; PIZARRO, Diego; VELLOZO, Marila Annibelli (orgs.). Práticas Somáticas em Dança: Body-Mind Centering em criação, pesquisa e performance. Brasília, DF: Editora IFB, 2019.

HARAWAY, Donna. Quando as espécies se encontram. Trad. Juliana Fausto. São Paulo: Ubu Editora, 2022.

OLIVEIRA, Joana Cabral de. Prefácio. Um encontro com O cogumelo do fim do mundo. In: TSING, Anna. O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo. Trad. Jorge Menna Barreto e Yudi Rafael. São Paulo: n-1 edições, 2022.

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (orgs.). Pistas do Método da Cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2020.

PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003.

ROYO, Miguel Ezcurdia. Stalker (1979) de Andrei Tarkovsky: a procura do Espaço Idealizado. Dissertação de Mestrado Integrado. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Porto, 2017.

ROYO, Victoria Pérez (org.) A bailar a la calle! Danza contemporánea, espacio público y arquitectura. Universidad de Salamanca, 2009.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4a ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.

STALKER. Direção e roteiro: Andrei Tarkovsky. União Soviética: Mosfilm, 1979. Duração: 161 minutos, M712, color.

TSING, Anna. O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo. Trad. Jorge Menna Barreto e Yudi Rafael. São Paulo: n-1 edições, 2022.

TSING, Anna. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB/Mil Folhas, 2019.


1  As práticas corporais descritas neste artigo se baseiam em minha longa trajetória de criações em dança contextual e trazem fortes influências de minha Tese de Doutorado em Artes da Cena, recém defendida em 05 de maio de 2023 no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob orientação da profa. Ana Maria Rodriguez Costas (Ana Terra). A tese intitulada “Floresta nas Ruínas da Cidade: fabular danças entre plantas, corpos e espaços” estará em breve disponível para consulta na Biblioteca do IA Unicamp.

2  Como reverberação de minha pesquisa de Doutorado em Artes da Cena, que ainda estava em andamento em 2022, concebi a proposta do projeto de extensão Poéticas do Corpo em Paisagens Pandêmicas do Instituto de Artes da Unicamp, que foi coordenado em parceria com a minha então orientadora profa. Ana Maria Rodriguez Costas (Ana Terra) e realizado junto a uma equipe formada pelos artistas pesquisadores José Teixeira, Juliana Semeghini e Laís Rosa e pela bolsista Flora Viviani. Para saber mais, acesse o site do projeto: https://sites.google.com/view/entrepaisagens/o-projeto?authuser=0

3  As práticas corporais desenvolvidas na Residência Artística Paisagens Mutantes não são tratadas nesse artigo como um material a ser analisado a posteriori, tampouco como um resultado de uma pesquisa previamente desenvolvida. Ao se apoiar na Prática como Pesquisa, compreende-se a pesquisa prática como a própria metodologia de pesquisa. Vale ainda ressaltar que o projeto de extensão Poéticas do Corpo em Paisagens Pandêmicas contou com o apoio do Grupo “Prática como Pesquisa: processos de produção da cena contemporânea” do Instituto de Artes da UNICAMP.

4  Trecho de diálogo do filme Stalker (1979), de Andrei Tarkovsky, destacado por um dos participantes durante os encontros da Residência.