No território urbano, o corpo dos sujeitos e o corpo da cidade formam um, estando o corpo do sujeito atado ao corpo da cidade, de tal modo que o destino de um não se separa do destino do outro. Em suas inúmeras e variadas dimensões: material, cultural, econômica, histórica etc. O corpo social e o corpo urbano formam um só.
Eni Puccinelli Orlandi (2004, p. 11).
Em 2008, foi fundado o Museu de Favela (MUF), na cidade do Rio de Janeiro, com base no conceito de museu de território. Um museu cuja extensão é o próprio território que recobre e dele fazem parte os sujeitos que o habitam. Nesse caso, o Museu da Favela abrange os morros Cantagalo, Pavão e Pavãozinho, localizados na zona sul da cidade, entre os bairros Ipanema, Copacabana e Lagoa, com cerca de 20 mil moradores.
Neste trabalho, inscrito no domínio do Saber Urbano e Linguagem, tecemos algumas considerações sobre o conceito de museu de território e nos apropriamos dele discursivamente para refletir sobre a constituição do Museu de Favela e os deslocamentos de sentido produzidos pelo modo de organização de seu acervo, exposições e visitações dadas as especificidades na instalação e regulação das “coisas-a-saber” (PÊCHEUX, 1997) sobre o sujeito e sobre o espaço urbano.
Ou seja, interrogamos o processo produção de arquivos considerando o museu como instituição que atua nos processos de individuação do sujeito e como prática de significação (ORLANDI, 2013a).
Tomamos teoricamente território e/ou favela pela noção de espaço urbano, enquanto um espaço “material (político-simbólico), sócio-histórico, com uma quantidade de sujeitos (significantes) vivendo dentro” (ORLANDI, 2001b, p. 202). Um espaço urbano específico da cidade, no qual se pode observar, pela linguagem, o funcionamento do social, das relações sociais. Assim, nos referimos ao espaço urbano para falar do lugar teórico dado ao território em nossa reflexão.
Neste percurso, nos norteamos pelas seguintes inquietações: quais são as particularidades de um museu de território? Como elas comparecem no Museu de Favela? Como se dá a instauração da memória de arquivo do MUF? De que modo é possível observar a relação do sujeito com o espaço urbano neste arquivo?
Essas mesmas perguntas nos levaram a observar o que nomeamos biografia urbana, caracterizada por ser um lugar de significação no qual sujeito e espaço urbano se entrelaçam num só corpo. Em deriva, analisamos o processo discursivo de biografização que se instala e estrutura o Museu de Favela.
Para isso, começamos pela leitura do conceito de museu de território.
1. Museu de território[1]
O conceito de museu de território – bem como os de museu comunitário, museu a céu aberto, museu local – é elaborado no âmbito da “nova museologia” ou da ecomuseologia definida por Varine (2003) como uma alternativa à museologia tradicional. O autor explica que se alinham à ecomuseologia todos os museus que consideram um território como um todo em vez de se atribuir a museu a existência de um edifício; que tenham origem na população deste território; que se estabeleçam sobre o patrimônio desta comunidade no território em vez de construir ou gerir uma coleção; e que estejam a serviço da sociedade, visando o seu desenvolvimento global e sustentável.
O museu de território se define, portanto, dentro do quadro dos ecomuseus, em decorrência desses deslocamentos, em vez do prédio institucional, ele abarca um território, o patrimônio ocupa o lugar da coleção e a atenção está naqueles que habitam um território em oposição ao preponderante enfoque dado aos visitantes como acontece nos museus tradicionais.
De antemão, podemos dizer que o conceito de museu de território além de abrigar um processo sócio-histórico de dupla musealização, pois tanto o território quanto os seus habitantes são musealizados, ele revolve a própria concepção de objeto de museu.
Brulon (2015) assinala que a invenção do ecomuseu remonta aos anos 1970-1980, em uma conjuntura marcada pela contracultura e o anseio pela emancipação da cultura popular na Europa. Sua invenção assim se insere num movimento político que busca encontrar um “antídoto à mundialização das culturas e alienação dos patrimônios” (VARINE, 2003, p. 3).
O ecomuseu “representou a utopia da democratização da memória” (BRULON, 2015, p. 267), pois seu projeto consiste em dar lugar à cultura silenciada, à cultura posta à margem da musealização em detrimento da cultura erudita das elites, da preservação dos registros de memória e visão de mundo das classes mais privilegiadas assim como do modelo de museu tradicional, fechado, organizado em torno de suas próprias coleções, de suas obras de arte.
Para Chagas (2011) trata-se de um processo amplo de democratização que não se limita a democratizar o acesso aos museus, mas significa a própria democratização do museu como uma das formas de democratizar a democracia, tendo em vista que o museu se ressignifica como tecnologia, um dispositivo para os movimentos sociais já que os ecomuseus surgem para acolher a memória dos mais diversos grupos sociais. No Brasil, a
diversidade museal trouxe a erosão das tipologias museológicas baseadas em disciplinas e acervos, o alargamento do espectro de vozes institucionais, a flexibilização das narrativas museográficas de grandes sínteses nacionais ou regionais, a experimentação de novos modelos museológicos e museográficos, a disseminação de museus e casas de memória por todo o país (CHAGAS, 2011, p. 12)[2].
O Museu de Favela, como veremos a seguir, pode ser considerado um exemplo desta diversidade.
Embora haja diferenças entre o museu tradicional e o ecomuseu, Scheiner (2012) tem críticas à institucionalização e ao desenvolvimento prático do projeto deste último[3]. Por um lado, a autora assevera que o ecomuseu “não é, certamente, uma ruptura com o museu tradicional, nem a única forma de relacionar, de forma ativa, museus e sociedade”. Por outro lado, afirma que, “sem dúvida, constitui uma alternativa interessante para a ressignificação de comunidades que desejam valorizar e dinamizar suas relações com o espaço, o tempo e o patrimônio, em âmbito local”, mas pondera que isso se efetiva “desde que não seja percebido como ferramenta (como quase sempre acontece)”, porque, para ela, “ferramentas são instrumentos que levam facilmente à manipulação” (SCHEINER, 2012, p. 24-25).
A nosso ver, qualquer museu, enquanto instituição, conjuga em seu bojo confrontos de ordem política em que pesam as relações de força, porque não é sem disputa que se circunscreve um patrimônio. Além disso, há o “jogo do esquecimento na memória” (ORLANDI, 2013a) que se presentifica nas práticas de significação. Com efeito, é preciso realçar que a institucionalização do museu de território acontece já afetado por esse jogo.
Atentamo-nos para o fato de que a invenção do ecomuseu incide, sobretudo, no objeto de musealização, pois se na museologia tradicional o objeto corresponde às coleções e seu valor documental, na ecomuseologia se privilegiam as experiências humanas ao lado dos gestos de interpretações possíveis acerca dos objetos. Altera-se, portanto, a relação sujeito-objeto.
Segundo Brulon (2015b, p. 31), passa haver um “novo sentido conferido ao objeto artístico pela arte contemporânea atuando na reordenação dos enunciados sobre os objetos e os valores neles investidos, sobretudo nos museus não introduzidos à linguagem artística clássica” e, com o surgimento dos ecomuseus, as relações do humano com o seu meio passam a ser o foco da musealização. Assim, as categorias classificatórias e todo o trabalho de curadoria, ordenação, coleta, indexação, pesquisa e exposição dos objetos e da própria compreensão de objeto são perturbados, pois a noção e/ou estatuto de obra de museu são desestabilizados à medida que entram cena as relações sociais estabelecidas em um território.
Essa questão da ressignificação do museu, sobretudo no tocante ao seu objeto é um dos pontos que nos interessa analisar a partir do modo como se configura aí uma outra relação de sentido com o objeto. Além disso, aponta para um lugar de inscrição do sujeito, haja vista que ao comparar a ecomuseologia e o museu tradicional, Varine (2003) mostra que a principal diferença entre eles recai sobre os habitantes do território, pois eles passam a ser entendidos como autores-atores do ecomuseu.
Varine (2003) ressalta que, enquanto alternativa ao museu tradicional, o ecomuseu não é uma instituição finita, mas torna-se um processo inserido na duração das dinâmicas de seu próprio desenvolvimento. Esse processo é feito de autores-atores: a comunidade e seus membros em primeiro plano, aliados a profissionais, técnicos, pesquisadores, grupos e entidades que participam da vida social do território e a representam.
Pela via da Análise de Discurso, teoria que fundamenta a área de pesquisa Saber Urbano e Linguagem, traçaremos a seguir um outro percurso de reflexão em vista do conceito de ecomuseu, ou melhor, de museu de território. Lidamos com a questão do objeto de museu e de museu como objeto considerando-a uma questão que toca os processos de significação. Da mesma maneira, nos dedicamos a analisar o lugar de inscrição do sujeito. No entanto, não tratamos do par autores-atores. Em vez disso, propomos a noção de biografia urbana, que de certo modo pode fazer ressoar esse par, para sondar as especificidades em torno do lugar de inscrição do sujeito que não se constitui sem ligação com o espaço urbano no Museu de Favela. Assim, a relação sujeito-espaço reside num processo discursivo que vamos chamar de biografização, no qual se entrelaçam simbolicamente espaço urbano e sujeito num só corpo.
2. O Museu de Favela como uma forma de discurso urbano
Do ponto de vista do dispositivo teórico-analítico da Análise de Discurso, a prática científica instaurada no domínio do Saber Urbano e Linguagem em seu modo de reflexão se configura e se especifica “na convergência de dois processos de significação: o da espacialização da linguagem na cidade e o da simbolização do espaço urbano” (ORLANDI, 2001, p. 7). Nesta articulação entre linguagem e espaço urbano, a cidade assim é observada por meio da linguagem e a linguagem é concebida como um observatório dos fenômenos urbanos (ORLANDI, 2004).
O trabalho deste domínio é então voltado para a compreensão da cidade em suas formas de se significar e, por conseguinte, produzir sentidos, levando-se em conta que, enquanto espaço simbólico-político-ideológico, a cidade demanda gestos de interpretação ao mesmo tempo em que coloca questões sobre a constituição e os processos de individuação do sujeito citadino bem como sobre a vida em sociedade.
É, pois, no traçado desta convergência que observamos algumas especificidades do funcionamento discursivo do Museu de Favela.
Para isso, investimos no gesto de apropriação uma vez que embora façamos remissão a estudos de campos científicos tais como o da museologia, não mantemos com eles uma relação de reprodução de saberes. Nosso gesto de apropriação consiste na inscrição desses saberes em nosso quadro teórico. Nas palavras de Pêcheux (1990), a apropriação de um objeto de ciência implica em uma mudança de terreno. Essa mudança de terreno por sua vez é operada por uma prática teórica, ou seja, “por meio de um trabalho conceitual determinado” (PÊCHEUX, 2011, p. 25).
Sendo assim, nesta seção, procuramos dar consequência a uma compreensão discursiva de museu de território bem como propor a noção de biografia urbana a fim de analisarmos o processo discursivo de biografização que se presentifica no MUF. Por sua vez, essa proposição já é um dos efeitos do trabalho de análise.
2.1. O museu como objeto ideológico
Compreendemos o museu como “espaço material (simbólico, político, histórico e físico)” (PFEIFFER, 2013, p. 226), como instituição que regula a gestão da memória de uma sociedade em meio a relações de força e poder. E, com isso, não só administra as múltiplas coisas-a-saber, isto é, “conhecimentos a gerir e a transmitir socialmente” (PÊCHEUX, 1997, p. 34) como também, para isso, intervém na produção de arquivos.
Enquanto museu, o Museu de Favela não escapa dessas determinações. Levando-as em conta e, em face de sua especificidade como museu de território, (re)situamos o Museu de Favela como uma das formas do discurso urbano assim como a pichação, inscrições, painéis, rap, rodas de conversa, poesia urbana, grafitos, entre outros. Isso porque a cidade tem um corpo significativo com suas formas de significar e o museu de território reúne em seu espaço sujeitos e significantes engendrando uma narratividade[4] urbana, isto é, um “modo de se trabalhar a espessura semântica da cidade, atravessar o urbano saturado e flagrar o real da cidade se significando” (ORLANDI, 2004, p. 36).
A narratividade urbana se constitui por um conjunto de espaços narrativos. Para nós, a biografia faz parte desse conjunto. A biografia é uma das vias da narratividade urbana posta em circulação no MUF, e estabelece uma relação estruturante com o museu e seu objeto.
O museu de território ao mesmo tempo que instala se estrutura em biografias, pois tem em sua fundação um princípio biográfico: descrever, contar, narrar, mostrar o território e seus habitantes. Esse princípio se configura discursivamente como um processo de significação que instaura um modo de significar a favela e seus moradores enlaçados.
Ao lado disso, o objeto do museu de território não é uma obra de arte, um espécime científico, obras raras, entre outros, comumente expostos nos museus tradicionais. O objeto do museu é o próprio museu em sua história e existência. Em suas condições de vida. Ou ainda, o objeto do museu de território é tecido de espaços e sujeitos em suas condições materiais de existência. Com efeito, altera-se indissocialmente, portanto, o estatuto de museu e de objeto de museu.
Neste caso, não se trata de objeto empírico. O museu de território se constitui como objeto ideológico. De acordo com Pêcheux (2011), um objeto ideológico apenas existe “como relações de forças historicamente móveis, como movimentos flexíveis que são surpreendentes por causa do paradoxo que eles possuem. Esses movimentos funcionam como unidades divididas” (p. 97), cuja propriedade consiste em ser, igualmente, idêntico e antagônico entre si.
Assim, propomos mirá-lo não sob efeito de univocidade lógica como objeto físico, lógico ou formal, mas compreendê-lo como objeto ideológico constituído de relações de forças que operam na construção das evidências subjetivas do sentido e do sujeito. Com isso, propomos compreendê-lo, também, como objeto simbólico, ou seja, como objeto instituído de gestos de interpretação e que produz significação.
Nesta via de reflexão, o espaço urbano e os sujeitos constituem o Museu de Favela de uma maneira singular, instituem biografias urbanas, pois eles encontram-se atrelados no processo discursivo de biografização. Por esse processo, é possível observar o funcionamento de um discurso, no qual “estando o corpo do sujeito atado ao corpo da cidade […] o destino de um não se separa do destino do outro. Em suas inúmeras e variadas dimensões: material, cultural, econômica, histórica etc.” (ORLANDI, 2004, p. 11).
Dada essa especificidade, enquanto um processo discursivo, a produção de biografias espacializa sentidos no corpo urbano ao mesmo tempo em que nelas se inscrevem sujeitos, discursividades. Configura um corpo de metaforizações.
Orlandi (2017) situa o relato, o conto, a lenda ou o causo como matéria. “Matéria de memória em funcionamento em seus trajetos e deslocamentos” (p. 32) que funciona pela narratividade. Fazendo a distinção entre narrativa e narratividade, Orlandi (2013b) propõe pensar a narratividade, neste caso, como sendo “a maneira pela qual uma memória se diz em processos identitários, apoiados em modos de individuação do sujeito, afirmando/vinculando seu pertencimento a espaços de interpretação determinados, consoantes a específicas práticas discursivas” (ORLANDI, 2013b, p. 28).
A biografia urbana também é matéria de memória em movimento. É lugar de incidência do interdiscurso, aquilo que fala antes, em outro lugar e independentemente, “corpo de traços (sócio-históricos) que formam memória” (PÊCHEUX, 2011, p. 147).
2.2. Biografias urbanas
Em linhas gerais, biografia pode ser tomada como sinônimo de descrição de vida, história de vida, memória de vida, narrativa de vida, recordação de vida, relato de vida. A biografia é uma forma de contar a vida de alguém, este é seu objeto.
No universo literário, biografia é um termo associado a obras literárias que retratam a vida de uma pessoa, esta na maioria das vezes é reconhecida socialmente: um artista, político, cientista, atleta etc. Mas há também biografias de pessoas comuns que, por alguma razão, são de interesse público, social.
Autor e protagonista são elementos estruturantes da biografia neste universo. Muitas vezes eles são um só.
“Em seu sentido lato, de escrito que tem por objeto a história de uma vida particular, a biografia está ligada ao próprio surgimento da história como forma de conhecimento do mundo” (SCHMIDT, 2003, p. 58). Nesta vertente, a biografia ocupa um lugar de observação que passa pelos regimes de historicidade manejados na sociedade ao longo do tempo.
No campo da historiografia, encontram-se biografias dos “grandes homens” da história. Todavia, Schmidt (2003) ratifica que, por exemplo, no Brasil, há um movimento de produção de biografias de militantes operários, escravos e ex-escravos. Uma brecha que acolhe biografias à margem e vem sendo esgarçada.
Uma biografia pressupõe expor a história de vida de alguém. Por isso, sem dúvida, a biografia é terreno da linguagem, da história e do sujeito. Um modo de produção de sentidos, uma forma material de discurso.
Em sua estrutura se entrelaçam a ordem de um dizer de si para o outro ou um falar sobre o outro para outro(s). Pressupõe uma relação de interlocução e, portanto, a produção de efeitos de sentido. Põe em movimento um funcionamento discursivo intrinsecamente ligado à memória discursiva. Trata-se de um acontecimento do dizer em curso, pois a partir da biografia, os sujeitos tornam-se os próprios personagens de sua vida e dão a ela uma história. Como preconiza Delory-Momberger (2012), é o lugar no qual a existência humana ganha forma.
A adjetivação “urbana” para biografia decorre da singularidade da associação entre sujeito e espaço urbano. A biografia urbana resulta da observação de que no Museu de Favela, a vida do sujeito não se separa da vida da favela assim como a vida da favela não se separa da vida do sujeito. Eles são significados em sua coexistência, na singularidade de seu laço, produzindo um efeito de metonimização[5] concernido no percurso de sentidos entre um e o outro.
Portanto, discursivamente pensamos a biografia urbana como um processo discursivo de produção de sentidos e sujeitos. Um processo que visibiliza a relação mediada pela linguagem-e-ideologia entre sujeitos e suas condições reais/materiais de existência. Ou, ainda, forja ao mesmo tempo que flagra o modo como cada sujeito se relaciona com as suas condições de existência, com o espaço urbano do qual também é corpo.
Frisando que o discurso, “enquanto teoria geral da produção dos efeitos de sentido” (PÊCHEUX, 2019 [1969], p. 146), tem espessura material, densidade político-ideológica, camadas de significação, colocamos então, em análise, este processo de biografização como lugar de observação da produção dos efeitos de sentido no Museu de Favela.
3. Traços de um discurso institucional museológico
Como procedimento e método, a Análise de Discurso pratica a “relação entre a análise como descrição e a análise como interpretação” (PÊCHEUX, 1997, p. 17, grifos do autor), em um contínuo vai-e-vem. Teoria e análise se conjugam neste movimento. E dando início à análise, partimos da descrição do Museu de Favela, realçando condições de produção de significação, no qual está inserido, e cotejando a relação inseparável entre linguagem e exterioridade.
Como dissemos anteriormente, o Museu de Favela foi fundado em 2008, na cidade do Rio de Janeiro. Institucionalmente, o MUF[6] é apresentado como uma organização não governamental privada de caráter comunitário fundado por moradores – reconhecidos como lideranças culturais, engajados em atividades e projetos artísticos-culturais – das favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo do Rio de Janeiro.
Sua estrutura administrativa e de gestão sustenta-se em um modelo de governança em torno do patrimônio, redes e projetos culturais. O MUF recebe doações, conta com o trabalho de voluntários e apoio de parceiros como o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), governo federal, governo do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Puc-Rio, Unirio, Rede de Museologia Social, entre outros. Realiza oficinas, projetos culturais, exposições e recebe visitações, além de oferecer dois diferentes circuitos de visitação pelo seu território.
Por esses traços de um discurso institucional, notam-se aí as bases às quais se refere Varine (2003), que caracterizam um museu de território, tendo em sua gênese a comunidade e seus membros, contando com o envolvimento de profissionais, pesquisadores, grupos e entidades na realização de seu projeto.
Em relação à significação do MUF como museu e sobre a questão do objeto do museu, da primeira página de seu website, trazemos o seguinte recorte (R1):
R1: Nesse primeiro museu territorial e vivo sobre memórias e patrimônio cultural de favela do mundo, o acervo são cerca de 20 mil moradores e seus modos de vida, narrativos de parte importante e desconhecida da própria história da Cidade do Rio de Janeiro.
Por esta descrição, é possível observar o modo pelo qual o MUF vai sendo caracterizado como um