O alberque é um local cujas significações, ao lado daquela de acolhimento, são rodeadas de interrogações, desconhecimentos, equívocos. Vejamos estas acepções do dicionário Aulete Digital:
“1. Local onde se recebem hóspedes para pernoite mediante pagamento; HOSPEDARIA; ALBERGARIA
2. Lugar onde se abrigam pessoas carentes ou que precisam de cuidados, assistência médica, sustento etc.; ASILO
3. Local, ger. público, onde moradores de rua se abrigam à noite; ABRIGO; ALOJAMENTO
4. Lugar de retiro, de refúgio.
[F.: Do gót. *haribairgo, pelo provç. Albergue.]”
Albergue noturno
1 Espécie de asilo para o pernoite de pessoas desabrigadas. (AULETE DIGITAL, 2015)
Diante da palavra mais conhecida e de sentido estabilizado hotel: “Estabelecimento comercial que oferece hospedagem, alugando quartos e apartamentos mobiliados e ger. acrescentando serviços vários de alimentação, lavanderia, lazer etc.” (Aulete, 2015), com albergue há uma certa indeterminação, semelhanças e diferenças.
A primeira acepção do Aulete Digital é encabeçada pela palavra “local”. Seria esse local um estabelecimento comercial, uma instituição pública? Quando nos albergues “se recebem hóspedes para pernoite mediante pagamento” parece não haver distinção entre albergue e hotel. Seria o tamanho? Os serviços?
Na segunda acepção, a palavra pernoite não aparece, e sim o verbo abrigar (“abrigam”) e não se tratam de hóspedes mas de “pessoas carentes” ou “que precisam de cuidados, assistência médica”. Nesse caso, ele se mostra como sinônimo de “asilo”.
Em uma terceira acepção o “local” é determinado como público (“ger. Público”) e os sujeitos são ainda mais especificados: “moradores de rua” que se “abrigam à noite”. E na quarta acepção (“lugar de retiro, de refúgio”), os sentidos de isolamento e de fuga são acentuados.
Nota-se, assim, que no verbete alberque há uma gradação de sentidos que vai do menos ao mais carente, ao mais isolado ou escondido. E também que não são mencionadas atividades ou serviços ali prestados, como de alimentação, atendimento psicológico, médico, atividades culturais e de orientação. Em contraste com hotel, não se fala sobre a descrição da construção, dos quartos. Enquanto isso, em hotel não se fala sobre o poder aquisitivo ou nível de carência dos hóspedes, nem se o hotel será utilizado por alguém como refúgio. Mas menciona-se o tipo de local (“estabelecimento comercial”) e apresenta-se a descrição dos quartos (“mobiliados”) e serviços oferecidos (“serviços vários de alimentação, lavanderia, lazer etc.”).
Enfim, vemos que a significação dos espaços urbanos no dicionário varia conforme os locais tomados como objetos de definição, de descrição, de sinonímia. Há um determinado silêncio quanto às práticas de assistência aos sujeitos albergados, bem como sobre a precariedade das relações que isso envolve, como se tudo se devesse à “carência dos sujeitos”. A falta do Estado, nesse sentido, se mostra no modo mesmo como na linguagem tais espaços urbanos são signficados.
Bibliografia
AULETE DIGITAL – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: http://www.aulete.com.br. Acesso em 17 de março de 2015.